"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 24 de maio de 2016

Ensaiar negociações pela paz fortalecendo a guerra

 


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Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Rearmando, treinando e desdobrando militares.
Manifestam-se combinações de estratégias visando chegar à mesa negocial com vantagens, ou então numa posição de força. É, afinal, parte do que ensinam os manuais de ciência política.
Tem sido assim na história humana.
Mas o que difere e pode transformar uma estratégia em factor de vitória, derrota ou ruptura definitiva das negociações é a flexibilidade dos beligerantes e especialmente
o “timing” em que as decisões são implementadas.
Apanhado numa encruzilhada de crise de dívida externa muito pesada e derrotas sucessivas no terreno, o Governo de Moçambique mostra-se atrapalhado e demonstrando pouco domínio dos “dossiers” que o apoquentam.
Se por um lado recebeu um presente envenenado em nome de dívida oculta tornado soberana, há que considerar que outra herança talvez mais pesada é um conflito militar em progressão e expansão.
A aquisição apressada de meios militares como veículos blindados de transporte de tropas e armas mais ou menos sofisticadas não está trazendo resultados concretos.
A guerrilha da Renamo, experimentada e espalhada por todo o país, parece suficientemente ter controlo da situação, pelo menos nos eixos rodoviários em que actua.
Está havendo um combate ao nível dos serviços de informações que torna irrelevante o arcaboiço das FADM/PRM/FIR/UIR. Cada passo dado pelas forças governamentais parece que é previamente conhecido pela guerrilha.
Até as redes sociais oferecem informações de carácter militar ao informarem com antecedência partidas e chegadas de veículos civis ou militares transportando militares. Os desdobramentos governamentais são previamente conhecidos, do que resulta uma incapacidade de utilizar o factor surpresa nas suas acções.
O resultado das últimas eleições deveria ser um indicativo da alteração profunda da correlação de forças que levasse os partidos políticos a negociações sérias sobre as estruturas do poder sem que se tivesse que recorrer à guerra.
As discussões agendadas, ou as que vão acontecer, uma vez alinhada a agenda por parte da Comissão Conjunta entre o Governo e a Renamo, é um exercício necessário, embora tardio.
Tem sido a arrogância e a teimosia, tem sido o egocentrismo e a megalomania que têm impedido que a humildade prevaleça e os entendimentos sejam alcançados sem derramamento de sangue.
Já se sabe desde 1994 que o barco da paz e da reconciliação estava metendo água. O AGP de Roma foi assinado, mas jamais houve uma genuína vontade de criar um exército genuinamente republicano. A PRM/FIR/UIR bem como o SISE jamais foram republicanas e apartidárias, como todo o moçambicano sabe. Mesmo o mais ferrenho e dogmático membro da Frelimo sabe que estas forças militares e policiais devem obediência a comandos emitidos na “Pereira do Lago”. Um primeiro passo seria vermos os grandes da Frelimo, Joaquim Chissano e Armando Guebuza, Alberto Chipande e outros rendendo-se à evidência dos factos. Eles, mais do que ninguém, sabem quais são as razões por detrás do retrocesso verificado. Embora uma oposição mais coordenada e com vontade de concertar tivesse levado o barco a outro porto, é evidente que as for forças em presença e o seu poder real conduziram ao que vivemos hoje.
Quando as contas saem erradas, nada mais lógico do que corrigir.
Se a II República não só “deixou andar” como não permitiu que objectivamente se criasse um Exército republicano, há que trazer à mesa o facto de que se assistiu ao desmoronamento das FPLM. Agora não há Marinha de Guerra nem Força Aérea dignas desse nome. O capital de experiência das FPLM já não existe.
Com AEG fortaleceu-se a FIR, mas esta não é a força apropriada para lidar com uma guerrilha experiente e com comando criativo.
Quando se pensava que a Renamo já era politicamente irrelevante, esta “acordou das cinzas” e impôs-se como força a ter em conta.
O MDM mostrou que não era força para ser ignorada. Os outros partidos “menores” também mostraram que não estavam mortos.
Chegou e foi o Outubro de 2014.
Com as contas feitas sem editais pelo Conselho Constitucional nasceu a actual crise que nos remete ao passado das hostilidades.
Tentativamente, o PR afirma que quer negociar. Notam-se sinais contraditórios nos seus “pronunciamentos”, e sente-se que ele está cercado por pessoas extremamente poderosas do seu partido de suporte. Como disse Gabriel Mutisse num passado recente, FJN sem a Frelimo nada é.
Torná-lo presidente da Frelimo não alterou nada. Quem mandava, continua mandando.
Quando a “bomba” da dívida rebentou, descobriram-se factos que se queriam escondidos e longe do escrutínio público e do Parlamento.
Uma série de analistas contratados para defender a posição do regime do dia não conseguiu convencer o público de que a dívida era sustentável e legal.
À maneira tipicamente “angolana”, viu-se uma forte corrente de actividades viradas para a potenciação das forças militarizadas, como se isso fosse a solução dos problemas políticos do país.
Uma visão estereotipada dos assuntos de importância nacional, uma leitura inapropriada trouxe a guerra de volta.
Agora que a pressão interna, externa e o insucesso na frente militar na “savimbização” de AMMD se combinam e provocam o relançamento do diálogo entre as partes, os moçambicanos regozijam-se cautelosamente.
Ainda não há motivos para celebrar pois, em passado recente, já se viu uma parte aceitar uma CNE e um STAE diferentes para, volta e meia, o CC dar o golpe.
Há uma questão cada vez mais evidente que liga as hostilidades aos recursos naturais explorados em benefício de uma pequena franja de moçambicanos.
Não se trata simplesmente de democracia política, mas da capacidade e vontade que existam de ter em conta a dignidade e os direitos políticos e económicos dos moçambicanos.
Não há nenhuma família ou apelido notável que tenham mais valor do que uma humilde e pobre família moçambicana. Isso é o que a CRM diz, que somos iguais em direitos e deveres.
Convém que todos se situem e assumam que basta de historietas e suposta grandeza de uns de onde advenham direitos especiais.
Quem pensava que Moçambique era um feudo das cinco famílias e de generais tem razões mais do que sobra para “tirar o cavalinho da chuva”. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 23.05.2016

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