"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 18 de junho de 2018

Gestão do Sector Extrativo Processo de licenciamento apresenta sérios riscos de corrupção

Gestão do Sector Extrativo
Processo de licenciamento apresenta sérios riscos de corrupção
Pagamento de impostos das empresas está aquém do devido – de acordo com dados do 7º Relatório da EITI

Contexto Moçambique acaba de publicar o 7º relatório de Reconciliação da Iniciativa de Transparência da Indústria Extractiva (EITI, sigla inglesa) que cobre os anos de 2015 e 2016, abrangendo 83 empresas em 2015 (das quais 60 mineiras e 23 petrolíferas) e 80 empresas em 2016 (55 mineiras 25 petrolíferas).
O relatório, que pela primeira vez analisa, com alguma profundidade, o processo de licenciamento no sector mineiro (minerais e hidrocarbonetos), aponta fragilidades que propiciam a corrupção, prejudicando o Estado moçambicano.
Na verdade, o licenciamento é a fase crucial na cadeia de valores da exploração de recursos minerais, visto que um processo mal-conduzido pode resultar na atribuição de licenças a entes que não tenham capacidade técnica e financeira necessária para levar a bom porto a actividade de exploração de recursos ou pode facilitar o açambarcamento de licenças por entidades que não têm interesse em explorar os recursos, mas sim ganhar tempo até arranjarem um parceiro capaz de investir de facto e/ ou para valorizar a licença com vista à posterior venda, num claro acto de especulação. Estas situações sempre resultam em perdas para o Estado e há muitos exemplos disso.
O 7º relatório mostra que a gestão do sector extractivo não é adequada, pelo que o Estado moçambicano pode estar a perder receitas significativas decorrentes desta situação. Igualmente, o documento revela a forma inconsistente como as mais-valias são tributadas em Moçambique, não obstante todas as iniciativas legislativas tendentes a clarificar este processo.
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De acordo com os dados do relatório, as receitas da indústria extractiva totalizaram 13 mil milhões de meticais em 2015, correspondendo a 8% das receitas globais do Estado1. Em 2016, as receitas da indústria extractiva foram duas vezes mais baixas que o ano anterior, apresentando um total de 6,3 mil milhões de dólares, representando 4% do total das receitas globais do Estado. Este decréscimo devese ao facto de em 2016 não ter havido colecta de imposto sobre mais-valias (IRPC) registado, imposto esse que representou cerca de 33% das receitas cobradas na indústria extractiva em 2015.
A contribuição do sector dos minérios para as receitas do Estado, comparativamente ao sector petrolífero, continuou baixa, não obstante o número de projectos em curso. Em 2015, os minérios contribuíram com 1,9 mil milhões de meticais (15%), enquanto os hidrocarbonetos contribuíram com 11,1 mil milhões de meticais (85%); em 2016, houve um aumento das receitas dos minérios, tendo totalizando 2,2 mil milhões de meticais (35%) e dos hidrocarbonetos para 4 mil milhões de meticais (65%). Destacadamente, o sector do carvão continuou a ser prejudicado pelos constrangimentos logísticos, que estão a ser paulatinamente minorados com a entrada em funcionamento pleno do Corredor Logístico de Nacala em 2017. Os baixos preços do carvão   – situados em 80 dólares a tonelada em 2015 e 39 dólares em 20162 – e os baixos preços das areias pesadas – contabilizados em 20153 para zircão a 989 dólares/ton e rutilo a 721 dólares/ton e em 20164 para zircão a 853 dólares/ton, rutilo a 725 dólares/ton, ilmenite a 91 dólares/ton, tantalite variou de 376 (com 80% de sulfato) a 700 dólares/ton – no mercado internacional também influenciaram a contribuição do sector nos anos 2015 e 2016. Este texto faz uma análise do sétimo relatório, problematizando alguns dados nele apresentados. Riscos de corrupção no processo de licenciamento A Deloitte, empresa contratada pelo Comité de Coordenação da EITI-Moçambique5 para realizar de forma independente o 7º relatório, referiu no documento que o regime jurídico do processo de licenciamento mineiro carece de melhorias em duas componentes essenciais, designadamente: na licitação e na fiscalização. Primeiro, segundo os artigos 3 e 21 do Regulamento da Lei de Minas (Decreto 31/2015), o Ministro dos Recursos Mineiras e Energia detém competência para a atribuição de licenças mineiras mediante pedido ou por concurso público. Nesta segunda modalidade (concurso público), o Anexo 10 do Regulamento da Lei de Minas fixa critérios de adjudicação do operador mineiro, porém, dando cobertura a um poder discricionário que permite ao Ministro dos Recursos Minerais e Energia definir critérios específicos através de um Diploma Ministerial ou por mero despacho.
Nessa perspectiva, sublinha o documento, a inexistência de critérios de adjudicação legalmente plasmados na Lei de Minas não permite que haja transparência no processo de licenciamento, pois este poder discricionário atribuído ao Ministro abre espaço ao favoritismo/clientelismo no processo de atribuição das licenças. De resto, o Ministro é uma figura de confiança política, havendo uma grande possibilidade deste ficar refém de influências de natureza política.
A lei de minas moçambicana centraliza no ministro que superintende a área de minas todo o processo de atribuição de licenças e de monitoria das actividade mineiras que, às vezes, pode delegar alguns
1 Entretanto, o Relatório de Execução do Orçamento do Estado de 2016 fala de 6% (5,513%), correspondente a 8,595 milhões de dólares em termos nominais. 2 http://www.infomine.com/investment/metal-prices/coal/ 3 http://www.iluka.com/investors-media/company-industry-information 4  https://research-doc.credit-suisse.com/docView?language=ENG&format=PDF&sourceid=csplusresearchcp&document_ id=1075659661&serialid=eqDIZ%2B5IxXzJAx20aksEGSjB8%2FwUC19UfWWTQko09ss%3D 5 Órgão implementador da EITI em Moçambique que é presidido pelo Ministro dos Recursos Minerais e integra representantes do Governo (MIREME, MEF, MITADER), Sociedade Civil e Empresas.
