Insurgência: Resistência de Moçambique a apoio sul-africano é "legítima"
Analistas consideram "legítimo" silêncio de Moçambique perante oferta de ajuda sul-africana no combate a terroristas em Cabo Delgado, tendo em conta soberania nacional e possíveis interesses individuais da África do Sul.
O tempo está a passar e ainda não está definido o apoio da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) no combate à insurgência em Cabo Delgado.
Na semana passada, Maputo delineou áreas concretas em relação ao apoio europeu: formação militar, apoio direto aos deslocados e ajuda ao desenvolvimento. Porém, ainda não haverá essa clareza em relação ao apoio da SADC.
Há uma semana, a ministra sul-africana dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Naledi Pandor, disse que Pretória continua sem saber, apesar de vários contatos, que tipo de apoio o país e a região deverão oferecer a Moçambique:
"A situação em Moçambique e a nossa inabilidade, como SADC, para alcançar um acordo em torno do tipo de apoio a prestar mantém-se um enigma preocupante para nós como autoridades sul-africanas", declarou.
Em entrevista à Bloomberg, o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Moçambique, Manuel Gonçalves, assegurou que há contactos com a SADC acerca da insurgência desde maio de 2019, tendo sido comunicado o tipo de ajuda que o país necessita. Manuel Gonçalves prometeu ainda que Moçambique "vai continuar a trabalhar com a região".
Porém, até aqui, o Governo moçambicano tem resistido à ajuda internacional, socorrendo-se apenas a companhias de mercenários sul-africanos.
A reunião da SADC marcada para a semana passada, em que o tema da segurança em Cabo Delgado seria finalmente debatido, foi adiada, sem ter sido marcada nova data.
Silêncio compreensível
Para Muhamad Yassine, académico e membro da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), é lógico que Moçambique não tenha tomado ainda uma posição quanto ao apoio sul-africano. Antes de tudo, Maputo teria de analisar as intenções do país vizinho.
"Se for a ver, o tipo de apoio que a África do Sul pretende dar é a título singular e não no âmbito da SADC, primeiro, e os Estados são guiados em função dos seus interesses e não exatamente pelas questões de amizade, porque os Estados podem ser amigos hoje e amanhã não ser", pondera.
Há fortes interesses sul-africanos em causa, que não podem ser ignorados, entende Egna Sidumo, docente e pesquisadora junto da Universidade Joaquim Chissano, em Maputo.
"Não é possível ignorar o facto de que também existem outras empresas com outros interesses - empresas privadas que trabalham no setor de segurança da África do Sul, que olham para Moçambique não necessariamente como um país que precisa de ajuda, mas como um mercado para os serviços que essas empresas têm. A África do Sul também pode estar a jogar um papel, ainda que consciente ou inconscientemente, para abrir esses mercados", avalia.
Defesa da soberania nacional
E, em última análise, Moçambique é um Estado soberano. Qualquer ajuda deve respeitar esse princípio, lembra ainda a pesquisadora.
"É legítima a preocupação da SADC, é legítima a preocupação da África do Sul. Mas é também legítima a decisão de Moçambique de continuar a adiar esta decisão. Principalmente, tratando-se de que as opções que estão na mesa - ou pelo menos que são aquelas que são mais discutidas - são aquelas que tocam ou que mexem diretamente com o processo de defesa da soberania do território nacional", considera Egna Sidumo.
A violência na província moçambicana de Cabo Delgado começou em 2017 e já fez mais de dois mil mortos e 560 mil deslocados.
Na terça-feira (26.01), a União Africana anunciou - para os próximos dias - a deslocação a Moçambique de uma missão para avaliar o apoio necessário à luta contra o terrorismo.
DW – 27.01.2021
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