31/05/2020
São deslocados de uma guerra não declarada, mas que está a mexer com o tecido social em Cabo Delgado. Mais de 600 pessoas estão na vila de Namialo, na província de Nampula, onde procuram segurança, depois de terem sentido na pele os horrores do terrorismo. Falta abrigo, comida e até água para aqueles concidadãos.
A 95 km da cidade de Nampula situa-se a vila de Namialo, no distrito de Meconta. Trata-se do terceiro distrito para quem sai de Cabo Delgado para Nampula por via rodoviária e curiosamente, esse é o destino de muitos “deslocados de guerra” por ter uma comunidade de antigos combatentes da etnia maconde.
O silêncio, a calma, a paz e o sossego é tudo quanto precisavam mas mais de 600 pessoas que deixaram os distritos do norte de Cabo Delgado, onde há dois anos e meio vive-se um clima de uma guerra não declarada.
A movimentação da população em massa começou em princípios de Abril passado, depois de intensos ataques nas vilas de Mocímboa da Praia, Muidumbe, Macomia e Quissanga, por parte dos terroristas.
Teresa Maurício, 30 anos de idade. Grávida de sete meses, mãe de três filhos. Consegiu sair de Muidumbe com a família, mas o que não consegue neste momento é apagar as memórios do que viveu em pleno dia da mulher moçambicana. “Entratam no dia sete de Abril e encotramo no mato até ao dia 11. Dia 12 saímos de casa. estive com os meus filhos esses dias todos no mato. Choveu e molhamos ali mesmo”.
Na aldeia onde viviam os terroristas mataram um professor. Tadeu Romão, 34 anos de idade, é marido de Teresa. Diz que o que se passa em Cabo Delgado só tem um nome:
“Nós população que saiu de lá famalos de guerra”.
Agora travam outra guerra para a sobrevivência! Arrendaram uma casa em Namialo a mil meticais, mas não sabem como pagar no final do mês porque nenhum deles trabalha.
A cada dia chegam mais deslocados. Numa das casas feita de material precário estão 19 pessoas. A situação é degradante. Os dias são particulamente difícieis. Comer é um desafio. Dormir, também. Na mesma casa cruzam-se pessoas de todas as idades que antes não se conheciam.
Vitória Modesto escapou de dois ataques, em Abril e Maio. “Entraram no dia sete de Abril, às 7 horas. Até deixei galinha dentro de casa, como era dia da mulher e fugi com os meus filhos para o mato e ficamos uma semana. Depois sai para a aldeia e preparei viagem para Mengueleua. Dia 11 de Maio aconteceu a mesma coisa em Mengueleua, às 4h00 entraram os al-Sabaab”.
Muitos dos deslocados são mulheres e crianças. Alguns não têm notícia dos parentes que se dispersaram pelas matas durante os ataques.
E o governo do posto administrativo de Namialo, em Nampula, diz que a chegada de deslocados de Cabo Delgado coloca um grande desafio na disponibilização de mantimentos e controlo da COVID-19.
Quando começou a se verificar o movimento massivo de chegada de deslocados, o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades e parceiros do Governo de Moçambique viram-se na contigência de prestar apoio aos afectados, disponibilizando quits de abrigo e produtos alimentícios.
“Estamos agora focalizados nesses 666, onde já abastecemos com alguns géneros alimentícios, vestuário, material de higiene e agora estão a receber quits de abrigo”, disse Adelina Mucala, chefe do Posto Administrativo de Namialo.
Neste momento de combate à COVID-19, e atendendo que Cabo Delgado tem maior número de casos a nível nacional, as autoridades do posto administrativo de Namialo dizem que observam as medidas de prevenção.
“O que fazemos, sempre que os nossos líderes nos comunicam que tem novas entradas, accionamos alguma equipa já formada, onde um dos integrantes é um técnico de saúde. Eles fazem o seu trabalho e temos feito visitas para aconselhamento e acompanhamento no que diz respeito ao CIVID-19. Passadas duas semanas fazemos outro tipo de assistência”, explicou a dirigente.
Entretanto, há muitos deslocados que não usam a máscara, para além do distanciamento social que praticamente não é observado dadas as condições em que as pessoas estão albergadas.
O PAÍS – 31.05.2020
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