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dos seus poderes a outros funcionários no Ministério, especialmente a Direcção Nacional de Minas (número 3 do artigo 6 do Decreto 31/2015). Aos Governadores Provinciais é dado o poder de atribuir certificado mineiro para construção e senha mineira. De igual modo, a lei atribui aos funcionários do sector de minas uma discrição total sobre os prazos e duração de cada etapa do processo de licenciamento, criando ambiente propício para a prática de corrupção.
De acordo com o artigo 6 do Decreto 31/2015, compete ao Ministro do sector dos recursos minerais decidir sobre:
a) A atribuição, modificação, transmissão e revogação de licença de prospecção e pesquisa, concessão mineira, certificado mineiro, licença de processamento mineiro, licença de tratamento mineiro e autorizações
b) A transmissão directa ou indirecta de interesses participativos, títulos e/ou direitos mineiros, incluindo a cessão de acções, quotas ou outras formas de participações
c) A declaração, modificação e extinção de áreas designadas de senha mineira e
d) Quaisquer conflitos que resultem da sobreposição total ou parcial de pedidos sobre a mesma área.
À entidade reguladora do sector mineiro (minérios sólidos), mormente o Instituto Nacional de Minas (INAMI)6, compete:
a) Propor políticas de desenvolvimento do sector mineiro e acompanhar a sua execução;
b) Analisar e aprovar projectos de estudos técnicos e económicos para a abertura de novas minas bem como a reabilitação e/ou encerramento;
c) Receber, preparar, organizar e analisar os processos relativos a atribuição de licenças de prospecção e pesquisa, concessões mineiras e concessões de água mineral, praticando os actos que lhe são atribuídos no âmbito do regulamento de minas;
d) Promover, apoiar e controlar, em coordenação com outras instituições, a prospecção, pesquisa e extracção, uso e aproveitamento de recursos minerais, excluindo petróleo e gás;
e) Promover, apoiar e controlar a mineração de pequena escala, tomando em conta a minimização dos impactos negativos de natureza ambiental e social resultantes do exercício dessas actividade.
Como se pode depreender, o papel da entidade reguladora no processo de licenciamento é limitado apenas a receber, preparar, organizar e analisar os processos relativos a atribuição de licenças de prospecção e pesquisa, concessões mineiras e concessões de água mineral, respeitando o princípio de prioridade de submissão e considerando a proposta que oferece melhores condições, vantagens e ganhos para o Estado moçambicano como proprietário dos recursos minerais (Artigo 9 da Lei n.º 20/2014). No final, o processo deve ser aprovado pelo Ministro que superintende a área das minas, podendo fazer uso do seu poder discricionário.
O processo de licenciamento mineiro, mediante pedidos, é caracterizado por enormes atrasos, dado que os processos devem passar por diferentes estágios e níveis para pareceres técnicos e aprovações. Esta demora resulta, muitas vezes, do facto de os funcionários do cadastro mineiro terem dificuldades 6  O INAMI foi criado pela Lei de Minas (Lei 20/2014 de 18 de Agosto), no seu artigo 26.
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na interpretação da lei que está em constantes mudanças (nos últimos 19 anos foram aprovados mais de 30 instrumentos legais no sector mineiro).
Numa pesquisa levada a cabo pelo CIP em 2017, com o objectivo de mapear os riscos de corrupção no processo de licenciamento, alguns entrevistados informaram que tiveram casos em que a orientação dada pelos funcionários do cadastro eram diferentes das exigidas pela legislação.
As componentes fiscalização ou monitoria e aplicação da lei (law enforcement) continuam a representar um desafio, uma vez que a capacidade reguladora não é proporcional à velocidade e à escala do crescimento da indústria extractivas em Moçambique.
As fragilidades do sistema de fiscalização afectam a transparência na exploração de recursos minerais, pois dá azo à massificação de garimpeiros ilegais cuja exploração não contém registos e controlo fiável pelo Governo e os rendimentos emergentes dessas actividades não são tributados. Como a maior parte das áreas se encontra em zonas recônditas, isso acaba por dificultar o processo de fiscalização, tornando-se necessário criar condições para se poder aceder às áreas de difícil acesso. Adicionalmente, há necessidade de capacitar, por via de formação, os membros dos órgãos provinciais e distritais em matéria de legislação sobre a indústria extractiva por forma a garantir o domínio e consequente aplicação da lei. Sem essa capacitação a aplicação da lei torna-se deficiente .
As fragilidades da fiscalização também são muito mais profundas e derivam da forma desordenada como se faz o licenciamento das empresas.
Perdas para o estado decorrente da má-gestão 1. Um sector desorganizado, gerando perdas para o Estado As receitas que o Governo declara ter recebido poderiam ser superiores, se não fosse a desorganização que se verifica no sector. O problema começa mesmo no processo de licenciamento.
De acordo com o 7º relatório, os documentos de suporte apresentados por algumas empresas7 para a justificação dos pagamentos não apresentam o Número de Identificação Tributária (NUIT) correspondente. Os NUIT evidenciados são os das instituições que colectam impostos e taxas (Direcções Provinciais de Recursos Minerais e Energia – DIPREME – e Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural – MITADER) ao invés de ser o NUIT do contribuinte. Nessa perspectiva, os impostos são pagos em nome das “DIPREMEs”.
Este problema dos NUIT vem sendo levantado em todos os relatórios de reconciliação realizados até aqui, mas não há mudanças. Nenhuma investigação foi desencadeada para perceber a razão por que as empresas pagam impostos em nome das instituições públicas e muito menos para esclarecer porque as empresas não têm os seus próprios NUIT.
