terça-feira, 1 de janeiro de 2019
LÁGRIMAS DE UM CIDADÃO RESIDENTE EM NANGADE
Por: [Joel Amba]
Oh, Nangade minha terra, Nangade meu distrito, Nangade meu ponto de residência, Nangade meu ponto de sobrevivência! É com tanto orgulho que reconheço que nascí aqui, e provavelmente morrerei aqui. Nasci aqui e o meu maior sonho era de contribuir para o desenvolvimento do meu distrito através de trabalhos de agricultura, caça, construção de casas melhoradas e mais.
Não sei se este meu sonho poder-se-á realizar, devido a guerrilha que se instalou em alguns distritos da minha província, Cabo Delgado, a mais de metade de um ano, onde compatriotas são degolados ou assassinados, sem percebermos o porque, onde casas são queimadas sem sabermos o porque. Que sinistro vivemos!
Não consigo trabalhar na machamba já há bastante tempo, devido as ameaças de guerra nesta minha terra. A castanha de cajú que eu produzí juntamente com a minha mulher foi queimada pelos famosos insurgentes, até inclusive a palhota que foi deixada pelos meus antepassados não sobreviveu, e nem se quer os rebanhos puderam também viver. A única sobrevivência que pude garantir, com ajuda de Deus, foi dos meus filhos e da minha mulher, ou seja, minha família.
Já não consigo ter os produtos da machamba para poder comer ou vender e conseguir ter dinheiro para sustentar a família, ou para poder comprar chapas de zinco e cimento para melhorar a minha nova palhota, aliás, não sei se a minha nova palhota “viverá” até ao próximo ano.
Faz tempo que não consigo dormir, todos dias passo a noite vigiando enquanto meus filhos e minha mulher dormem. Fico sempre atento empunhando flexas numa mão, catana acomodada nas ancas e uma espingarda (“espera pouco”) na outra mão, para defender a minha família.
Fico muito triste quando os meus familiares em Pemba ligam-me para informar que lá ouvem a dizer que já não há ataques por aqui, e muito mais triste quando dizem que a situação está controlada.
Fico muito triste quando os meus familiares em Pemba ligam-me para informar que lá ouvem a dizer que já não há ataques por aqui, e muito mais triste quando dizem que a situação está controlada.
Será que se diz que a situação está controlada por não vêr a passar assuntos de ataques armados nos noticiários da televisão? Ou por não estar a acompanhar de perto este cenário?
Valia a pena quando os meus familiares acompanhavam na televisão esses acontecimentos, pelo menos chamava atenção sobre o choro que se vive aqui quase que constantemente.
Valia a pena quando os meus familiares acompanhavam na televisão esses acontecimentos, pelo menos chamava atenção sobre o choro que se vive aqui quase que constantemente.
E agora é a população que cansou de esperar a polícia e persegue esses decapitadores até serem capturados, de seguida são assassinados pela própria população. Os familiares dos insurgentes, correm também o risco de vida, porque também, inocentemente, acabam recebendo o troco que poderiam receber os seus filhos que pertencem ao grupo dos malfeitores.
Eu choro todos dias, e faço súplicas para que Deus abençoe o nosso Governo e consiga dar o fim a esta situação urgentemente, porque estamos a acabar aos ‘’muitos’’ aqui no meu distrito. Estamos a acabar morrendo prematuro e barbaramente aqui na minha província.
Talvez toda população cá deve ir a capital da província ou do país para descansar esta situação, caso não se alastre até a capital, porque eu não sei até quando isto vai terminar. Enquanto os outros concidadãos aqui vão perseguindo os malfeitores, eu estou vigiando a minha família porque não tenho coragem de perseguir os tais “All-shababes”.
Será que isto tudo deve ser o preço que pagamos, pelo facto de nossos antepassados terem iniciado nesta região a luta de libertação nacional? Ou será que deve ser pelos recursos naturais que existem nas nossas terras! Ou ainda, será um negócio forçado de órgãos humanos?
Lágrimas escorrem no meu rosto de forma desesperada. Não tenho respostas: só fico a chorar!...
#CaboDelgado também é Mocambique. Quem comete essas atrocidades não é criminoso de delito comum, não.
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