12/08/2020
Por Edwin Hounnou
Está escrito na Constituição da República, desde a independência, que a agricultura é a base do desenvolvimento e, nos últimos tempos, existe uma recomendação regional segundo a qual os países da SADC – Comunidade de Desenvolvimento da África Austral – devem contemplar ao sector da agricultura, pelo menos, 10 porcento do seu orçamento geral. Se essa aparente boa vontade fosse cumprida, há muito que teríamos deixado de importar produtos alimentar básicos, porém, continuamos atravessar as fronteiras para comprar o mais básico como arroz, batata, cebola, alho, banana, couve, repolho, etc.
Ninguém se envergonha pelo que vem acontecendo no país porque os que deviam desenhar políticas de desenvolvimento ganham chorudas comissões por importarem produtos alimentares, como é o caso de frangos e seus derivados. Os avicultores nacionais estão a definhar, assistindo a sua produção sem clientes por o mercado ter sido invadido de frango importado, passando para trás a produção local. Ninguém do governo mexe uma palha para inverter o cenário porque, neste festival, estão padrinhos e afilhados comendo com uma colher grande. Todos têm fome e sede.
Nos ministérios ligados às importações de frangos e seus derivados há funcionários apadrinhados por “graúdos” que ganham milhares de dólares de comissões por importarem frangos, trucidando o esforço dos produtores locais. As importações de produtos alimentares são motivadas, essencialmente, pela corrupção endêmica que envolve o sistema de governação do nosso país que não hesita em cometer graves atrocidades contra a lei desde que isso traga benefícios a um punhado de gatunos e corruptos infiltrados no governo. Encher os seus bolsos parece ser o lema dos novos ricos e o tal pensamento é generalizado. Para todos comer é a palavra base que vem no catecismo de estar no poder. O festival de ajuste directo de obras e fornecimento de bens, agora, é extensível, à Presidência da República. Isso chegará ao governador, secretário de Estado de província e a outros titulares do poder de escalão menor.
Tudo corre entre famílias de nomes sonantes na política relacionadas como o partido no poder. Não parece que estamos em Estado de Direito e Democrático que se pressupõe que a lei deve estar acima de todos e de tudo. O nosso Estado de Direito e Democrático não passa de um simples boato para agradar os chamados parceiros internacionais porque a lei é para os pequenos e anônimos. A importação fraudulenta de alimentos básicos que muito bem poderiam ser produzidos, localmente, virou um perigoso cancro como a importação dos medicamentos onde se encontram acocoradas e engajadas as elites do partido governamental. Um olhar sobre a importação de medicamentos e produtos alimentares podemos ver a verdadeira dimensão da corrupção em que o país se meteu.
A “gang” frelimista tomou de assalto o nosso destino comum e conduz o país para o abismo. Poderemos nos afundar todos como povo e como nação, se nenhuma medida for tomada para inverter a difícil situação em que nos remeteram.
Eles dedicam em quase tudo, por exemplo na importação de roupas e calçados velhos, conhecido por “xicalamidade". As importações de “xicalamidade” por começarem pensar vestir as pessoas mais carenciadas, durante os tempos amargos da guerra dos 16 anos, viraram um chorudo negócio de comerciantes de origem asiática e as elites do partido governamental ao ponto de ter concorrido para sufocar a indústria nacional de têxteis e calçados.
A importação de “xicalamidade” foi decisiva na falência da indústria têxtil e de calçados que era florescente até à década de 1980 e oferecia milhares de postos de trabalho aos moçambicanos. Fomos assistindo a cair na falência a TEXTAFRICA e EMMA do Chimoio, TEXMOC de Nampula, TEXMANTA de Pemba, RIOPELE de Marracuene e TEXLOM da Matola. Hoje, algumas dessas fábricas viraram abrigos de marginais, outras transformadas em fabriquetas de achar de piripiri com manga verde e pequenas lojas de venda de carne, chouriço e de enlatados de salsichas.
Para o gáudio dos nossos libertadores, quando se precisa de linha e botões para casear a nossa roupa, importa-se da Africa do Sul, China, Paquistão, Singapura, India ou da Europa e América. Com essa política, o nosso país é, nos dias que correm, um supermercado onde tudo se vende e se compra ao invés de um país com capacidade de produzir, transformar e vender.
Os promotores das importações costumam dizer que sai mais barato importar que produzirmos. Os 36 milhões de hectares de terra arável e os mais de 60 cursos de rios perderam o seu real significado por não servirem os interesses nacionais e as necessidades alimentares do povo. Igualamo-nos a um qualquer deserto do planeta que nada produz por falta condições, todavia, nós, apesar de todas favoráveis para a produção, devido à calamidade de corrupção e ausência de políticas de desenvolvimento. Não basta que o país tenha recursos naturais bastantes, é preciso homens dedicados ao trabalho, inteligentes que sejam inimigos da corrupção.
Não acreditamos que o Programa SUSTENTA, ora em voga, venha a dar os resultados esperados. Já tivemos outros programas arrojados como o MOZAGRIUS, PROAGUIUS, REVOLUÇÃO VERDE e o badalado GPZ – Gabinete de Planeamento do Vale do Zambeze que pariram um rato. Ainda nos recordamos de políticos com ramos de jatropha à cabeça, nos comícios populares, para mostrar aos presentes que haviam descoberto a magia que vinha substituir o petróleo fóssil.
Empresas agrícolas e camponeses foram induzidos a produzir jatropha no lugar de comida. Nos distritos, existem grandes extensões de terras com jatropha a morrer no meio de mata. Isso demonstra, de forma inequívoca, ausência de estudo que cada governante que chega ao poder, trás suas políticas para, apenas, o seu ciclo governação. Não é por acaso que fazem trocas de secretárias, cortinados, jardineiros, motoristas e até de serventes de café por cada vez que chega ao pelouro um governador, ministro ou mesmo um simples director nacional de qualquer coisa.
Não há visão integrada e a longo prazo de desenvolvimento do país e se limita ao imediato, muitas vezes, para drenar fundos do Estado e promover o seu nome, como alguém disse que gostaria, quando deixasse o poder, de ser lembrado como um grande amigo do povo. Pelos danos provocados, alguns desses governantes não se atrevem a dar um passo na rua que o povo, ferido e rancoroso, os acerca e os apupa. Noutros países onde a governação é equiparado a um sacerdócio, devido à sua dedicação pela causa nacional, os antigos governantes não andam escoltados, estão soltos na rua, vão aos mercados fazer compras, passeiam à vontade, tomam banho na piscina com o povo se diverte e param na fila de supermercado para pagar as suas contas. Não são pequenos deuses perante os seus povos como a calamidade que vemos no país. São amigos dos seus povos por lhes terem servido bem.
Gostamos imenso, por exemplo, da postura do Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, que tem dado lição de proximidade com o povo. Vai ao barbeiro, limpa os sapatos na rua, pára a sua escolta para comprar um abacaxi de uma mamana. Entra num restaurante para comer com os seus acompanhantes sem precisar de fechar as ruas nem encerrar as portas do restaurante por alegados motivos de segurança. Temos saudades de boa governação que não temos. Queremos que nos governem com inteligência e respeito. Não somos um povo de mendigos. Mendigos são os que nos governam.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 12.08.2020
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