O pagamento de impostos usando os NUIT das instituições públicas despoleta questões sobre o pagamento de impostos devidos e sobre a base para a determinação de tais impostos. Há indicações de que os impostos cobrados não são registados de acordo com o classificador apropriado, sendo um determinado imposto registado com outro nome/classificação8. Igualmente, os registos de 7  O relatório não cita exactamente que empresas apresentaram NUIT de entidades públicas. 8 Por exemplo, os royalties são tratados no classificador como direitos de marca, quando na lei de minas e de petróleos é o mesmo que dizer imposto
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pagamentos efectuados pela Direcção de Administração e Finanças das empresas nem sempre correspondem ao período em que efectivamente o pagamento foi feito.
A desorganização do sector estende-se até à forma como o MIREME e os DIPREME se relacionam com as empresas. Durante a recolha de dados para a produção do 7º relatório, a Deloitte teve imensas dificuldades de fazer a reconciliação da informação, devido à falta de contacto de algumas empresas. De notar que o contacto das empresas é importante, pois pode existir a necessidade de notificar uma empresa por várias razões, por exemplo, para recolha de informação (como é o caso) ou por incumprimento de obrigações.
O relatório fala de 16 empresas, das quais 13 do sector mineiro e 3 de hidrocarbonetos, cujos contactos não foram facultados pelo MIREME e outras instituições do Estado, alegadamente por não possuí-los ou por estarem desactualizados. Ei-las:
• Aveng Moçambique, Lda
• Chambadejous, Lda
• Clean Tech Mining, Lda
• Condor, Lda
• Engetec, Lda
• G.S. Cimentos, SARL
• Haiyu (Mozambique) Mining CO, Lda
• Minas Moatize, Lda
• Myala Resources, Lda
• Pedreira Namaacha, Lda
• Simão Ferreira e Filhos Moçambique, Lda
• Sominha - Sociedade Mineira de Nhampassa, Lda
• Terramãe, Lda
• PC Mozambique (Rovuma Basin), Lda
• Petronas Carigali Mozambique E&P, Lda
• Korean Gas Moçambique
Algumas razões apresentadas para a falta de contacto têm a ver com o facto de estarem em processo de encerramento de escritórios em Moçambique pelo que não se conseguiu efectuar qualquer contacto com as mesmas. Esta justificação foi particularmente apresentada em relação à Petronas.
A justificação de que não se conseguem encontrar as empresas por estarem em fase de encerramento não colhe.
de produção.
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Caixa de texto 1: Desorganização permite que empresas defraudem o Estado – Haiyu A empresa chinesa Haiyu, sobre a qual o Governo diz não ter contacto actualizado1, está a implementar dois projectos de exploração de areias pesadas em Nagonha e Sangage, distrito de Angoche, província nortenha de Nampula, desde 2011. Para o projecto de Sangage (ao obrigo da licença 3791C) existe um estudo de impacto ambiental, embora ocupe uma área de apenas mil (1.000) hectares, o que já não ocorre para o caso do projecto de Nagonha (licença 4776C) que ocupa 5 mil hectares. Cerca de sete anos depois, as comunidades continuam a viver à volta da área da mina, correndo vários riscos, como o que ocorreu em 2015, que afectou cerca de 300 famílias e destruiu 173 casas e causou a morte de uma criança de seis anos. No que refere ao pagamento de impostos, é interessante notar que a Haiyu, em 2015, pagou pouco mais de 3 milhões de meticais em imposto de produção, 99 mil meticais em imposto de rendimento (IRPC) e 169,3 mil meticais em imposto de rendimento de pessoas singulares. O imposto de superfície foi cinco vezes maior que o IRPC pago pela empresa (588,000 meticais)2. A Haiyu detém, em Moçambique, sete licenças mineiras em vigor, das quais quatro são concessões mineiras e três são licenças de prospecção e pesquisa, localizadas entre Nampula, Tete e Inhambane. Cálculos efectuados pelo CIP para as licenças em vigor até 2016 (5 ao todo)3, tendo em conta o quadro de tributação do imposto de superfície e o total de hectares das licenças da empresa, mostram que os encargos da empresa naquele ano seriam de cerca de 300 mil meticais, enquanto em 2016 seriam de cerca de 350 mil meticais. Em 2016, a situação contributiva da empresa piorou. O IRPC e o Imposto de Superfície não foram pagos, o Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares baixou significativamente, tendo-se situado apenas em 77.167, mas o imposto de produção teve um aumento de cerca de um milhão de meticais, situando-se em 4.1 milhões de meticais. Estes dados foram unilateralmente declarados pelo Governo, não tendo havido a devida reconciliação pela dificuldade que o consultor contratado para produzir o relatório, a Deloitte, teve em contactar a empresa Haiyu4.
2. Inconsistências na tributação das mais-valias Moçambique está prenhe de casos de especulação e açambarcamento de licenças. Estas situações decorrem das fragilidades institucionais. Por exemplo, em 2013, a empresa Videocom Hydrocarbons Holding Ld (Videocom Mozambique) vendeu a totalidade da sua participação na área 1 da Bacia do Rovuma a uma empresa afiliada, Videocom Mauritus Energy Limited. No ano seguinte, a mesma empresa vendeu 10% da sua participação ao consórcio indiano ONGC Videsh Limited (OVL). A primeira transacção (2013) esteve avaliada em 2,1 mil milhões de dólares, tendo resultado em maisvalias no valor de 224.1 milhões de dólares, efectivamente pagas. Já a segunda (2014) custou 2,64 mil milhões de dólares, tendo a empresa vendedora pago ao Estado apenas 3 (três) milhões de dólares em imposto de mais-valias.
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Operação Ano Vendedor Comprador Valor da Venda (USD)
Imposto de mais-valias (USD)
Venda de 100% de participação na Bacia do Rovuma Área 1
2013 Videocom Hydrocarbon Holdings Ltd
(|Videocom Mozambique)
Videocom Mauritius Energy Ltd.
