11/01/2019
A actuação da Procuradoria Geral da República (PGR) em relação à problemática das dívidas ocultas já era vista com muita suspeita, mas o seu comunicado da última segunda-feira, dez dias após a detenção do antigo Ministro das Finanças Manuel Chang, veio demolir qualquer resíduo de credibilidade que poderia ainda restar no seio daquela instituição.
Durante todo este tempo a PGR foi arrastando o processo, e a sua última intervenção parecia mais destinada a recuperar o tempo perdido. Mas saiu-se mal, particularmente, mas não só, pelo longo silêncio a que se remeteu antes de reagir.
E nisso não esteve só. O partido Frelimo continua ainda num silêncio sepulcral perante as circunstâncias em que se encontra um membro do seu comité central, e a Assembleia da República parece ter ficado tão desorientada que não conseguiu ainda encontrar uma palavra de conforto para um dos seus membros.
Por qualquer padrão, dez dias é muito tempo para a PGR reagir sobre um assunto que já está nas suas mãos desde pelo menos 2015.
O comunicado destaca-se pela forma como a PGR pretende transformar-se em vítima da sua própria inação, acusando jurisdições de outros países de não terem colaborado para a disponibilização de informação relevante para ela avançar com o processo.
A lamentação da PGR procura dar a entender que ela, sem essas informações, está incapacitada de prosseguir com o processo. Nessa assumpção, a PGR ignora o facto de que grande parte de toda a informação sobre este processo está contida no relatório de uma auditoria realizada sob a sua própria égide.
As informações sobre os movimentos bancários a que o comunicado da PGR se refere estão sob custódia dos bancos, e como tal protegidas pela obrigatoriedade do sigilo bancário. Este só pode ser levantado em cumprimento de ordens judiciais dos respectivos países. É às autoridades judiciais destes países onde a PGR deve remeter os seus pedidos, e não através de processos meramente burocráticos entre governos.
É também muito estranho que apesar de não possuir tais informações, a PGR anuncie, agora pela primeira vez, ter constituído 18 arguidos. Nunca antes esta informação tinha sido partilhada com o público, e pouco se sabe se os indivíduos em causa terão sido notificados para permitir que constituam a sua própria defesa. Não se sabe que medidas de coação terão sido impostas sobre os referidos arguidos. E como é óbvio, porque a responsabilidade criminal é intransmissível, há o dever de nomeação de cada um destes indivíduos, incluindo os crimes de que são indiciados.
Para além disso, alguém não precisa de especialidade em matéria judicial para perceber que num caso como o das dívidas ocultas, com todos os contornos sinuosos que o caracterizam, uma das medidas de coação seria a prisão preventiva, como método de precaução para impedir que os implicados tentem contaminar as provas que sustentam a acusação.
É bastante revelador da ausência de interesse em prosseguir com este caso, o facto de que pela sua própria admissão, o último “aditamento” feito pela PGR ao seu pedido de informações em relação ao Emirados Árabes Unidos, por exemplo, tenha sido precisamente há um ano, ou seja a 10 de Janeiro de 2018, e que desde então não se tem conhecimento de quaisquer outras iniciativas que tenham sido tomadas.
Há ainda um pormenor não menos importante que importa referir. Consta do relatório de auditoria que existem esclarecimentos que foram sonegados aos auditores pelas entidades envolvidas. Que se saiba, a PGR, sob os auspícios de quem foi feita esta auditoria, não tomou as medidas necessárias para contrariar este acto de desobediência e de obstrução à administração da justiça.
Para além de tudo isso, na verdade estamos perante dois processos. Um, que é interno, que a PGR deve continuar a liderar com a necessária diligência, e que visa permitir a responsabilização individual dos que defraudaram o Estado moçambicano. O segundo ocorre na jurisdição americana, e visa apenas punir os implicados pelos seus actos de violação das leis daquele país.
Pela sua lentidão, propositada ou não, a PGR pode se sentir suplantada pelos últimos acontecimentos. Mas ela tem que assumir a sua responsabilidade por isso, e não tentar se transformar em vítima de uma suposta conspiração política contra Moçambique, como alguns sectores tentam fazer acreditar. O que estamos a presenciar é um processo judicial, que pela natureza das pessoas envolvidas e pelos factos que encerra pode ter sérias repercussões politicas, mas para impedir que isto acontecesse alguém deveria ter tomado as necessárias medidas cautelares.
É, na verdade, um facto que belisca a auto-estima de todos os moçambicanos, independentemente das suas opções político-ideológicas.
SAVANA – 11.01.2019
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