"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



domingo, 18 de dezembro de 2016

FUNERAL DE VALENTINA GUEBUZA: Uma morte, mil perguntas


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VALENTINA_FUNERALPresidente da República e esposa, bem como membros do Governo e diversas personalidades marcaram presença nas exéquias da jovem empresária, numa cerimónia carregada de dor e consternação
Foram ontem a enterrar os restos mortais de Valentina da Luz Guebuza, filha do ex-presidente da República, que perdeu a vida na noite da quarta-feira passada, vítima de baleamento perpetrado pelo seu próprio marido, Zófimo Muiuane, na residência onde viviam, em Maputo. Trata-se de uma morte envolta num profundo mistério, uma vez que não se conhecem as razões que levaram a que Zófimo disparasse quatro tiros contra a esposa, a quem jurou fidelidade, amor e respeito, há cerca de dois anos e com quem tinha uma filha de um ano e meio. 
O velório ao corpo de Valentina Guebuza foi realizado na Paróquia de Chamanculo, da Igreja Presbiteriana de Moçambique (IPM), em Maputo, numa cerimónia carregada de emoção e onde quase todos os presentes se questionavam sobre o que terá levado Zófimo Muiuane a disparar contra a esposa.
Pedro Muiuane, irmão mais velho de Zófimo, teve a missão de, em nome desta família, pedir perdão pelo acto praticado pelo irmão, ao afirmar, de forma clara e precisa, que “estamos envergonhados e revoltados. Faltam-nos palavras que nos ajudem a compreender o que aconteceu”.
Com a voz embargada e visivelmente emocionado, Pedro Muiuane afirmou alto e a bom som que o que aconteceu foi “inexplicável, insólito e revoltante. Estamos sem palavras, com repúdio e vergonha que nos sufoca, cria um nó na garganta”.  
Mais adiante, o irmão mais velho do autor dos disparos que tiraram a vida a Valentina Guebuza disse que a família Muiuane não se revê naquele acto. “A família Muiuane não é assim. Somos pessoas humildes, trabalhadores, que apregoamos o bem, resolvemos os nossos problemas pelo diálogo”.
Perante uma audiência ainda embasbacada com o sucedido, Pedro Muiuane afirmou que a sua família tinha a responsabilidade perante a família Guebuza de cuidar da Valentina como eles fizeram durante 34 anos, “mas não conseguimos. Estamos envergonhados, tristes e revoltados. Dói, custa e sufoca”.
A revolta da família Muiuane é ainda maior porque Pedro Muiuane telefonou para a Valentina na manhã daquela quarta-feira fatídica a solicitar que esta e as cunhadas preparassem a celebração natalícia que seria comemorada em família. A meio da noite daquele mesmo dia, cai como uma bomba a morte de Valentina.
Durante aquela cerimónia fúnebre, foram lidas várias mensagens nas quais o denominador comum era o choque com que todos receberam a notícia do falecimento súbito e prematuro da filha do Presidente Armando Guebuza, que em vida se destacou a nível nacional e internacional pelo desenvolvimento de uma carreira empresarial de bastante relevo.
Valentina Guebuza, de 36 anos de idade, foi apontada pela revista Forbes, em 2013, como a sétima mulher, jovem, mais poderosa do continente africano, num ranking liderado por Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola e que comportava 20 integrantes.
Valentina era engenheira civil de formação, curso feito na Universidade Politécnica e depois na África do Sul, onde começou a trabalhar como consultora nesta área. Em 2001, iniciou a carreira empresarial na gestão da empresa familiar conhecida por “Focus-21, Gestão e Desenvolvimento Limitada”, que abraça os ramos de telecomunicações, transportes, banca, pescas e minas.
Em 2006, assumiu as funções de Presidente de Conselho de Administração (PCA) da Focus 21, quando esta se torna uma holding. Também era PCA da StarTimes Media, resultado de uma parceria entre a chinesa StarTimes e a Focus 21 para a área da Migração Digital no país.