2,149 Milhões 224,1 Milhões
Venda de 10% da Participação na Bacia do Rovuma-Área 1
2014 Videocom Mauritius Energy Ltd.
Consórcio Indiano ONGC Videsh Limited (OVL)
2,64 Mil Milhões 3 Milhões
Fonte: Adaptação da autora na base de informação publicada no 6º relatório EITI (2015)  
O tratamento das transacções de venda de interesses participativos nos projectos de exploração de recursos minerais é deveras inconsistente. O 7º relatório revela que, enquanto algumas empresas vendem e pagam as correspondentes mais-valias e depois da transacção realizada, outras pagam um valor muito baixo e com regras pouco claras. As transacções envolvendo a Vale e Mitsui, em 2016, bem como da Petronas Carigali, em 2016, são um exemplo claro. No caso da Petronas Carigali Mozambique E&P, a transacção foi efectivada em 2016, mas o imposto de mais-valias foi pago antecipadamente em 2014, quando o acordo entre as partes foi alcançado. A antecipação do pagamento é justificada pelo facto de a autorização a obter por parte do MIREME carecer de comprovação do pagamento dos respectivos impostos9. Esta exigência do MIREME na verdade é estranha, visto que o Governo concedeu autorizações para a realização de transacções de venda de interesses participativos a outras empresas: a Anadarko, Eni (duas transacções), Videocom Hydrocarbon Holdings Ltd e Rio Tinto, sem que tal implicasse necessariamente a apresentação do comprovativo de pagamento. Um exemplo muito recente é o da Eni East África, cuja autorização de venda de 25% à Exxon Mobil foi aprovada no dia 5 de Setembro de 2017, pelo Conselho de Ministros, mas o imposto de mais-valias, no valor de 350 milhões de dólares norte-americanos, foi pago no dia 13 de Dezembro de 201710. Por sua vez, no caso da Vale Moçambique, S.A., o imposto pago refere-se ao imposto de selo com a emissão de acções a favor da Mitsui & Co, concretamente: 15% da participação de 95% da Vale na mina de carvão mineral de Moatize, na província de Tete, e 50% da participação de 70% da empresa brasileira no Corredor Logístico de Nacala (CLN), a linha férrea usada para transportar o carvão extraído até ao terminal de carvão em Nacala-a-Velha, passando pelo Malawi. Em Abril de 2017, a Autoridade Tributária de Moçambique (AT) explicou à imprensa que para esta operação não foram apuradas mais-valias, porque não tinha houve venda de acções, mas sim emissão de acções que foram adquiridas ao valor nominal. De acordo com a AT, devido à inexistência de mais-valias pelo facto de o valor de realização (valor de venda) ser igual ao valor de aquisição, não obstante, e porque as acções vendidas foram resultado de uma emissão, a empresa Vale irá pagar ao Estado moçambicano o valor de 227 mil dólares norteamericanos e cerca de 1 milhão de dólares norte-americanos pela aquisição das acções na mina e na
9 PP 53 do 7º relatório EITI 10 http://www.verdade.co.mz/tema-de-fundo/35-themadefundo/64322-eni-conclui-venda-de-25-dos-seus-interesses-na-area-4-em-mocambique-eja-pagou-imposto-de-mais-valia
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ferrovia, respectivamente, referentes ao imposto de selo11 pela selagem dos contratos.12 Até ao momento, a Vale pagou apenas uma parte do imposto correspondente à alienação dos 50% do CLN, sendo que a outra, de acordo com a AT, ainda se encontra dentro do prazo legalmente estipulado. As nuances da tributação dos impostos resultantes da alienação de interesses participativos nos projectos de exploração mineira em Moçambique envolvem a utilização de critérios diferentes para cada caso, com explicações pouco convincentes, com tratamentos diferenciados, sendo permitido a alguns o pagamento das inerentes mais-valias após a aprovação da transacção de alienação dos interesses participativos e a outros antecipadamente. Desde 2013, o CIP tem estado a chamar atenção para as inconsistências na tributação das mais-valias. Uma resposta para inverter esta situação veio em 2017, da AR, com a revisão da lei fiscal das operações petrolíferas e mineiras, ao estipular-se apenas a tributação de mais-valias em 32%, sem nenhumas ressalvas. Entretanto, ainda falta clarificar que o imposto é pago depois da autorização do Governo e conclusão da transacção entre as partes.
3. Impostos aquém do devido Na base da informação apresentada pelo relatório, o CIP fez alguns cálculos focados no imposto de produção que mostram que as receitas pagas pelas empresas estão aquém do devido.
O relatório apresenta dados de produção e exportação de 10 empresas, das quais 9 mineiras e uma petrolífera (a Sasol). O CIP seleccionou quatro empresas para analisar, que se classificam como grandes projectos e por haver alguns dados sobre o regime fiscal a elas aplicado. Trata-se da Highland African Mining Company, Kenmare, Montepuez Rubi Mining e Vale Moçambique.
A empresa Montepuez Rubi Mining foi excluída da análise, posteriormente, pelo facto de os dados sobre 2015 estarem incompletos e se referirem, apenas, a produção e volume, faltando informação sobre as exportações que facilitariam os cálculos. 2015 Empresa Recurso UM Volume de Produção Produção (valor) Volume (Exportação) Exportação (valor)
Highland African Mining Company
Morganite Kg 2,049 512,282* 2,049 512,282*
Tantalite Kg 8,769,082 438,454* 8,769,082 438,454*
Kenmare Ilmenite Ton 763,477 800,806 109,422,929*
Zircão Ton 56,344 52,018 39,876,220* Rutilo Ton 5,981 4,734 2,281,177*
Montepuez Ruby Mining
Rubi Ton 1,624,648 4,032,829,830
11  O Imposto de Selo incide sobre todos os documentos, contratos, títulos, livros, papéis e actos designados na Tabela anexa ao respectivo Código, desde que emitidos, celebrados ou realizados em território nacional e não sujeitos e isentos de IVA. Os referidos actos serão ainda sujeitos a Imposto de Selo quando, ocorridos fora do território moçambicano, forem apresentados para efeitos legais em Moçambique. São tributadas as mais-valias obtidas por não residentes, com ou sem estabelecimento estável, decorrentes da alienação onerosa ou gratuita, directa ou indirecta, de direitos petrolíferos ou mineiros em território moçambicano, à taxa de 32%. 12 http://www.verdade.co.mz/nacional/61689-nao-foram-apuradas-mais-valias-na-venda-de-activos-da-vale-em-mocambique-ao-grupo-mitsui
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Vale Moçambique Carvão Ton 4,958,967 12,218,752,4681 3,706,253 114,575,800
2016
Highland African Mining Company
Morganite Kg 381 152,508* 329 123,028*
Tantalite Kg 56,971 1,381,517* 15,086 454,139*
Kenmare2 Ilmenite Ton 800,806 109,422,929* 931,345 101,205,231*
Zircão Ton 52,018 39,876,220* 65,455 37,091,983*
Rutilo Ton 4,734 2,281,177* 6,999 3,000,766*
Montepuez Rubi Mining
Rubi Ton
Vale Moçambique Carvão Ton 5,562,598 31,591,870,025 8,751,893 43,920,518,000
Fonte: 7º Relatório EITI, 2018
*Valorizado em dólares norte-americanos
Com base nestes dados, constata-se que as empresas estão a pagar muito abaixo do que deveriam pagar em imposto de produção. A Kenmare pagou nos anos de 2015 e 2016 apenas quase metade do valor que deveria pagar. A Vale em 2016 pagou 35 vezes abaixo do que deveria pagar.
