"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

 

Grande encruzilhada

Nervosismo, insegurança, corrida contra relógio e ruptura na estrutura militar e paramilitar, situação que aguça o apetite da comunidade internacional na encruzilhada em que Cabo Delgado está metida.

NAThan Sales em Maputo e Pretória, não apenas para perceber as nuances de uma guerra não declarada, mas sobretudo para tentar aproximar as autoridades moçambicanas e sul- -africanas, visando uma abordagem bilateral no assunto Cabo Delgado.

O principal coordenador do Departamento norte-americano do Bureau do Contraterrorismo, por cá, numa altura que a Comissão dos Negócios Estrangeiros do Parlamento Europeu debatia, esta quinta-feira (03), o radicalismo islâmico em Moçambique.

Há uma semana, a Troika da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) para a política de defesa e segurança, esteve reunida em Gaborone, em cima da mesa, o assunto do momento, Cabo Delgado. Quando se julgava que da reunião viessem decisões concretas de intervenção militar dos estados membros da SADC, nada disso aconteceu, depois de na capital tswana terem estado, para além do presidente anfitrião, Cyril Ramaphosa e Emmanuel Mnangagwa, da África do Sul e do Zimbabwe.

Todavia, a Troika decidiu pela celeridade na condução de uma proposta a ser submetida ao órgão para rápida tomada de medidas ainda face ao caso de Cabo Delgado, sem que fossem avançados pormenores, a propósito.

Em Gaborone não esteve Filipe Nyusi, representado pelo ministro da Defesa Nacional, Jaime Neto, que abandonou a reunião do Conselho Consultivo do seu ministério para uma missão no Botswana, que terá se resumido na entrega de uma ‘lista de compras’, parafraseando uma publicação sul- -africana. Não se sabe o que os sul-africanos terão soprado aos ouvidos da ainda administração Trump para a precipitada entrada em cena, no terreno, do Bureau do Contraterrorismo dos Estados Unidos, sendo certo de que o diplomata norte-americano leva na bagagem o controlo fronteiriço de Moçambique, com recurso a métodos legais.

Há muito que as autoridades moçambicanas priorizam intervenção militar naval e aérea, visando travar a entrada de auxílio para o grupo radical islâmico, através da fronteira terrestre com a Tanzânia e pelo alto mar.

A África do Sul terá sido dos primeiros a serem contactados pelas autoridades moçambicanas, com uma lista das necessidades – força aérea e força naval –, processo entretanto encalhado nas gavetas do executivo Ramaphosa, aparentemente à espera que pormenores técnicos da participação sul-africana na guerra sejam combinadas. antes do sim sul- -africano.

Da Europa, a preocupação é ainda maior, pelo menos de forma aparente, a avaliar pelo entusiasmo com o que o assunto-Cabo Delgado tem sido falado. Através de Portugal, sabe-se que nas próximas horas, ou por estas alturas, as alas militares moçambicanas e lusas em discussões periciais que determinem o protocolo interventivo da União Europeia, Portugal na vanguarda, na guerra.

Verdadeira carnificina Há muito que se fazia referência a decapitações perpetradas pelos grupos radicais islâmicos, em Cabo Delgado, as cabeças das vítimas espetadas em paus, fazendo lembrar a guerra colonial, nomeadamente na Operação Nó Gordo.

Nos tempos que correm, a esta tática desumana se junta uma outra não menos horrorosa, que se resume em esquartejar os corpos das vítimas, dividindo-os em duas partes, em sentido vertical, onde os membros superior e inferior de um lado, são criteriosamente separados da outra parte.

Alguns relatos, contados por gente que esteve no terreno, apontam para situações em que as vítimas são-lhes amputados os braços e as pernas, terminando com a cabeça. Há casos em que depois de serem amputados os membros, as vítimas são deixadas ainda com vida, num tremendo sofrimento antes de sucumbir.

Muitas famílias conhecedoras desta realidade, ao primeiro sinal de suspeita fazem as malas e abandonam as suas zonas de residência, outras nem sequer têm tempo para levar consigo os seus pertences, dada a urgência que o momento exige.

