"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Manuel Chang e os difíceis cálculos da Frelimo (análise)


A cada dia que passa, chega até nós um conjunto incrível de alegações sobre outras negociatas onde Manuel Chang, como Ministro da Finanças, esteve envolvido ou deixou que acontecesse sob seu olhar impávido e cúmplice. O caso Odebrecht, em que terá recebido "luvas" para sobrefacturar o valor da obra do "elefante branco" do Aeroporto Internacional de Nacala, através de uma dívida contraída ao banco BNDS do Brasil, não é único.
[A contratação de dívida com valores altamente inflacionadas tornara-se um mecanismo de acumulação primária de renda no consulado de Armando Guebuza; grosso modo, todas a obras públicas realizadas tiveram como "leitmotiv" um apetite de enriquecimento ilícito: o aeroporto de Mavalane estava orçado em 50 milhões de USD, mas um assessor de Armando Guebuza, cujo nome omitimos, impôs ao Ministério das Finanças que fossem acrescentados 20 milhões de USD – que foram para bolsos privados mas aumentando a dívida pública da obra]. 
Durante 10 anos Ministro das Finanças do Presidente Armando Guebuza, Chang viu passar na sua mesa várias negociatas orquestradas por elementos da elite política. Adjudicações corruptivas, sobrefacturação de obras públicas em massa e duvidosos negócios imobiliários envolvendo o tesouro público. Nalguns negócios, ele terá participado como sócio fantasma. Noutros foi obrigado a fazer vista grossa, como naquela apropriação massiva de uma linha de crédito concessional de Portugal, que acabou beneficiando privados através de uma mentirosa parceria público-privada (a Ponte de Kassuende, em Tete, com portagem, onde o privado apenas investiu sua capacidade de tráfico de influências, ganhando milhões, e o Estado e seus contribuintes carregam o fardo pesado de um endividamento caloteiro.
É óbvio, então, que Manuel Chang esteja na posse de muita informação sobre a sujeira da corrupção que temos vindo a viver em Moçambique nos últimos anos. Ele sabe de mais, dos esquemas urdidos e dos seus principais beneficiários que, se for extraditado para os EUA e der com a boca no trombone, muita gente altamente posicionada na nossa elite endinheirada vai ser exposta como estando envolvida no roubo e no enriquecimento ilícito.  Não é apenas a rede criminosa directamente beneficiária da dívida oculta que anda em pulgas com a perspectiva de uma delação de Chang. É toda uma súcia elitista que vive de negociatas com fundos públicos, também usados para financiar a manutenção da Frelimo no poder. Por isso, o alarido à volta da extradição de Chang para os EUA. E a intervenção da PGR para que o deputado seja julgado em Moçambique.
Oficialmente tida como no único e puro interesse da justiça, com o intuito de acautelar o confisco local de bens, a extradição de Manuel Chang é percebida na opinião pública como uma estratégia do poder político para evitar os danos eventuais de uma delação de Chang nos EUA, que exporia o profundo carácter improbo do nosso Estado.
 Trata-se, portanto, de um cálculo político. Mas um cálculo político feito a todo o custo, inclusive ante a possibilidade de convulsões sociais e até uma severa punição da Frelimo nas urnas em ano de eleições. A mera perspectiva de Chang regressar a Moçambique já está a causar uma ira profunda na sociedade, habituada a ver uma classe política corrupta se passeando na impunidade e temendo agora que Chang tenha a mesma sorte.
 Os moçambicanos gostariam de ver este caso como um novo começo. Um Estado energicamente comprometido em deixar que a justiça corra o seus tramites normais, mesmo que percamos de uma vez por boa parte dos bens roubados. Não seria a primeira vez. Deixar Chang ir para os EUA, independentemente do seu estatuto político, seria um golpe profundo sobre aqueles que continuam vivendo atolados no enriquecimento ilícito. Seria a demonstração de uma vontade política contra a impunidade.
Mas a Frelimo faz os cálculos que faz. Para proteger uns poucos, o partido investe contra a sua popularidade já nas ruas da amargura. O cálculo parece completamente errado. Em ano de eleições, não se compra uma guerra política com os EUA. Recordem-se: eles já têm consigo toda planilha de subornos na Privinvest. Todos os movimentos dos dólares corruptos da dívida. Se Chang for trazido para cá, é claro que essa informação vai ser vazada, para que a opinião pública saiba, em ano eleitoral, quem recebeu o dinheiro do calote.  A Frelimo ficará a perder em toda a linha. E o próprio Chang também. Voltar a Moçambique para quê? Para acabar sucumbindo ao tédio ou a uma bala perdida de fogo amigo?  (Marcelo Mosse)

Sem comentários:

Enviar um comentário