Enquanto isso, há discrepâncias intrigantes entre o que o Governo e as empresas declaram como imposto de produção pago ao Estado em 2015. No caso da Highland African Mining Company, o Estado declara 11,120,112 meticais, enquanto a empresa fala de 1,570,423 meticais. Cálculos efectuados pelo CIP mostram que o imposto devido seria de 1,369,059.84 meticais13.
Tabela: Comparação do valor do Imposto de produção (MZN) Empresa 2015 2016
Declarado (MZN)
Devido Diferença Declarado Devido Diferença
Vale 207,654,100 366,562,574.04 (158,908,474.04) 375,116,771 947,756,100.75 (572,639,329)
Kenmare 114,941,128 433,142,767.3 (318,201,639.3) 150,858,584 659,374,418.1 (508,515,874.1)
Highland African Mining Company 11,120,1123 2,738,119.68 8,381,992.32
a)
6,673,008.75
1,570,4234 (1,167,696.68)
13 A taxa de câmbio utilizada para os cálculos foi de 48 meticais/dólar norte-americanos, que é a taxa registada a 31 de Dezembro de 2015, segundo o Banco Central.
10
Sasol Petroleum Temane 137,557,701
a)
535,328,434.49 15,771,258.845
...
a) O sétimo relatório não apresenta dados
Caixa de Texto 2: Empresas gastam mais em filantropia que em despesas sociais obrigatórias
O relatório em análise mostra que as empresas que exploram recursos em Moçambique investem mais em actividades sociais filantrópicas e menos em actividades de carácter obrigatório.
Numa análise envolvendo 7 empresas, quatro do sector mineiro (Kenmare, Vale Moçambique, Águas de Namaacha e Highland African Mining Company) e três do sector petrolífero (Eni East Africa, Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos, Sasol Pande-Temane), o relatório da EITI mostra que em 2015 estas empresas gastaram 3 vezes mais em actividades por si próprias escolhidas do que em actividades que são impostas por lei e/ou contrato. Em 2016, a situação foi muito pior: as despesas discricionárias mais que quintuplicaram em relação às despesas obrigatórias.

Estes números podem parecer impressionantes, mas há que ter cautelas ao analisá-los. As actividades que são apresentadas como discricionárias podem depois ilicitamente ser reclamadas pelas empresas como um custo e que deve ser recuperado, quando, na verdade, as despesas que são recuperáveis são só as despesas obrigatórias.
As despesas obrigatórias estão inseridas no âmbito dos Planos de Reassentamento e de Desenvolvimento Local que devem ser acordados entre a empresa e as comunidades, sob a intermediação do Governo, através do Ministério que superintende a área dos recursos minerais.
Uma das exigências impostas no âmbito do investimento social é que as comunidades beneficiárias são auscultadas em todos os processos de tomada de decisão relacionados com o desenvolvimento de acções de investimento social pelas empresas. Nesse quadro, os acordos de desenvolvimento local têm como objectivo definir e estabelecer como o investimento social será realizado localmente. Portanto, estas despesas deixam de ser uma mera escolha sem critérios das empresas.
Comparando as despesas sociais obrigatórias e as discricionárias, nota-se que algumas actividades entram na categoria de filantropia. Considerando que estas serão recuperáveis, o Governo deveria garantir que os investimentos sociais obrigatórios se focassem em actividades que vão promover o desenvolvimento económico e social das comunidades, quer através da criação de condições para a sua sobrevivência como projectos sustentáveis de geração de alimentos e renda, quer através de investimentos na educação, saúde, infra-estruturas. Detalhes das actividades financiadas em anexo .
