"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sábado, 5 de dezembro de 2020

 

Ataques a Moçambique: Portugal e emigrantes em risco de represálias caso Lisboa apoie Maputo

Um ex-militar português adverte para o risco de uma eventual intervenção portuguesa em Cabo Delgado, criticando essa possibilidade, que foi colocada pelo ministro da Defesa na semana passada.

O ex-militar português José Luís da Silva e dirigente da diáspora na África do Sul afirmou que Portugal e os portugueses na diáspora correm “sério risco” de represálias se Lisboa enviar tropas para Cabo Delgado.

“A África do Sul já recebeu ameaças de represálias se interferir em Moçambique, nomeadamente em Cabo Delgado”, e , “certamente que Portugal também ficará implicado e pode haver também represálias em Portugal, nas Regiões Autónomas, e na diáspora devido a esta intervenção de Portugal em Cabo Delgado, e isso tem de ser acautelado”, adiantou José Luís da Silva, que é dirigente da Diáspora madeirense.

O ex-militar português condecorado, de 75 anos, que serviu de 1967 a 1969 na unidade de Forças Especiais “Os Fantasmas” da 9ª Companhia de Comandos do Exército português, na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, contra as forças da guerrilha da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), hoje no poder, sublinhou que o fornecimento de armamento para África tem aumentado a violência nas cidades de todo o continente, salientando que as redes do crime se estendem já desde o norte de Moçambique à Cidade do Cabo, na África do Sul.

Caso Portugal decida dar um apoio mais efetivo às tropas moçambicanas, existe um risco para os portugueses e os interesses portugueses no exterior, nomeadamente em África, devido às ligações internacionais dos movimentos jihadistas.

Estima-se em 2 milhões de moçambicanos imigrantes na África do Sul, onde são alvo de constantes ataques de violência xenófoba, e o número de portugueses e lusodescendentes em pelos menos 450 mil, uma das maiores comunidades emigrantes fora de Portugal que tem a sua história muito ligada ao processo de descolonização de Angola e Moçambique.

“Nós sabemos que a África do Sul está infestada, não direi de terroristas, mas de criminalidade que vitimou 22.325 pessoas no ano passado, e pergunto se não há nenhuma preocupação dos países europeus, se Portugal não está preocupado com a África do Sul e está preocupado com cinco ou dez portugueses que vivem em Cabo Delgado”, questionou ainda o ex-militar.

O ex-militar criticou a possibilidade de envio de forças militares portuguesas para ajudar no combate ao terrorismo em Moçambique, recordando que se tratou do local onde morreram mais soldados nacionais durante a guerra colonial.

“O senhor ministro não deve ver só do ponto vista político e de interesse para certas fações políticas”, esquecendo que “enviar tropas portugueses para pisar um território que foi já argamassado com sangue dos nossos militares, moralmente não está certo, é uma falta de respeito e uma traição à memória daqueles que realmente pagaram com o sacrifício supremo a sua lealdade para com a pátria, neste caso Portugal”, adiantou o ex-militar das Forças Especiais do Exército português, hoje emigrado na África do Sul.

Na semana passada, o ministro da Defesa, Gomes Cravinho, admitiu a possibilidade de enviar apoio militar para ajudar Moçambique no combate ao terrorismo em Cabo Delgado, em função do que as autoridades daquele país africano pretendam.

“Isto também envolve naturais de Moçambique que lutaram ao lado do Exército português até 1975”, referiu José Luís da Silva, que é também conselheiro da Diáspora Madeirense na África do Sul desde 2016.

“Eu não tenho o complexo colonial, que fique bem claro, (..) e acho muito bem que se ajude o povo irmão de Moçambique, mas tudo tem um limite “, afirmou José Luís da Silva, acrescentando: “não podemos estar a auxiliar quem nos anda sempre a insultar de colonialistas e aliás, até se vê nas redes sociais, o ódio que ainda impera nessas pessoas e sem razão”.

Na ótica do ex-comando português, o “abandono” das populações na província de Cabo Delgado, nomeadamente na área de Macomia, Palma, Quionga, “onde vivem em pobreza extrema, com elevada taxa de analfabetismo, insuficiência de infraestruturas sociais e económicas, malária, VIH e subnutrição”, é a questão de fundo que “potencia” a entrada de grupos de terroristas no país africano e na região austral do continente.

A província de Cabo Delgado (na altura distrito), onde a Guerra da Independência de Moçambique teve início a 25 de setembro de 1964 com um ataque da guerrilha da Frelimo ao posto administrativo de Chai, distrito de Mueda, e onde avança atualmente o maior investimento privado de África, para exploração de gás natural, está desde há três anos sob ataque de insurgentes e algumas das incursões passaram a ser reivindicadas pelo grupo ‘jihadista’ Estado Islâmico desde 2019.

OBSERVADOR – 03.12.2020

Sem comentários:

Enviar um comentário