"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 23 de maio de 2017

A Renamo: uma História por escrever

terça-feira, 23 de maio de 2017


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Na primeira Semana de Abril de 1979, a Renamo lançou ao Público, o seu primeiro livrinho intitulado: “Estatutos” onde se delineava a história, ideologia, objetivos e sua composição. Os objectivos do movimento foram enunciados num manifesto de 24 pontos dirigido à criação, em Moçambique, de uma democracia multipartidária ocidental, baseada em eleições totalmente livres.
No “Estatutos” dizia-se que o movimento nasceu em uma reunião de 21 de Novembro de 1976, num dos quarteis da capital Moçambicana, quando alguns comandantes do exército da Frelimo se colocaram numa oposição a dieta comunista de Machel, que "vai contra o programa político estabelecido pelo falecido Presidente Eduardo Mondlane, fundador e primeiro presidente da Frelimo morto em Dar es Salaam por um explosão de bomba em Fevereiro de 1969.
A Renamo prometia "lutar com todos os meios disponíveis para pôr fim à dominação imperialista soviética em Moçambique", e oferecia o seu apoio ao povo de outros países africanos na sua luta contra o "sistema opressor e escravizador comunista", especialmente os países de língua portuguesa.
Em 1981, o “Estatutos” foi reforçado por um Programa concebido a partir de Gaza, algo discutível. Este programa, por sua vez, veio a ser reformulado no “political action Program de 12 de Fevereiro de 1987, quando a sede da Renamo era Manica. Deixo aqui o programa de 1981 e, futuramente, poderei deixar o outro. De todas as formas, a Renamo possui uma Historia misteriosa, ainda por escrever.
Programa da Resistência Nacional de Moçambique - RENAMO
Preâmbulo
1. É desde 1977 que os patriotas moçambicanos reunidos na Resistência Nacional Moçambicana, vem lutando com as armas na mão para a libertação final do nosso país e nosso povo. Sob a forte liderança do Comandante Andre Matsangaissa e, após a sua morte heróica na batalha, sob a liderança do Presidente e Comandante Supremo Afonso Dhlakama, muitas vitórias foram alcançadas: as zonas libertadas foram ampliadas e consolidadas; guerra activa já se estende ao mesmo tempo nas províncias da Zambézia, Sofala, Manica, Gaza e Inhambane; nossa luta hoje é um factor importante da estratégia global e é apoiada cada vez mais pelos países, organizações e personalidades eminentes de todo o mundo.
2. Durante este período, a RENAMO procurou ser uma Frente Nacional, que deve expressar a aliança de todas as forças populares, oposição social, política e religiosa à opressão e repressão machelista. Em particular, os grupos políticos criados sob as condições favoráveis de exílio foram considerados o complemento natural da luta armada que a resistência levou a cabo sozinha em Moçambique. Foram oportunidades mais amplas e insistentes dadas a eles para se juntar a Frente Nacional, mas sem nenhum resultado. O guerrilheiro heróico, que dia após dia, luta contra um inimigo fortemente armados e emoldurado pelo imperialismo soviético, já deu tempo suficiente para superar suas diferenças políticas, antes de se juntar à luta anti-machelista.
3. Os sinais de colapso do machelismo são óbvios: as pessoas apoiaram abertamente e sem medo a nossa luta; o número de soldados e oficiais desertores do partido FRELIMO aumenta; o inimigo já não lança contra/ataque e mantém uma atitude passiva de defesa de forma descoordenada. A queda inevitável do machelista regime torna urgente o desenvolvimento de um programa baseado na história e experiência do nosso povo, assim como o profundo desejo de liberdade, justiça e progresso enraizada no coração de todos os moçambicanos, destinado a preparar, orientar e outras medidas do governo democrático de Moçambique.
O objetivo da Resistência Nacional de Moçambique é a democratização, a liberalização e criação de condições de progresso generalizado na República de Moçambique, de acordo com os seguintes princípios:
1. Na política:
a) despejo do sistema de ditadura comunista e remoção de executivos seniores, identificados no plano, sem procurar vingança. Só por perdoar e esquecer, será possível construir um Moçambique de prosperidade para todos os moçambicanos. 
b) Criação de um Governo de Concórdia Nacional com a missão de pacificar o país, estabelecer e estabilizar a ordem democrática e preparar as condições de recuperação social e económica. A unidade dos moçambicanos é essencial para enfrentar os desafios.
c) As pessoas têm o direito de escolher livremente e votar o sistema político, social e econômico do país. Nada será imposta sobre a maioria por uma minoria agressiva.
d) tradições, costumes e personalidade dos moçambicanos do nosso tempo vão ser sempre respeitados por todas as autoridades.
2. Na Economıa
a) O setor público, uma vez definida, será utilizado para a avaliação e supervisão do sector privado, considerado factor de impulsionar a prosperidade econômica de Moçambique. A conciliação de interesses, atividade sintética do Estado, é a condição essencial para a recuperação económica do país.