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4. INP gere inadequadamente os pagamentos das empresas O Instituto Nacional de Petróleos (INP), entidade reguladora do sector petrolífero, recebe cerca de cinco (5) milhões de dólares14 por ano em contribuições feitas pelas empresas em projectos sociais, capacitação institucional e contribuição institucional. Estas contribuições são efectuadas à luz dos contratos de concessão. A ENH também recebe uma parcela desses valores. (vide detalhes na tabela) Tabela - Contribuições não-fiscais anuais das empresas petrolíferas
Empresas Valor pago por tipo de contribuição (USD)
Fundo de Capacitação Institucional
Fundo de Projectos Sociais
Contribuições    Institucionais
Anadarko 1,000,000.00 1,000,000.00 2,000,000.00 Eni 500,000.006 250,000.00 1,000,000.00 Petronas 350,000.007 100,000.00 1,000,000.00 Statoil 450,000.008 - 1,000,000.00 Sasol ≥US$150,000.009 - ≥US$150,000.00
Fonte: Construção CIP
O relatório mostra que apenas a Sasol e a Anadarko fizeram as suas contribuições, conforme acordado nos contratos, nos anos 2015 e 2016. Enquanto isso, em relação à Eni, inexplicavelmente, não há registos de que tenham feito tais pagamentos e muito menos se explica a razão para tal. De notar que, anualmente, a Eni deve pagar 1,4 milhão de dólares. Igualmente, nota-se no relatório que o INP recebe mais contribuições fora das empresas tradicionais (ENI, Petronas, Statoil, Anadarko e Sasol). Em 2016, a empresa Buzi Hidricarbon, cujo contrato não é público, pagou 22,8 milhões de meticais em contribuições para a capacitação institucional e 17,6 milhões para projectos sociais; e a Total Moçambique contribuiu com 9,5 milhões de meticais para a capacitação institucional e 6,4 milhões de meticais para contribuições sociais. Apesar de receber contribuições directas, que são um custo recuperável, o INP queixa-se de falta de recursos para poder munir-se de capacidade, em termos de recursos humanos e materiais, para fazer a monitoria dos projectos petrolíferos. Estas queixas têm razão de ser, na medida em que os fundos de capacitação institucional e contribuição institucional são utilizados em despesas não adequadamente clarificadas. Por exemplo, as contribuições para apoio institucional feitas pela Anadarko no valor de 4 milhões de dólares nos dois anos não se sabe para onde foram canalizadas. Sobre as contribuições institucionais, uma parte vai para o treinamento, mas para a parte remanescente não há explicação de como é utilizada. Em 2016, de um total de 131.6 milhões de meticais, foram utilizados 91,6 milhões.15 Nas despesas sociais, há preocupações, visto que foram investidos cerca de 64 milhões de meticais na construção de cisterna e fontenários em Balama e Mecúfi, em Cabo Delgado. Deste valor, 4,9 milhões foram utilizados para pagar a fiscalização das obras.16 De notar que o total da contribuição para despesas sociais declarado pelo INP é de 93.5 milhões de 14 Antes da saída da Petronas e da Statoil o valor total ascendia os 7 milhões por ano. 15 Detalhes na tabela da página 132 do 7º relatório. 16 Detalhes na tabela da pág. 132 do 7o relatório
meticais. Entretanto, apenas 11.9 milhões foram efectivamente utilizados. A informação sobre a utilização dos recursos canalizados ao INP é opaca e incompleta, não permitindo medir o impacto dos mesmos. Por exemplo, não há dados sobre quantas pessoas foram capacitadas e em que áreas, nem se explica como foram utilizados os valores remanescentes. Igualmente, a informação revela que a perspectiva de alocação destes fundos não é investir em questões substanciais que ajudem a melhorar a capacidade institucional do INP, permitindo que cumpra cabalmente a sua missão.
Caixa de Texto 3: Ganhos do IFC devem ser escrutinados A International Finance Corporation (IFC), um braço comercial do Banco Mundial para o sector privado, detém 5% no projecto de exploração de gás natural de Pande-Temane, na província de Inhambane, desde 2005. Os 5% foram cedidos ao IFC pela Companhia Moçambicana de Hidrocarbonetos (CMH), como contrapartida dos empréstimos que esta instituição (IFC) concedeu para que aquela empresa subscrevesse a sua participação de 30 por cento no consórcio liderado pela Sasol14. Esta participação do IFC tem permitido que a instituição ganhe dividendos que, entretanto, não são escrutinados em Moçambique. Aliás, embora o IFC seja uma concessionária no projecto de exploração de gás natural de Pande-Temane, está isenta de pagar impostos em Moçambique. Ainda que a empresa não pague impostos em Moçambique, é importante que a informação sobre os ganhos obtidos pelo IFC sejam tornados públicos, e os relatórios da EITI incluí-los, para que se possa ter uma ideia real dos ganhos fiscais gerados pela exploração de gás natural. De salientar que o Banco Mundial e a Agência Multilateral para a Garantia de Investimento (MIGA, sigla inglesa) participam no projecto de gás natural, providenciando garantias aos investidores privados para as actividades de upstream e de pipeline.15
5. Falta fiscalização adequada das receitas alocadas às comunidades Desde o ano de 2013 o Governo moçambicano, por via do Orçamento do Estado, tem feito canalizações às comunidades das zonas onde a exploração dos recursos minerais tem estado a acontecer. Coincidentemente e sem explicar, o Governo determinou desde o início a taxa de 2,75%17, deduzido do imposto de produção.
Este processo foi marcado por vários problemas, entre os quais, falta de utilização dos montantes alocados por atrasos na canalização pelo Governo, desvio de aplicação por falta de clareza da sua finalidade, falta de envolvimento das comunidades na decisão sobre a sua execução e utilização indevida, sendo muitas vezes usados em despesas já financiadas com outros fundos para os justificar.
A consequência da situação acima descrita é a falta de impacto destas alocações no desenvolvimento das comunidades, o objectivo por detrás de tal canalização.
Este problema resulta do facto de se fazer a alocação dos recursos e basear-se, apenas, nos reportes do Ministério da Economia e Finanças sobre os valores canalizados. O que acontece depois, concretamente, se o valor é ou não adequadamente utilizado, nenhuma entidade pública se interessa em escrutinar. Os relatórios sobre estas alocações são tratados como uma parte separada do relatório 17  Esta percentagem não é fixa, uma vez que o Governo deve, anualmente, determinar a percentagem na Lei do Orçamento do Estado.
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da execução orçamental dos distritos e províncias das comunidades beneficiárias.
O Tribunal Administrativo (TA), entidade auditora das contas públicas, no seu relatório e parecer à Conta Geral do Estado, limita-se a reproduzir a tabela e informação trazida pelo Ministério da Economia e Finanças, não procurando aprofundar se os recursos que chegaram ao distrito foram depois utilizados para financiar actividades em benefício da comunidade, detalhando, inclusive, o processo de gestão.
Para colmatar os atrasos na canalização das receitas, o Governo decidiu, em 2015, adoptar uma nova metodologia de determinação das receitas, que consiste na disponibilização de recursos com base nas receitas cobradas em 2014.
