"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Moçambique: Não há justiça para as vítimas do conflito em Cabo Delgado, que matou já mais de 2 000 pessoas em três anos

 

Três anos após o início dos combates na província de Cabo Delgado, em Moçambique, as vítimas do conflito, que resultou na morte de mais de 2 000 pessoas, não parecem estar mais próximas de conseguir justiça, verdade e reparação, salientou hoje a Amnistia Internacional. As autoridades continuam a não levar à justiça todos os suspeitos da autoria de crimes à luz do direito internacional e de violações de direitos humanos.

Membros de um grupo armado, que se autodenomina “Al-Shabaab”, lançaram o seu primeiro ataque no distrito de Mocímboa da Praia, em outubro de 2017, contra instituições governamentais, incluindo uma esquadra da polícia, onde mataram dois agentes da polícia. Desde então, os ataques começaram a visar civis, tornaram-se cada vez mais violentos e já provocaram o deslocamento de mais de 300 000 pessoas.

“Este grupo armado é responsável por um sofrimento indescritível em Cabo Delgado. Os seus membros reduziram os lares das pessoas a cinzas através de ataques incendiários coordenados, mataram e decapitaram civis, pilharam alimentos e bens e forçaram centenas de milhares de pessoas a fugir de suas casas,” recordou Deprose Muchena, Diretor Regional da Amnistia Internacional para a África Oriental e Austral.

“Há provas de que as forças de segurança cometeram também crimes à luz do direito internacional e violações de direitos humanos, nomeadamente desaparecimentos forçados, tortura e execuções extrajudiciais. Estes crimes são agravados pelo facto de as autoridades moçambicanas não permitirem que os jornalistas e investigadores nacionais e internacionais documentem esta situação sem repercussões.”

Os violentos ataques em Cabo Delgado pelo grupo armado intensificaram-se em 300% nos primeiros quatro meses de 2020, em comparação com o mesmo período do ano passado. Esta situação despoletou uma crise humanitária, com mais de 2 000 pessoas mortas, mais de 300 000 deslocadas internamente e 712 000 pessoas a necessitar de auxílio humanitário. Mais de 350 000 pessoas estão a enfrentar uma grave insegurança alimentar, segundo o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (UNOCHA).

O exército tem sido acusado de crimes à luz do direito internacional e de violações de direitos humanos ao perseguir os suspeitos de envolvimento no grupo armado, incluindo execuções extrajudiciais, tortura e outros maus-tratos. O exército tem também sido ligado a sequestros e detenção arbitrária de jornalistas, investigadores, líderes comunitários e qualquer pessoa que tente denunciar os abusos.

“As violações contra a população civil têm que acabar imediatamente. As autoridades moçambicanas devem garantir que nenhum suspeito da sua autoria fique impune, nomeadamente os elementos das forças de segurança. Devem começar por lançar uma investigação independente e imparcial a estes graves abusos e, caso existam provas admissíveis suficientes, levar os responsáveis a tribunal e submetê-los a julgamentos justos em tribunais civis comuns,” afirmou Deprose Muchena.

Tortura pelas forças de segurança

Nas últimas semanas, têm-se registado relatos irrefutados de tortura e outros crimes nos termos do direito internacional, cometidos pelas forças de segurança em Cabo Delgado. Numa investigação recente, a Amnistia Internacional verificou a autenticidade de vídeos macabros captados na região que foram obtidos pela organização e mostram crimes contra pessoas detidas.

Os vídeos e as imagens mostram tentativas de decapitação, tortura e outros maus-tratos infligidos a prisioneiros; o desmembramento de alegados combatentes do grupo armado; possíveis execuções extrajudiciais; e o transporte e descarte de um grande número de cadáveres em aparentes valas comuns.

Noutro incidente arrepiante, verificado pela organização, um vídeo, partilhado recentemente nas redes sociais, mostra a execução extrajudicial de uma mulher nua e não identificada, em Mocímboa da Praia.

Segundo a análise do Crisis Evidence Lab (grupo de análise urgente de provas) da Amnistia Internacional, a mulher foi morta no meio da estrada R698, no exterior da subestação elétrica no lado oeste da cidade de Awasse, em Cabo Delgado.

A mulher estava a tentar fugir para o norte, ao longo da estrada, quando foi intercetada por homens aparentemente pertencentes às Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), que a seguiam. Depois de a espancarem com um pau, dispararam contra ela 36 vezes, com diversas espingardas Kalashnikov e uma metralhadora do tipo PKM, e abandonaram o seu corpo nu em plena estrada.

Contexto

Os ataques em Cabo Delgado tiveram início em outubro de 2017, com assassinatos de civis pelo grupo armado autodenominado Al-Shabaab (sem relação conhecida com o Al-Shabaab da Somália). O grupo armado tem aterrorizado as comunidades locais, nomeadamente nos distritos de Macomia, Quissanga, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Nangade e Palma, e lançado ataques coordenados e simultâneos a instituições governamentais. O grupo não apresentou quaisquer exigências políticas. Contudo, segundo analistas, os seus ataques são inspirados pela centralização do poder em Maputo e a exclusão social e económica dos habitantes de Cabo Delgado.

Em junho de 2019, o grupo armado começou a reivindicar afiliação no Estado Islâmico da Província da África Central.

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