Aliás, os representantes dos trabalhadores das empresas StarTimes e Focus foram chamados a apresentar elogios fúnebres cujo conteúdo, mais uma vez, revelou que a morte de Valentina Guebuza surpreendeu a todos. “Quando recebemos a notícia na noite da quarta-feira ficamos perplexos. À partida pensamos que se tratasse de uma mentira, pois no mesmo dia, por volta das 17 horas, ela despediu-se dos trabalhadores dizendo “até amanhã”. Não imaginávamos que era a última vez que a víamos em vida”.
Aqueles trabalhadores repisaram que não exigem explicações sobre o que sucedeu. “Perdemos o Norte, o sentido, tentamos compreender as coisas e não conseguimos”, disseram.
CONDOLÊNCIAS
Entre as várias mensagens dirigidas à família da malograda, destacamos a do Chefe de Estado Filipe Nyusi e da Primeira-Dama, Isaura Nyusi que manifestaram a sua tristeza e pesar pelo sucedido e reconfortaram a família com palavras de cunho religioso.
Filipe Nyusi disse que “a maior consolação que pode ser dada só pode ser pelo Senhor (Deus). Aliás, a pregação do reverendo Nhaca quando fez citações de Martinho Lutero, o reformador da Igreja e do Pastor Reis, ficou claro sobre a visão da morte”, frisou.
Para o pai da falecida, Filipe Nyusi dirigiu as seguintes palavras: “Senhor Presidente Armando Guebuza, em meu nome pessoal e em nome de milhares de moçambicanos aqui representados por esta amostra dos cidadãos aqui presentes, estamos aqui para transmitir a nossa solidariedade e dizer que aquele povo que conheceu e conhece está consigo. Está com a sua família neste momento difícil da partida prematura da jovem Valentina da Luz Guebuza”.
Por seu turno, Isaura Nyusi, em mensagem redigida, disse que foi com profunda dor e consternação que tomou conhecimento da triste notícia da morte súbita da nossa filha, amiga, engenheira Valentina Guebuza, filha do antigo Chefe do Estado moçambicano, Armando Guebuza e da Ex- Primeira-Dama, Maria da Luz Guebuza, vítima de baleamento.
Condenamos com veemência qualquer tipo de violência doméstica, especialmente contra a mulher, como pessoa inofensiva por natureza. Esta morte que surpreendeu a todos, abala de forma particular a família Guebuza e, em geral, a toda a família moçambicana”, sublinhou. Manifestou a sua solidariedade para com a família Guebuza e expressou profundos sentimentos por esta perda irreparável.
A Comunicação Política, o Secretariado do Comité Central, militantes da FRELIMO em geral e os membros da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLLIN) também manifestaram o seu sentimento de pesar pela morte súbita de Valentina Guebuza.
MIL PERGUNTAS
A questão que povoa as mentes de todos os que foram confrontados por este triste episódio é o móbil do crime, particularmente porque se sabe que Zófimo Muiuane sempre foi tido como um jovem calmo, tranquilo, trabalhador e bem relacionado.
O percurso de vida de Zófimo como adolescente e estudante atravessa a Escola Secundária Francisco Manyanga e o Instituto Industrial de Maputo, onde era reputado pela excessiva calma, tal como o seu pai, Armando Muiuane que em tempos foi revisor ortográfico na Sociedade do Notícias.
Depois da formação académica, Zófimo trabalhou para a British American Tobbaco ,em Nampula e mais recentemente ingressou na mCel onde progrediu até atingir o posto de gestor no marketing e se notabilizar pela forma activa com que geriu eventos culturais e desportivos patrocinados por esta empresa de telecomunicações. Também era empresário.
Poucos dias antes daquela fatídica quarta-feira, os usuários das redes sociais Facebook e whatsapp ficaram atónitos com informações que foram postas a circular que indicavam que o casal Valentina e Zófimo estava a atravessar uma crise conjugal e que o casamento (contraído há cerca de dois anos) estaria em perigo.
Pouco depois, a notícia da morte é veiculada, facto que deixou meio mundo atónito por ser reconhecido que Zófimo nunca tinha manifestado sinais de violência nos diferentes círculos que frequentava. Aliás, Leandro Paul, gestor da empresa FDS, que faz a assessoria de Comunicação e Imagem da mCel, também manifestou-se surpreendido com a notícia.