Assim, em 2015, foram canalizados 18,8 milhões de meticais para as comunidades de Topuito, Cateme, 25 de Setembro, Chipanga II, Benga, Pande e Maimelane18.
No ano de 2016, foram canalizados 22.8 milhões de meticais para as sete comunidades e ainda Namanhumbir, que passou a ser incluída desde 201619.
6. Comentário geral sobre o 7º relatório No geral, o relatório regista avanços significativos e quase cobre na generalidade os requisitos do padrão da EITI. É de salientar o facto de o relatório apresentar com alguma profundidade detalhes sobre o seguimento dado às recomendações apresentadas nos relatórios anteriores e ter apresentado algumas reformas pontuais na legislação ocorridas em 2017.
Entretanto, ainda há questões que podem ser melhoradas no documento, nomeadamente:
• Transparência dos Contratos Na parte referente aos contratos, o relatório não apresenta detalhes sobre quantos contratos foram publicados ou estão publicados nos anos que o relatório cobre e muito menos os passos que o Governo está a dar para garantir a transparência dos contratos.
É verdade que desde 2013, alguns contratos de concessão para exploração, pesquisa e desenvolvimento de recursos minerais e hidrocarbonetos são públicos (embora nem todos completamente), mas há outros (por exemplo, Jindal, Sol Moçambique, ENRC, Eta Star, Capitol Resources, Lda, entre outros) cujo número é desconhecido, que nunca chegaram a ser colocados no domínio público e não há qualquer explicação sobre a razão de tal não acontecer. Alguns desses contratos mantidos secretos sequer gozam de confidencialidade.
• Relacionamento entre as empresas públicas do sector e o Estado O documento não descreve como é que o Governo e as empresas se relacionam, em termos de financiamento e canalização de receitas para o Estado, incluindo as questões de governação (como os gestores da empresa são indicados, como é que as decisões das empresas são tomadas, etc).
A descrição desta relação é importante porque uma das formas em que o Estado tem de ter benefícios da exploração dos recursos é por via da sua participação, representada pelas empresas públicas do 18 Relatório de Execução do Orçamento do Estado 2015 19 Relatório de Execução do Orçamento do Estado 2016
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sector (ENH, para o sector petrolífero, e EMEM, para o mineiro) que geram dividendos. Entretanto, muitas vezes esses dividendos não chegam ao Estado porque as empresas argumentam reinvestimentos que se não forem adequadamente escrutinados podem ser desviados, para além de as empresas terem compromissos com os financiadores.
• Desagregação dos dados Contrariamente ao 6º relatório, este apresenta muitos dados agregados, que não permitem de uma forma consistente fazer avaliação da evolução da situação de cada empresa. Por exemplo, não estão desagregados os dados sobre emprego, produção e exportação por empresa (embora haja 10 empresas, de um total de 23, em 2015, e 25, em 2016, que apresentam dados desagregados).
• Discrepâncias inadequadamente tratadas As discrepâncias encontradas nos pagamentos declarados pelas empresas e recebidos do Governo não foram explicadas no relatório, alegadamente porque esses pagamentos se encontram, na globalidade, abaixo da materialidade.
Entretanto, há casos individuais de empresas cujas discrepâncias chegam a atingir 77% e que precisam ser explicadas. Alguns exemplos: em 2015 a JSPL Moç. Minerals, Lda teve uma diferença de mais de 9 milhões de meticais em relação ao declarado pelo Governo (correspondente a 25%); a Highland African Mining Company, Lda tece uma diferença de 10 milhões de meticais (77%); a Montepuez Ruby Mining declara ter pago 43 milhões de meticais acima do declarado pelo Governo (8%); a ENH teve uma diferença de 20,8 milhões de meticais (17%); a Eni reclama ter pago 25,6 milhões de meticais acima do que o Governo diz ter recebido (1,78%).
Em 2016, a ICVL Moç. Minerals, Lda voltou a declarar que pagou valores acima do declarado pelo Governo, num total de 15 milhões (equivalente a uma diferença de 73,76%), a Montepuez Rubi Mining apresenta uma diferença de 4 milhões e a ENH 9,3 milhões de meticais.
Estas diferenças, embora escondidas numa fórmula aritmética, devem ser explicadas, porque os valores que as empresas declaram como tempo pago a mais podem indiciar alguma má prática, como corrupção.
• Receitas de transporte O padrão da EITI de 201620 exige a publicação das receitas de transporte recebidas pelo Governo e empresas do Estado. Nesta perspectiva, apenas se fala da CMG, que detém 25% da ROMPCO (pipeline Pande-Temane-Secunda), cujos valores não são divulgados.
A nível do sector mineiro, não é mencionado quanto é que a empresa Caminhos de Ferro de Moçambique ganha com o transporte de carvão na Linha de Sena. Portanto, nem se inclui a empresa na equação para a divulgação da informação.
20 https://eiti.org/sites/default/files/documents/Portuguese_EITI%20STANDARD_11July2013.pdf
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• Transferências sub-nacionais As canalizações efectuadas pelo Governo para as comunidades devem ser reconciliadas, não só para certificar se o que foi fixado no Orçamento chegou na totalidade, mas também para verificar se foi utilizado adequadamente e as actividades financiadas correspondem ao investimento.
• Gestão da receita No que concerne à gestão das receitas, apesar de Moçambique ter um sistema centralizado, é possível para algumas receitas fazer a prestação de contas detalhada. Os pagamentos efectuados directamente ao INP devem ser adequadamente geridos e a prestação de contas ser efectiva.
O padrão recomenda que, mais do que enumerar as actividades financiadas com os recursos, é preciso apresentar relatórios detalhados de alocação e execução das receitas. Nesse prisma, o INP deveria apresentar um link de onde se acha depositado o relatório de utilização destas contribuições para permitir o seu escrutínio e responsabilização em caso de má-gestão.