b) Os planos de desenvolvimento serão direcionados para o aumento da riqueza nacional, harmonizando o desenvolvimento de todas as regiões e redistribuição de renda. Investimentos desnecessários, especulativos ou de luxo (voluntários) serão combatidos, e sistemas de apoio ao investimento útil e pleno emprego será desenvolvido.
c) Os monopólios, oligopólios ou exploração econômica de uma classe ou sector por outra classe ou sector não serão permitidos. Serão tomadas medidas no sentido de uma protecção eficaz dos consumidores e sua respectiva participação no desenvolvimento das leis econômicas.
d) O dinheiro arrecadado do povo deve ser usado corretamente para beneficiar o povo. A tributação é um instrumento de justiça econômica.
e) A situação de propriedade apreendidos ou sob resposta serão analisados quanto à possível devolução. Não vamos nacionalizar sem compensação justa e oportuna.
3. Na Justiça:
a) Todos os cidadãos estão no mesmo pé de igualdade perante a lei com os mesmos direitos e deveres. Ninguém será condenado sem defesa adequada, ninguém será preso sem ordem ou mandato da autoridade competente.
b) Os juízes serão profissional, independente e inamovíveis. As outras garantias e salvaguardas serão dadas aos juízes para julgar em consciência e de acordo com a lei.
c) Os julgamentos serão públicos e abertos ao público. O acusado será defendido por um advogado da sua escolha e sem restrições.
d) os prisioneiros políticos serão libertados e seus casos revistos por juízes imparciais. É na dignidade e na justiça que se encontra a prosperidade de Moçambique.
4. Saúde e Educação
a) a doença e o analfabetismo são os piores inimigos de Moçambique: é dever do Governo aplicar mais recursos para a promoção da saúde e educação. Nós faremos todos os esforços para cobrir todas as partes de uma rede de hospitais e escolas eficientes.
b) organizações e instituições internacionais, incluindo as religiosas, serão incentivados a continuar ou retomar o trabalho feito nesta área. O Estado vai estimular a pesquisa de novos métodos e programas de saúde e educação em uma sociedade livre, participativa e prospectiva.
c) a maternidade, a infância e a velhice serão particularmente protegidas. Os serviços do Estado no campo da saúde serão gratuitos.
d) a educação deve ser obrigatório e gratuita até doze anos. Os mais talentosos serão incentivados a continuar os seus estudos.
5. Serviços públicos:
a) A devoção ao dever e bem público será a prerrogativa dos servidores do Estado, municípios e empresas públicas. O servidor público será transparente para o controle hierárquico e funcional para todos os cidadãos.
b) As Forças Armadas e a polícia não vão intervir na atividade política. Eles serão o garante da actividade político-democrática em que irá residir dignidade.
c) As Forças Armadas de Moçambique serão formadas com base nas forças da Resistência Nacional de Moçambique e da incorporação de unidades regulares existentes actuais no país, excepto aqueles que durante a 2ª Guerra de Libertação, têm expressado comportamento antipatriótico. Os instrumentos de poder político usados pelo actual regime na repressão dos direitos fundamentais dos cidadãos serão desmantelados.
d) os veteranos de guerra, desmobilizados e as vítimas das guerras de Independência, Libertação e Defesa Nacional vão receber uma proteção particular do Estado. Independência, Liberdade e Defesa Nacional são o contrato permanente e passado unificador, presente e futuro do povo moçambicano.
6. Política Internacional:
a) acordos anteriormente celebrados com países estrangeiros ou organizações internacionais serão plenamente respeitados na medida em que eles não afectam as liberdades democráticas fundamentais dos cidadãos e não contradizem os princípios sagrados deste programa. Moçambique não vai discriminar países sob seu respectivo regime interno: relações internacionais serão guiadas pelo benefício mútuo e auto-determinação.
b) Moçambique vai respeitar e defender os princípios das Nações Unidas, a Organização de Unidade Africana e será fiel a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Todas as formas de colonialismo, imperialismo e neocolonialismo vão ser combatidas.
c) O país vai cooperar activamente com os Estados vizinhos, especialmente aqueles que dependem de seus portos. A cooperação internacional é o instrumento fundamental da paz na região.
7. Constituição:
a) Aprovação da Constituição deve ser feita com a intervenção da Assembleia Nacional e a participação das pessoas em forma de referendo. O povo moçambicano é a medida e o objetivo final da legislação e do Governo.
b) A independência nacional, a liberdade dos cidadãos, Justiça comutativa e distributiva, o respeito pela história e abertura para o Futuro vão ser os princípios orientadores da Constituição da República de Moçambique. Porque selado pelo sangue dos mártires, os mais altos ideais da Constituição é um imperativo nacional.
Algumas Fontes: 
1. Cahen, M. Manifeste-programme de la RENAMO, Revista Presence Africaine, 1988, pp 106-111
2. A luta continua, Órgão de Informação da RENAMO, Lisboa, Dez1985, pp. 18-39
3. Jornal To the Point, Johannesburg, vol.8, no.14 (6 April 1979), p.33

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