13/03/2019
Uma analista, coautora de um estudo sobre crime organizado transnacional, defendeu hoje que Moçambique tem uma economia criminal consolidada, envolvendo traficantes de heroína que mantêm uma "relação duradoura" com elementos da elite política.
"Moçambique tem uma economia criminal com alto grau de consolidação em redor de um punhado de figuras-chave, envolvidas nas rotas de heroína", referiu Simone Haysom, analista da organização Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional e coautora de um relatório do projeto Enact, financiado pela União Europeia (UE).
Aquela responsável falava durante a apresentação do trabalho de investigação intitulado "A Costa da Heroína", lançado em junho de 2018 e hoje debatido em Maputo, assinado também por Peter Gastrow e Mark Shaw.
Há indicações de que "pode haver pequenas destabilizações" entre os intervenientes nos negócios ilícitos, "mas por mais de duas décadas, tem-se mantido uma relação duradoura entre um pequeno número de traficantes proeminentes e a elite política, o que lhes permitiu fechar o mercado [moçambicano] a outros operadores", acrescentou a analista, sem nunca apontar nomes.
No caso, Moçambique funciona como um corredor para o tráfico de heroína oriunda da Ásia e que tem como destino a África do Sul, para daí seguir para os destinos finais, como a Europa, onde as redes ilícitas obtêm os maiores lucros.
O Quénia, por exemplo, "tem um ambiente político mais dinâmico", enquanto que o de Moçambique é "mais estático", com relações entre redes de tráfico e políticas "mais longas, fortes e difíceis de quebrar", destacou.
A costa norte de Moçambique é a zona do país privilegiada para a entrada da heroína, devido a diversas fragilidades e ao controlo exercido por organizações criminosas, mas sem ligação à violência armada que já matou, pelo menos, 150 pessoas em locais remotos da província de Cabo Delgado.
Pode haver "negócios pontuais", entre os autores de ataques e traficantes, mas não uma relação sistematizada, acrescentou Simone Haysom.
Abdul Carimo, antigo juiz e deputado da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, autor da lei de 1997 que ainda sanciona o tráfico e consumo de estupefacientes, defendeu hoje que o problema está em passar das palavras aos atos.
A introdução da lei "não provocou um aumento significativo no combate ou redução da droga", pelo que, "tudo tem a ver com a fragilidade das instituições, a capacidade de suborno por parte dos traficantes, a impunidade e os elevados valores associados ao tráfico, que corrompem tudo e todos", disse à Lusa.
Abdul Carimo recordou uma recente intervenção do primeiro-ministro moçambicano, Carlos Agostinho do Rosário, ao empossar um novo diretor do Gabinete Central de Combate à Droga, pedindo um "plano estratégico" no prazo de 90 dias.
"Não basta que haja esta vontade política, é preciso que se traduza em atos concretos", acrescentou, remetendo as expectativas para o novo plano estratégico.
O estudo hoje debatido em Maputo alertou em 2018 para o facto de haver maior dificuldade em fazer passar heroína pela Ásia central e Europa de Leste para chegar ao destinos, o que está a fazer crescer o tráfico pela chamada "rota austral", em que se inclui Moçambique.
O documento ilustra que um grama de heroína custa cerca de 20 dólares no Quénia, mas no Reino Unido pode chegar a cerca de 60 e na Dinamarca vale 213 - sendo que os investigadores não conseguiram chegar a números próximos do tráfico anual de heroína em Moçambique, fazendo uma estimativa alargada, que se situa entre 10 a 40 toneladas.
O trabalho foi feito ao abrigo do projeto Enact, sigla inglesa para "Melhorar a Resposta de África ao Crime Organizado Transnacional", implementado pelo Instituto de Estudos de Segurança e Interpol, com a participação da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional e financiamento da União Europeia (UE).
LUSA – 13.03.2019
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