"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



quinta-feira, 21 de abril de 2016

Crise, em Nacarôa ela existe desde sempre

 
 
 
Tema de Fundo - Tema de Fundo
Escrito por Leonardo Gasolina  em 21 Abril 2016
Foto de Leonardo GasolinaOs moçambicanos sentem todos os dias apertar cada vez mais a crise económica e financeira, na verdade quem realmente sente o impacto são os citadinos e principalmente aqueles que vivem na metrópole, Maputo. O @Verdade esteve recentemente no distrito de Nacarôa e constatou que existe a crise de água potável, do saneamento básico, de empregos e é vivida desde que há memória, mas pelo menos existe um médico... para 120 mil habitantes!
Oficialmente o distrito é atravessado pela Estrada Nacional nº 106, e faz parte do eixo rodoviário Norte – Sul, porém para se chegar a Nacarôa é preciso sair da “mais importante via de ligação entre as províncias de Nampula e Cabo Delgado” e suportar 2 quilómetros de uma estrada de terra batida, a estrada regional não alcatroada 516, que só é bafejada por alguma terraplanagem quando os “Chefes” para lá viajam, como aconteceu esta semana para que o Governador da província de Nampula, Victor Borges, não sentisse a dureza da viagem.
É desnecessário mencionar que estradas com alcatrão também são inexistentes na vila sede, ou nas localidades de Naputha, Inteta, Saua-Saua e Muchico.
"Não há sinais de desenvolvimento por cá. Eu não sei se é que o Governo tem planos de mudar isto. Temos poucas estradas, mas nenhuma delas está em boas condições. Para se deslocar daqui (da vila) à Inteta, uma distância de mais ou menos 20 quilómetros, a pessoa leva muito tempo devido à precariedade da via de acesso", afirmou Eduardo Lino, de 41 anos natural e residente de Nacarôa.
Empregos só no Estado
Foto de Leonardo GasolinaO acesso à água potável é um luxo neste distrito do Norte da província de Nampula onde, segundo dados de 2013, residiam pouco mais de 120 mil pessoas. Apenas 18 (dezoito) agregados familiares tinham água canalizada do pequeno sistema de abastecimento até o interior das casas, essencialmente o precioso líquido chega à residência da Administradora, Joaquina Sande Chico Charles, e as casas de alguns poucos funcionários públicos privilegiados.
O povo bebe água de poços à céu aberto, desprotegidos, ou abastece-se nos rios e lagoas que existem nos arredores e assim está vulnerável a padecer de doenças diarréicas.
A exposição às doenças é agravada pelo facto de grande parte dos residentes ainda efectuar as suas necessidades fisiológicas no mato, que circunda o distrito, ou em latrinas tradicionais, um buraco de 2 metros de profundidade com alguns paus a protegerem a abertura. Existiam apenas 11 (onze) famílias que tinham retretes ligadas à fossas sépticas.
Importa referir que as habitações existentes no distrito têm, maioritariamente, paredes de paus maticados ou são de blocos de adobe e cobertas por capim, laje de betão nem na administração.
Embora todos os anos, a 25 de Julho, o Ministério do Trabalho conceda tolerância de ponto, para a comemoração condigna de mais um ano de elevação a categoria de vila, este ano comemoram 30, mais de 90% dos residentes do distrito de Nacarôa trabalha na agricultura ou na pecuária de subsistência. Empregos dignos, com contrato de trabalho e desconto para a Segurança Social só nas poucas instituições do Estado que ali existem.
Para além da administração do distrito funcionam em Nacarôa as direcções de agricultura e desenvolvimento rural, educação, saúde, cultura, género, ambiente, serviços de registo e notariado, polícia, tribunal, prisões, acção social, e pasme-se uma direcção dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE), empregando pouco mais de um milhar de cidadãos dos mais de 60 mil em idade activa que ali residem.
A falta de emprego estimula o comércio informal mas que pouco desenvolve devido ao limitado poder de compra da maioria que trabalha a terra, e cria animais. Seria de esperar que comida não fosse um problema mas o facto é que o distrito de Nacarôa é um dos focos da desnutrição crónica na província de Nampula. O milho, a mapira, o amendoim, o feijão e a mandioca são os principais alimentos mas a dependência que a agricultura de sequeiro tem em relação ao clima, aliada a falta de assistência agrária, origina períodos de fome ciclicamente.
"Muitas coisas compramos em Namialo e Nampula. Pedimos ao Governo para criar formas de termos lojas aqui. O preço do que é vendido, localmente, é muito alto e por isso as pessoas preferem viajar para fazer suas pequenas compras. Até pão é comprado em Namialo", lamentou Dulcínia Florindo, nascida no distrito há 37 anos.
Um médico para mais de 120 mil habitantes
Estudar, pelo menos até a 12ª classe, não é um problema neste distrito pois existem escolas e professores contudo são elevados os níveis de analfabetismo principalmente entre as raparigas e mulheres, um drama bem presente em todo nosso país com destaque para a região Norte.
Para atender os mais de 120 mil habitantes existem quatro centros de saúde rurais, um posto médico e um médico.
Foto de Leonardo Gasolina"Os administradores que são enviados para cá não querem desenvolver esta terra, porque não justifica governarem durante cinco anos, por exemplo, e não fazerem nada. A população daqui sofre para tudo. Falta de água; vamos ao hospital não há medicamentos e onde é que vamos encontrar? Na Farmácia Privada? Aqui não se conhece isso", um outro cidadão que falou com o @Verdade e apenas se quis identificar como Momade.
Numa das suas presidência abertas o antigo Chefe de Estado, Armando Guebuza, levou em 2014 a energia de Cahora Bassa até ao distrito. Contudo, muito poucos cidadãos têm acesso a electricidade. Nem mesmo as vias de acesso principais têm iluminação.
Os naturais de Nacarôa, apesar de viverem em crise permanente, não são por isso infelizes. Não terem electricidade, água canalizada ou lojas poupa-os dos preços cada vez mais insuportáveis para o bolso do moçambicano honesto.
É certo que a maioria não paga impostos mas não existindo infra-estruturas básicas, que o Estado tem obrigação de prover, e vendo o dreno por onde saem as nossas contribuições fiscais, quiçá o melhor seja mesmo viver sem NUIT, IRPS e IVA.

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