• Beneficial Ownership O grande vazio do relatório tem a ver com o Beneficial Ownership, sobretudo na componente narrativa sobre os passos que o país está a dar com vista ao disclose dos beneficiários últimos das licenças a ser efectivo a partir de 2020.
Moçambique produziu um roteiro que enumera os passos que o país vai dar em várias vertentes. Este documento nunca foi tornado público e sequer se sabe em que passo o país está neste preciso momento na implementação do seu roteiro.
7. Conclusões e recomendações O sétimo relatório apresenta progressos do ponto de vista de tratamento e inclusão da informação, não obstante ainda faltarem detalhes importantes por incluir, nomeadamente: transparência dos contratos, relacionamento entre o Estado e as empresas do sector, desagregação de dados, reconciliação de discrepâncias e das receitas canalizadas às comunidades, disclosure das receitas de transporte e da gestão das receitas, bem como actualização sobre os progressos relativamente ao Beneficial Ownership.
O documento mostra que as receitas provenientes da exploração de recursos minerais tendem a crescer, mas também dá algumas pistas de que as empresas não estão a pagar o que deveriam efectivamente pagar. O imposto de produção, que pode ser calculado na conjugação dos dados sobre as quantidades produzidas, exportadas e os preços de algumas empresas, mostra que os valores estão muito abaixo do devido.
O baixo pagamento de impostos está intrinsecamente ligado à falta de organização do sector mineiro, por um lado, que não permite a recolha de informação completa e atempadamente. Por outro lado, devido à falta de capacidade do próprio Estado de fazer auditoria, fazendo-se valer da informação
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providenciada pelas empresas.
Nas poucas oportunidades que o Estado tem de captar receitas extraordinárias, por via da tributação das mais-valias resultantes da alienação de parte e/ou da totalidade de direitos mineiros e/ou petrolíferos, o Governo aplicou critérios inconsistentes que prejudicam o Estado. Para resolver este problema, a Assembleia da República fez uma revisão dos termos em que se tributam as mais-valias, sendo que os 32% passam a incidir-se directamente sobre o ganho, não deixando de ser tomados em consideração outros factores, como encargos e tempo de posse da licença.
 A forma como os projectos são aprovados, sendo que a nível do sector mineiro, onde os concursos são lançados em circunstâncias especiais, e, por isso, o ministro têm excessivo poder discricionário, faz com que a selecção das empresas não seja propriamente baseada nos critérios de capacidade técnico-financeira. Para contornar esta situação, que prejudica o Estado, retardando a capacidade de geração de receitas, algumas recomendações importantes:
1. Reduzir o poder discricionário do Ministro dos Recursos Minerais, criando-se condições para que a aprovação de licenças seja feita com base em critérios publicamente conhecidos e com envolvimento de comissões técnicas especializadas, que neste momento não estão previstas na legislação.
2. Rever o processo de licenciamento mineiro, através da adopção de mecanismos que permitam fazer o acompanhamento em tempo recorde do processo, bem como colocar no domínio público os aspectos da avaliação considerados na aprovação de uma licença, bem como
3. De igual modo, considerar o estabelecimento de um sistema de revisão externa independente do licenciamento como uma medida para responsabilizar os funcionários do cadastro mineiro pelas suas decisões.
4. Dotar, aos órgãos de regulação de capacidade técnica e financeira para regular e monitorar o sector, bem como melhorar a coordenação institucional.
5. Cobrir as lacunas de informação prevalecentes no 7º relatório, cumprindo integralmente o padrão de 2016.
(Footnotes)
1  Entretanto, técnicos do MITADER visitaram a empresa para auditoria ambiental e no dia 22 de Maio de 2018 emitiram uma nota de suspensão da empresa por não apresentar licença ambiental válida, que foi assinada por um representante da empresa de nacionalidade chinesa.
2  Um valor muito inflacionado.
3  Duas concessões foram atribuídas em 2017 (7169C) em Inhambane e (7239C) em Nampula.
4  Contactar a empresa Haiyu tem sido um desafio titânico. Em 2015 e 2016, o CIP enviou cartas para a empresa que nunca chegaram a ser respondidas. A empresa têm domicílio em Maputo e Murrua, Angoche.
5  Estes valores são problemáticos e devem ser clarificados pela Deloitte ou pela empresa Vale, porque a exportação representa 74% da produção, mas o valor exportado é só de 0,9%.
6  Nota-se que há problemas nos dados apresentados no relatório, que precisam ser esclarecidos, particularmente no
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que refere ao ilmenite e ao zircão, em que o volume exportado é superior à produção (o que pode acontecer se houver quantidade armazenada, por exemplo, por falta de capacidade para escoar ou mercado para vender), mas o valor exportado é inferior ao valor da produção.
7  Declarado pelo Governo.
8  Declarado pela empresa.
9  Esta cifra está inexplicavelmente muito abaixo do declarado.
10  O contrato refere que a ENI paga US$200.000,00 durante a fase de pesquisa e US$300.000,00 na fase de desenvolvimento e produção, totalizando US$500.000,00 por ano para capacitação institucional.
11  Na fase de pesquisa a empresa paga US$150.000,00 e na fase de desenvolvimento e produção US$ 200.000,00 por ano.
12  Na fase de pesquisa a empresa para US$250.000,00 e na fase de desenvolvimento e produção US$200.000,00 por ano.
13  Durante os primeiros 15 anos, a contar da data de entrada em vigor do contrato, a empresa deve pagar pelo menos US$100.000,00 em apoio institucional e pelo menos US$100.000,00 em programas de formação (capacitação institucional). Durante os quinze anos subsequentes ao início de desenvolvimento do campo e período de produção, a empresa deve pagar no mínimo US$50.000,00 em apoio institucional e igual valor em programas de formação. Estes valores são canalizados à ENH.
14 https://macauhub.com.mo/pt/2006/03/29/portugues-banco-mundial-com-participacao-na-exploracao-de-gasnatural-em-mocambique/
15https://ifcextapps.ifc.org/ifcext/pressroom/ifcpressroom.

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