Raptos de alto rendimento
Por Edwin Hounnou
Os raptos, em Moçambique, constituem uma verdadeira indústria que floresce a olhos vistos e ninguém está preocupado em pôr termo esta forma criminosa de fazer dinheiro. As vítimas são pessoas da mesma classe – empresários com dinheiro suficiente para pagar os milionários resgates e a taxa de liberdade que os raptores exigem às suas vítimas, como condição para não voltarem ao cativeiro. Os raptos acontecem, com toda a normalidade, nas cidades de Maputo, Beira, Nampula, Maxixe e nada acontece. Agora atinge, também, Chimoio, outrora considerado tranquilo para se viver e fazer negócio.
Nos dias que correm, nem os seguranças nem as grades protegem alguma coisa. Os raptores penetram nas lojas, escritórios, residências e interpelam as suas vítimas em todo o lado. Ferem ou matam guardas e levam as suas presas para lugares desconhecidos até que os familiares da vítimas paguem o resgate. Estudam os movimentos de quem pretendem raptar e, no momento exacto, trazem a presa pelo colarinho, como se estivéssemos na selva onde reina a lei do mais forte. A polícia tem meios circulantes que vemos chiando pelas assembleias de voto, em momentos de eleições, amedrontando, espancando e, até, atirando contra vigilantes da oposição.
A concluir pela impunidade como actuam os raptores, pode-se dizer que algo está muito errado na Polícia da República de Moçambique (PRM) e na Procuradoria-Geral da República (PGR) que, durante anos a fio, vêm dizendo que estão a trabalhar para apanharem ou esclareceram, mas ao fim do dia, todos os raptores vão o monte, como sempre ouvimos dos porta-vozes da polícia. Por outras palavras, não há vontade política para acabar com os raptos. Eles são um negócio altamente lucrativo que envolvem grandes somas de dinheiro e gente graúda pelo meio, por isso, não têm um fim à vista.
O monte para onde se refugiam os raptores deve estar cheio de malfeitores de diferentes grandezas a comerem e a beberem à vontade por saberem que nada lhes vai acontecer. A polícia está manietada e os bons foram silenciados. A PRM e a PGR andam entretidas com coisas mais interessantes para si do que com a protecção das pessoas e de seus bens como seus negócios, infraestruturas e da sua integridade física e moral.
Ainda não sabemos se a aparente apatia da PRM e da PGR se deve à incompetência ou à conivência, mas o sinal que nos chega é bastante preocupante. Há uma total apatia das autoridades apesar da colaboração de alguns familiares das vítimas em fornecer dados relevantes capazes de conduzir o trabalho policial a bom termo. A falta de confiança na polícia é de tal forma tão gritante que, quando ocorre um rapto, os parentes dos raptados preferem negociar a libertação do seu parente a informar polícia. Porquê as coisas acontecem de tal modo? É por desconfiar que os raptores estejam na “bolada" com polícias e assim evitam complicar a situação da vítima? – Talvez sim.
Os familiares das vítimas sabem que não podem contar com a polícia e da PGR, a menos que tenha um amigo bem colocado na esfera do poder ou um primeiro-ministro de um país com muita influência sobre a economia moçambicana capaz de telefonar para o presidente Filipe Nyusi para inverter a situação, de outro modo, é melhor avançar com negociações com os malfeitores e pagar o resgate exigido pelos bandidos. Outro caminho que se vislumbre melhor, não existe.
Não há nenhum caso em que os parentes dos raptados se dirigiram à polícia para libertar o seu familiar. Esta postura mostra uma profunda ausência de confiança com a polícia que recebe salários e as mordomias que envolvem as suas chefias provenientes de cidadãos que pagam impostos ao Estado. É natural que não se pode nutrir confiança numa polícia que parece estar a colaborar com os malfeitores e se limita a dizer que está no encalço dos malfeitores a monte. Esta ladainha não convence nem ao cidadão mais distraído. Os resultados da polícia nunca aparecem, daí a mentira para dar a impressão de que “a nossa polícia está a jobar”, quando não passa de uma fofoca. A PRM tem a obrigação de saber quem manda raptar cidadãos com o fim de lhes extorquir dinheiro.
Se a Polícia não sabe de nada, então, essa instituição está a mais. É, de todo, inútil e até prejudicial. Qualquer polícia do mundo tem a missão de defender ajudar e proteger o cidadão. Entre nós, quem se dirigir à polícia para solicitar uma ajuda, nem que seja para perguntar o endereço de uma rua ou instituição, corre o risco de cair na boca de crocodilo. O cidadão prefere perguntar a um anónimo a um policial, diferente do que acontece em países civilizados onde o polícia está para ajudar. A polícia tem que inspirar confiança nos cidadãos e não se pode continuar a ver no agente da polícia um carrasco que vem bater e extorquir. Para que isso aconteça, a mudança deve começar com a postura da polícia. Um agente da polícia é visto como um intruso que está para infundir medo e perturbador do sossego.
Numa análise minimal, podemos ver como a Polícia Municipal se comporta da Cidade de Maputo, onde vivemos, é bastante constrangedor. Ninguém nega que as nossas cidades devem ter normas de como se tem de viver - limpas e organizadas. Porém, não é isso o que assistimos. Vemos mamanas a correrem de um lado para o outro, com balde de bolinhos ou gelinhos numa mão, fugindo da polícia camarária que querem se apoderar do balde e dos seus bens. Assim não pode ser. Vezes sem conta, mamanas ficam a chorar por não saberem o que dar aos seus dependentes, uma vez que a Polícia Municipal ficou com os seus bolinhos, gelinhos e garrafinhas com água gelada ou sumo.
Não defendemos a proliferação de espaços de venda de qualquer coisa nas ruas e passeios, mas as autoridades municipais têm que encontrar uma forma mais humana da resolução deste problema quase generalizado nas nossas zonas urbanas. A pobreza gera um outro problema – transforma a polícia municipal em aves de rapina, como, por exemplo, uns milhafres. Para não nos circunscrevermos no domínio da pura especulação, quem, em última instância, se beneficia dos produtos que a polícia municipal anda a arrancar ou capturar nas ruas e passeios? Não se pode fingir que nada de anormal esteja a acontecer. É preciso agir a fim de parar com as mãos largas da polícia municipal. Isso é o reflexo em ponto menor do grande mal que assola PRM e das demais instituições públicas do nosso país.
Nenhum investidor vem pôr o seu dinheiro num país que não oferece nenhuma segurança, onde, a qualquer hora, pode ser interpelado por malfeitores, raptado e ver os frutos do seu investimento extorquidos. Regozijamo-nos com a manifestação da classe empresarial da Beira que se levantou para exigir mais protecção das autoridades e proteger os cidadãos não é nenhum favor do Estado, é uma obrigação constitucional da polícia. Em tempos, em Maputo, os empresários, também, saíram à rua para exigir uma maior protecção como condição para votarem na Frelimo e no seu candidato.
A diferença entre os empresários da Beira e os de Maputo consiste na concepção de a protecção é um direito que assiste a todo o cidadão e é inegociável. Os da Beira exigem segurança e protecção enquanto direito constitucional, os de Maputo diziam que “se não nos protegerem, não votaremos na Frelimo". A protecção não deve ser uma questão de voto. Há um pacto social que obriga o Estado a defender o seu cidadão. Este direito não deve ser uma moeda de troca nem condicionada a nada. Pagamos impostos ao Estado para sermos protegidos e defendidos.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 04.11.2020
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