"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



quarta-feira, 18 de julho de 2018

Um intervalo só para as eleições, depois regressamos!


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EDITORIAL
Na tarde da passada quarta-feira, foi grande noticia o encontro entre Filipe Nyusi e o coordenador da Comissão Política da Renamo, Ossufo Momade, para dissipar algumas zonas de penumbra sobre o processo político-militar. Um encontro que já era neces­sário, principalmente quando, há dias, Margarida Talapa, a chefe parla­mentar do partido Frelimo, veio a público anunciar o condicionamento da Sessão Extraordinária da Assembleia da República, exigindo como moeda de troca o desarmamento da Renamo.
Para já, reiteramos que a teoria de que há um desencontro de agendas dentro do partido Frelimo entre a Presidência e a sua bancada parlamentar não passa de uma estratégia para entreter a Renamo, a medir até que ponto, o lado emocional da Renamo podia sobrepor-se ao racional Se a Renamo entendeu a mensagem de Margarida Talapa desta forma ou de outra forma, isso é da exclusiva responsabilidade da Renamo e, para efeitos de análise, cabe num outro debate.
O certo é que Nyusi tinha de aparecer para concordar ou discordar das afirmações de Margarida Talapa. E, na escolha entre o sim e o não, Nyusi optou pelo "nim", cunhando todo o enredo de “mal-entendido, não tendo explicado quem terá entendido mal o quê. Para a generalidade dos mo­çambicanos ficou bem entendido que Margarida Talapa disse uma coisa ao contrário do que vinha sendo dito.
Mas seja como for. Na tentativa de passar um corrector sobre o borrão, foram anunciados sinais de progressos, que incluem um prazo de dez dias para a Renamo entregar a lista de efectivos que deverá ser integrado nas Forças Armadas e de Defesa de Moçambique e na Policia da República de Moçambique. Dez dias é o prazo que consta no documento conjunto distri­buído à imprensa depois do encontro na "Casa Zero" no Macúti.
A juntar a essa decisão, acordou-se sobre "a necessidade de criação de estruturas conjuntas de implementação do Documento de Consenso sobre Assuntos Militares''. designadamente, a Comissão de Assuntos Militares; o Grupo Técnico Conjunto de Desarmamento, Desmobilização e Reinte­gração; o Grupo Técnico Conjunto de Enquadramento nas FADM e PRM e o Grupo Técnico Conjunto de Monitoria e Verificação.
O que não ficou claro é sobre o que antecede o quê, se é a entrega da lista ou a "criação de estruturas conjuntas de implementação do Documento de Consenso sobre Assuntos Militares". No nosso entender, as listas deviam ser entregues a essas Comissões ou grupo de trabalho.
Estas foram as duas principais decisões tomadas no encontro. Sobre o Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE) não se ouviu pala­vra, o que quer dizer que as informações, que há dias transpiraram para cá fora, dando conta de que a Frelimo não quer saber da integração de elementos da Renamo naquele Serviço é mesmo verídica, o que, por si, revela a debilidade desses acordos e até que ponto há genuinidade em se enterrar os machados ensanguentados com que, num passado muito fres­co, foram administrados os massacres de membros da oposição e de vozes incómodas com parte do comando ou bênção a esses actos a emanarem desse Serviço, como sempre ficou evidente.
Mas, mais do que isso, é o espírito exageradamente imediatista com que essas negociações, mais uma vez são feitas. Voltamos ao mesmo modelo de 2014, quando Afonso Dhlakama e Armando Guebuza assinaram o famigerado acordo a 5 de Setembro, em que o objectivo não era terminar com a guerra, mas sim, dar um período de defeso suficiente para que os contendores fossem a eleições e, mais tarde, regressariam. A forma como foi feito o acordo revelou exactamente isso. E foi o que se viu. Depois das eleições, voltou-se à guerra.
Onde é que se falhou? Em tudo. Olhou-se para as eleições como principal objectivo dos acordos e não o fim da guerra como o objectivo principal E como que a indicar que o passado não nos ensinou nada de válido, mais uma vez aqui vão os contendores apenas fazer um acordo para organizar as eleições autárquicas no meio de uma grande trapalhada coma tácita garan­tia de que. quando as eleições terminarem, cá estarão de costas de voltadas.
Assim como estão a ser feitos, esses acordos não visam rigorosamente nada, em termos de construção do país. Pretender apenas papéis assina­dos para organizar eleições autárquicas não é negociar a paz, é negociar a suspensão temporária da guerra, enquanto duram as eleições, razão pela qual, com uma nova Constituição aprovada, a Frelimo recusou-se literalmente a aprovar uma nova Lei Eleitoral, o que, no fundo, é uma recusa a conformar-se com o novo texto constitucional.
É nossa opinião que esses acordos devem partir de uma premissa séria, que se funda na seguinte questão: o que faz com que, em pleno século XXI, as nossas diferenças sejam resolvidas de armas em punho? O que faz a Renamo estar permanentemente a lutar contra a Frelimo não são as armas que tem, é o "modus operandi" que a Frelimo escolheu de fazer a política, em que a oposição política só é bem-sucedida se estiver arma­da. Provavelmente; o caro leitor deverá estar a pensar no MDM, que teve algum sucesso sem armas. É enganoso tal raciocínio, porque, no dia em que a Frelimo quiser que o MDM não mais exista, é liquido que não vai mesmo existir, tal como, no ano de 2009, quando a Frelimo decidiu que o MDM não haveria de concorrer em certas cidades, isso aconteceu sem que ninguém se incomodasse com isso.
Mas com a Renamo os argumentos são diferentes, exactamente devido às armas, ou seja, a Renamo só é recebida em negociações parque está ar­mada. Não é por acaso que o MDM, apesar de reivindicar inclusão, não é tido nem achado. A razão é simples, a Frelimo não ouve e nem leva a sério um partido que não tem armas.
Se respondermos de forma honesta ã questão sobre o que faz com que as armas sejam o elemento mais importante do equilíbrio da nossa balança politica, aí teremos dado um passo importante para resolver esta questão da paz.
O que se vê, até agora, não é resolução do conflito, é a Frelimo a tentar tirar as armas â Renamo, para depois lidar com a Renamo debilitada, tal como lidou com o MDM era 2009, em que o MDM já não tinha aonde ir queixar-se. Discutir armas é fugir ao problema real deste país. O problema real é o que faz com que as armas sejam instrumento político de conside­ração mutua.
Para já, como está a ser tratada a questão do desarmamento, mostra cla­ramente que o objectivo é tirar armas à Renamo, e não resolver um pro­blema da mediocridade no fazer a política. O perigo disto é que vai-se fazendo jogo de cinismo de parte aparte. A Frelimo finge que quer ser de­mocrática, e a Renamo finge que vai entregar as armas. No fundo, ambos estão militarmente preparados para quando a coisa der para o torto. Tratar da integração dos membros militares da Renamo e da deposição de armas em seis meses é um sinal claro de que o objectivo não é terminar com isto, é apenas fazer uma pausa para realizar as eleições. Depois, regressa-se à selvajaria. E isso não é inteligente para quem pense que este país precisa de avançar como sociedade civilizada.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 18.07.2018

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