Trabalho com ele há alguns anos e sempre me pareceu ser uma pessoa calma e bastante trabalhadora, muito dinâmica e com ambição de fazer uma carreira brilhante. Toda a gente se pergunta, porquê? Se bem que o casal tinha problemas, porque não procurou a ajuda de amigos e familiares?”.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Apesar dos enigmas que residem em torno da morte de Valentina Guebuza, várias vozes se levantaram para apontar que o crime poderá ter sido perpetrado no quadro da violência doméstica que afecta milhares de famílias no país e no mundo.
O nosso jornal manteve contacto com Nilza Chipe, membro da Organização da Juventude Moçambicana (OJM) que sublinhou que a violência doméstica é fruto de uma ideia da sociedade segundo a qual numa relação existe um que tem poder e outro que é frágil. “Todos sofrem com a violência doméstica, entretanto, ela é mais expressiva nas mulheres devido à forma como elas são educadas”.
Nilza acredita que para se ultrapassar este tipo de situações é preciso que as potenciais vítimas participem em programas específicos para saber como pode se defender. Referiu que na OJM, para além, de se destacar a igualdade dos Homens, tem sido realizadas discussões sobre a matéria e se promove a participação da maior parte dos membros.
Por outro lado, Nilza Chipe entende que é preciso que se lute para que as instituições de Justiça e todas outras que defendem as vítimas deste mal funcionem de forma activa.
Temos dotado os nossos membros de ferramentas e informação para que estejam preparados para combater e ou denunciar qualquer acto de violência. É preciso falar deste assunto para desconstruir a ideia prevalecente de sexo forte e frágil. Sem contar que por ser um crime público, qualquer um deve denunciar”.
Por seu turno, Natália Botão, da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), disse que as situações de violência doméstica não podem ficar no silêncio porque morrer não tem estatuto. “Condenamos todo tipo de acto de violência, abuso de menores, tráfico, entre outros. Tivemos o caso de uma pessoa pública, Valentina Guebuza, que foi vítima, mas temos tantos anónimos que passam por estas situações todos os dias”.
Como forma de acabar com a violência, a OMM agrega vários grupos que incluem diversas organizações entre públicas e privadas que realizam palestras e outro tipo de actividade para desaconselhar a prática destes actos. “As pessoas devem optar pelo diálogo e não pela justiça com as próprias mãos”.
Ainda em relação ao problema de violência doméstica, a nossa Reportagem conversou com uma técnica de psiquiatria do Hospital Central de Maputo, que não se quis identificar, o comportamento violento pode estar associado a vários problemas psiquiátricos, consumo de estupefacientes, debilidade de personalidade, para além de problemas sociais e culturais sociais e económicos.
As vezes a pessoa torna-se agressiva por causa de questões sociais e culturais. Normalmente, esse indivíduo apresenta alguns sinais violentos, mas são mascarados, outras vezes surgem momentaneamente. São atitudes ligadas a personalidade e ao ambiente em que a pessoa cresce”, disse.
A psicóloga clínica, Isabel Patia, concordou que são vários os factores podem levar a situações mais extremas da violência doméstica, com destaque para os casos em que o agressor pode estar a passar por alguns problemas sociais que, por sua vez, levam à depressão. “É preciso partilhar os problemas com os profissionais de saúde, família, igreja e amigos para não se chegue ao extremo de se tirar a vida do companheiro ou a si próprio”.
Sublinhou que em alguns casos este tipo de situações é causada pelo consumo de álcool ou de drogas. “O que aconteceu com Valentina Guebuza foi triste. A partir disto podemos tirar como lição que perante um conflito é preciso procurar ajuda”.
DOMINGO – 18.12.2016
NOTA:” A questão que povoa as mentes de todos os que foram confrontados por este triste episódio é o móbil do crime, particularmente porque se sabe que Zófimo Muiuane sempre foi tido como um jovem calmo, tranquilo, trabalhador e bem relacionado.”
Só Zófimo Muiuane o saberá. Mas terá coragem de o confessar?
Fernando Gil

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