31/10/2020
Que habilidade, meu Deus. Além de saber bem disparar contra inocentes, a nossa polícia sabe muito bem filmar os outros fazendo sexo... E eles nunca nos mostram os longos filmes pornográficos que fazem em Matalane.
Era bom levarmos esses polícias, com as suas lanternas e câmaras profissionais, para Matalane; lá podiam filmar os seus chefes lançando foguetões de esperma aos ventres das nossas irmãs, lá podiam filmar as bundas dos seus chefes, lá podiam ter futuro como realizadores de filmes pornográficos.
Filmaram a moça parafusando a sua nudez numa jeans, filmaram o moço inventando um furo para meter o espigão do cinto, mas ninguém os filma quando eles desenterram o valor do refresco no meio dos livretes, ninguém os filma quando eles agridem e algemam as putas da Baixa, mas ninguém os filma quando eles usam as argolas das algemas para fabricar moedas de refresco, mas ninguém os filma quando estacionam seus Mahindras na Guerra Popular e de bocas abertas dividem o osso do sono.
Aqui no Chamanculo conheço três postos que aos fins-de-semana as mesas de registo de ocorrências viram pequenas camas. E eles, de portas fechadas, registam ocorrências que lavram entre as pernas das miúdas que recolhem nos bares. Ninguém filma isso. O velho Faife, desmontado os gestos por uma trombose, viu a sua filha trazendo à sua casa uma gravidez lavrada na mesa de ocorrências. E eu podia filmar tudo isso, mas não sou um bom realizador.
E mesmo agora que escrevo isto, vi na Baixa dois polícias espancando a um jovem; ninguém os filmou. Foram pontapés, túneis de socos e no momento em que o jovem queria evaporar-se, pelo milagre dos pés, foi cimentado por um golpe que só via nos filmes de Van Damme. Ninguém os filmou. Ficamos todos aplaudindo a tudo como no cinema estivéssemos. Ninguém os filmou. Claro que me apeteceu filmar tudo e enviar a Hollywood; e o júri, lá, com certeza enviaria de imediato um Oscar.
Que filmem o país inteiro que anda a ser fudido de qualquer maneira nos escritórios, nos relatórios falsos, na cama da corrupção, nas escadas da política, nos carros dos dirigentes e nas posições do doadores. Que filmem a neta do velho Faife feita num dos postos de Chamanculo, que filmem os cadáveres que foram fudidos por balas perdidas.
Que filmem o país inteiro que nem tem tempo de pôr as jeans e nem tempo de dizer “eu pedi para não fazer o que estão a fazer”.
Sérgio Raimundo - Militar
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