"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



quinta-feira, 21 de março de 2019

Desastres naturais e os resultados de um país mal pensado



Em 2013, após as segundas grandes cheias do rio Limpopo num espaço de treze anos (2000 - 2013) realizei uma investigação jornalística para rebater a tese de mudanças climáticas como as principais causas daquilo que o Governo de Armando Guebuza considerava de "cheias cíclicas". Nessa investigação mostrei, com factos, que as tragédias provocadas pelas tais supostas "cheias cíclicas" eram consequência de ausência de políticas públicas viradas para a prevenção em contexto de crescimento populacional que provoca assentamentos em locais impróprios e de devastação de florestas (actividades humanas) nas zonas ribeirinhas dos rios. Igualmente, mostrei que, por exemplo, as infra-estruturas hidráulicas do rio Limpopo tinham mais de 70 anos de vida sem grandes investimentos em reabilitações. Nem haviam novas infra-estruturas construídas após independência. O dique de protecção das cidades, como Chókwè, já não existia. A cidade que foi construída e era habitada por 10 famílias de portugueses do Alentejo já tinha cerca de 90 mil habitantes. Também mostrava que em tempo tinha havido cheias mas que não tinham criado tantos problemas.
Hoje, assistimos uma catástrofe nas regiões centro e norte. O Governo está a fazer o que bem sabe: gritar para fora e estender a mão. É o que os sucessivos nossos governos são. Mendigos oficiais. Já começaram a lançar acusações sobre as mudanças climáticas. Nunca assumem que o problema é nosso como governo, porque somos sempre reactivos e nunca pro-activos.
Perguntaria: quantas barragens, diques de protecção e outras infra-estruturas hidráulicas foram construídas após a independência nacional? E sobre o rio Buzi?
Em 44 anos de independência, o que fizemos foi destruir as dunas e outro tipo de vegetação para construímos mansões para alimentar o nosso ego. O que fizemos foi inventar prioridades da Ponte Maputo-Catembe em nome de turismo, esquecendo que o país fica todo cortado por pequenas chuvas. O que fizemos foi inventar prioridades de construção de Estádio Nacional, de Piscina Olímpica e respectiva Vila Olímpica, quão elefantes brancos, para sangrarmos ao pobre Estado, esquecendo que somos um país a jusante, sem barragens nem outro tipo de infra-estruturas hidráulicas que prevenissem impactos de cheias.
O que os nossos governos fizeram em 44 anos foi sempre mapear as oportunidades de corrupção.
Num país normal, os autores das dívidas ocultam seriam severamente punidos porque são criminosos, permitam-me acusá-los sem ainda terem sido condenados. O dinheiro roubado seria suficiente para montar barragens que minimizassem ou evitassem mesmo os problemas no Buzi e Nhamatanda. Eles são responsáveis pela morte de tanta gente. São piores que um criminoso que assassina apenas um indvíduo, porque eles assassinam milhares.
O dinheiro usado na Ponte Maputo-Catembe, Estádio Nacional de Zimpeto, Pescina Olímpica, realização dos X Jogos Africanos, construções de imponentes edifícios ministeriais e presidências com vistas ao mar (...) seriam suficientes para acções de prevenção de calamidades naturais.
Quando há cheias morremos de água, cinco meses depois morremos de fome e de sede porque toda a água foi para o oceano. Não foi retida. Não foi retida porque o dinheiro que devia reter a água foi retido nas contas dos criminosos. Foram priorizadas obras que iriam gerar comissões para os criminosos, obras que num país normal nunca seriam prioridades.
Os governos se sucedem, sucedem-se também os esquemas de corrupção, clientelismo e nepotismo. Hoje, o Presidente da República lança pedido internacional a quem sempre o consideram de inimigo da sua governação. Lança internacionalmente estatísticas que ainda não existem: "mais de 1000 mortos", porque quer ajuda internacional. Grande parte desse dinheiro irá para muitos dos corruptos do governo a todos os níveis. Em vez de pedido de apoios internacional para obras de prevenção, rezamos para que haja catástrofes para enchermos as nossas contas bancárias e após o conflito construímos, com o sofrimento dos pobres, as nossas mansões em praias, lagos, lagoas, quintas, para os nossos finais de semanas.
Antes de lançar pedidos de apoios internacionais, o Governo devia sentir vergonha e penitenciar-se de não ter feito nada para prevenir estas catástrofes. Agora vão ser anunciados projectos futuros, mas depois das cheias nenhum desses projectos irá avançar. De catástrofe em catástrofe há sempre promessas de projectos para a resolução do problema. Depois? Que se lixe o povo.
Por exemplo, a barragem de Mapai para resolver o problema de cheias no Limpopo é falado desde as cheias de 1975. Em todas as cheias, sempre se recordam dela. Depois delas, apenas se recordam de prioridades turísticas de Catembe à Ponta de Ouro, onde eles (nossos governantes) possuem extensas terras.
Estas catástrofes, com excepção de alguns, são resultados de um país pensado com estômago. Um país mal pensado.

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