As famílias que ficam para trás são as de poucas posses, dada a alta de preços ultimamente pratica pelos transportadores de passageiros e carga. O destino tem sido Pemba, a capital de Cabo Delgado, mas não surpreende que os deslocados estejam já na província de Inhambane, deixando para trás sucessivamente Nampula, Zambézia, Sofala e Manica, onde estão outras milhares de pessoas que fogem do flagelo.

Na primeira pessoa, um indivíduo em Maputo que recentemente esteve em Cabo Delgado, explica que nem todas as famílias que optaram pelas províncias de Sofala e de Manica é porque têm lá parentes, simplesmente porque acham que ainda podem ser perseguidas pelos radicais islâmicos. É que estes grupos, acrescenta, são extremamente perigosos que se inflitram com relativa facilidade no seio das populações e das forças de defesa e segurança.

Esta e outras fontes com quem o ET conversou, não têm dúvida de que a actual guerra é mais desumana que aquela que envolveu as forças governamentais e as da Renamo.

“Aquí mata-se como se de galinhas se tratassem as pessoas”, acentua uma das fontes. Portugal e França participam na República Centro Africana, a coberto das Nações Unidas e sob os auspícios da União Europeia.

Logo, não seria problema estenderem a participação para Moçambique, desde que com pleno respeito à soberania nacional.

Abrir parêntesis.

As Alfândegas da República Centro Africana detectaram, recentemente, valiosos recursos minerais (ouro puro) em vias de ser transferido para a Europa, com os militares franceses a serem acusados na tentativa de furto. Fechar parêntesis.

É conhecida a disparidade de opinião face à intervenção militar internacional. Uns, incluindo Armando Guebuza, condenam a requisição militar internacional e defendem que os nacionais são suficientes para controlar a situação, com a ajuda preciosa dos veteranos da luta de libertação nacional.

Um pequeno grupo acha que a situação exige auxílio militar internacional, sem vergonha de estender a mão. Joaquim Chissano é uma dessas pessoas, desde que através de uma missão que conhece a realidade africana e moçambicana, o que vale dizer, militares da SADC.

Esta disputa de opinião pode irritar quem está no leme, acabando por dar origem ao nervosismo, devido a insegurança na tomada de posição, até pela atrapalhada que os ‘machababes’ teimosos proporcionam no terreno.

A propósito desta animada contrariedade, no ano que tudo isto começou, Afonso Dhlakama reagiu dizendo tratar-se de uma questão interna do arqui-rival. Traição e dinheiro A dura realidade indica, a partir dos vários depoimentos junto de pessoas directa ou indirectamente vítimas da violência armada, perpetrada pelos radicais islâmicos, que o aliciamento com base em dinheiro tem sido o forte das lideranças do grupo.

“Podem chegar a uma cabana, encontram um casal, oferecem 200 meticais a mulher e 800 mil ao homem, ao mesmo tempo que convidam este a integrar o grupo”, conta um jovem que garante ter tomado conhecimento da informação de parentes em Cabo Delgado.

O homem é posteriormente submetido a preparação militar e lhe mandam fazer o que eles bem “entendem, incluindo matar” e destruir. Muitos jovens oriundos dos distritos do interior de Nampula são influenciados pela ganância que o dinheiro sempre proporciona, acabando por se fazer ao desafio, muitos como informadores.

Certos ataques são precedidos de aviso prévio. “Eles podem dizer que na semana seguinte vão atacar certa aldeia, mas acabam antecipando para o dia seguinte”, numa altura que as populações se preparam para se evacuar em função do alerta.

A traição movida pela ganância tem sido preocupação das populações, que por vezes não sabem com quem estão a lidar, num determinado grupo de tertúlia. Adicionalmente, os radicais islâmicos têm na posse equipamento militar de fazer inveja, incluindo drones com os quais são capazes de acompanhar a movimentação “das nossas forças”.

EXPRESSO – 03.12.2020

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