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sexta-feira, 18 de março de 2016

A Frelimo, que já incentivou o não pagamento de impostos como forma de resistência, quer cobrar mais impostos ao povo em detrimento das grandes empresas

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Tema de Fundo - Tema de Fundo
Escrito por Adérito Caldeira  em 18 Março 2016
Reza a história que durante a luta pela independência a então Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) incentivou o não pagamento de impostos como forma de resistência ao Estado colonial. No poder há mais de 40 anos o agora partido Frelimo pretende que o povo pague impostos e para isso a Autoridade Tributária tem na forja uma operação massiva de fiscalização das pequenas e médias empresas, com vista a força-las a cumprirem o código do Imposto sobre o Valor Acrescentado(IVA), em vez de acabar isenções que beneficiam as grandes empresas, particularmente aquelas que exploram os nossos recursos naturais em parcerias com os outrora libertadores.
“O IVA não está a ser cobrado na sua dimensão total. Este imposto tem um peso grande na receita do Estado e a fraca cobrança compromete as despesas do Estado” afirmou Moisés Marrime funcionário da Autoridade Tributária(AT), durante uma palestra sobre este imposto realizada na cidade de Maputo, sustentando a sua tese com base nos números das Contas Gerais do Estado e no mapa de receitas de 2015.
A cobrança do IVA, após registar um crescimento significativo entre 2010 e 2014, reduziu em 3,22% no ano passado, de 48,1 mil milhões de meticais para 46,6 mil milhões, principalmente nas operações internas onde registou uma queda de 7,6%, caindo de 21 mil milhões de meticais para 19,4 mil milhões.
Oficialmente o primeiro ano da governação de Filipe Nyusi foi “atípico”. Cheias, guerra, instabilidade dos preços das matérias-primas, desvalorização do metical foram apontados com justificação porém, de acordo com alguns economistas independentes, o Executivo não reconheceu os problemas reais da nossa economia entre eles destacam-se a falta de poupança interna e o aumento significativo da dívida pública comercial, interna e externa.
Se é verdade que nos últimos anos registou-se um forte crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), na realidade essa pujança deveu-se à poupança de outros países que chegou a Moçambique em forma de ajuda e de investimento estrangeiro contudo não se traduziu em desenvolvimento assinalável para o povo moçambicano.
O número de pobres aumentou, o acesso à água potável e saneamento básico continua a ser um luxo para a maioria. As escolas aumentaram mais produzem cidadãos cada vez menos educados e profissionalmente despreparados. As unidades sanitárias também aumentaram mas faltam profissionais de saúde e medicamentos. A energia eléctrica chega a cada vez mais pessoas mas a qualidade é cada vez pior, a rede de estradas continua deficitária e à mercê de qualquer chuva mais forte.
O crescimento económico robusto também não trouxe empregos dignos nem nos megaprojectos, ou nos seus fornecedores directos, e muito menos nos restantes sectores produtivos. A taxa de desemprego situa-se oficialmente nos 22% mas as autoridades não referem o subemprego de mais de 87% dos moçambicanos que trabalham na agricultura e no comércio informal.
Para aumentar receitas prioridade são as pequenas e médias empresas
Com o novo ciclo político a crise latente tornou-se evidente e, pela primeira vez desde há alguns, a AT falhou em 2015 a meta de arrecadação de receitas tributárias. Com a depreciação do metical em relação ao dólar norte-americano e ao rand sul-africano as importações reduziram e consequentemente as receitas aduaneiras. Ademais o peso do IVA sobre a receita do Estado decresceu de 30,83% em 2014 para 29,19% no ano findo.
A fasquia de arrecadação de receitas fiscais para 2016 foi estabelecida em 176.409.168,92 mil meticais, para atingir esse objectivo a Autoridade Tributária pretende apertar ainda mais as pequenas e médias empresas.
“A grande prioridade vai para as pequenas e médias empresas porque como sabemos as grandes empresas são as têm uma estrutura mas organizada, registos rigorosos mais fiáveis e são das que menos fazem transacções sem declaração, por isso neste momento o nosso grande foco são as médias e pequenas empresas” disse Domingos Mucota, director-geral adjunto de impostos na AT, à margem da palestra sobre “O Impacto do IVA na receita do Estado”.
Questionado porque razão a AT não cobrava mais impostos às multinacionais que operam em Moçambique Domingos Mucota explicou que “os grandes megaprojectos que nós temos estão no sector extractivo e são mais viradas para a área de exportação e a exportação está normalmente desonerada do IVA para permitir uma competitividade no exterior. Não pagam por praticarem actividades que tem isenção”.
De acordo com o economista Carlos Nuno Castel-Branco, um dos maiores defensores da renegociação dos contratos com os megaprojectos, “a soma da saída lícita (transferências legais e autorizadas) e da fuga ilícita de capitais totaliza entre 6% a 9% do PIB, anualmente”.
Ademais, escreve o economista na publicação “Desafios para Moçambique 2015”, a economia do nosso país “perde entre 700 milhões de dólares norte-americanos e 1,2 biliões de dólares norte-americanos, o que é equivalente ao crescimento médio anual do PIB”.
Também beneficia de isenções o partido que hoje está no poder mas que antes da independência advogou à fuga ao imposto de palhota como uma manifestação de resistência e de luta contra o Estado colonial.
Mais de 18 impostos e taxas que não parecem servir o povo
Os moçambicanos têm hoje o dever de pagar pelos 18 impostos e taxas. O Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS), o Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRPC) e o Imposto Simplificado para Pequenos Contribuintes(ISPC) são os denominados impostos directos.
Existem ainda os impostos indirectos que integram o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o Imposto sobre o Consumo Específico (ICE) e os Direitos Aduaneiros.
O nosso sistema tributário cobra ainda o Imposto de Selo, o Imposto sobre Sucessões e Doações, o Imposto da SISA, o Imposto Especial sobre o Jogo, o Imposto de Reconstrução Nacional (IRN) e o Imposto Sobre Veículos (ISN).
Para além dos chamados impostos nacionais existem os seguintes impostos autárquicos: Imposto Pessoal Autárquico(IPA), o Imposto Predial Autárquico (IPRA), o Imposto Autárquico da SISA, o Imposto Autárquico sobre Veículos, taxa por licenças de actividade económica, taxa pela prestação de serviços.
Foto de Adérito Caldeira
“Pagar impostos e taxas devidas contribui para o desenvolvimento do município e do país”, publicita a AT contudo os cidadãos que pagam impostos (diga-se são menos de 1% dos 30 milhões de moçambicanos) questionam-se sobre o destino que é dado às receitas fiscais.
Olhando para as despesas do Orçamento do Estado vêm-se mais mordomias e benesses para os governantes do que escolas e hospitais. Paga-se a taxa do lixo mas a recolha parece não existir, paga-se a taxa de radiodifusão que financia uma estação que em vez de serviço público faz propaganda do partido Frelimo. O orçamento da guerra não pára de crescer embora o povo não tenha água potável nem saneamento. As receitas fiscais estão inclusivamente a ser usadas para pagar dívidas contraídas sem que os moçambicanos tivessem sido consultados.

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