20/07/2020
Carlos Nuno Castel-Branco*
Quatro anos e dez meses depois, o Tribunal da Cidade de Maputo confirmou a sentença histórica, e brilhantemente argumentada, então tomada e anunciada pelo Juiz João Guilherme, que ampliava o sentido de liberdade de expressão e o âmbito da crítica política aos detentores de cargos públicos eleitos, ilibava-me de crimes contra segurança do Estado e ilibava o meu irmão, amigo e camarada Fernando Mbanze do crime contra abuso da liberdade de informação.
Nestes quatro anos e dez meses, aprendemos que a informação contida no texto crítico da presidência do País na época pecava por defeito - escrito na época em que as dívidas ilícitas e outros actos igualmente ilegais estavam a ser cometidos, e antes de serem amplamente conhecidos, tal texto teria que estar aquém do que se passava.
Também aprendemos, mais uma vez, que só lutando se pode vencer, mesmo que nem sempre se vença, que a nossa luta só pode vencer se for colectivamente organizada, inspiradora, mobilizadora, capaz de articular demandas sociais numa ampla frente progressista, se fizer pontes e estabelecer redes para além dos limites de cada um de nós e dos seus círculos sociais.
Este é um daqueles casos em que a história nos absolveu, antes de o Tribunal o fazer. Também aprendemos que não só temos de lutar por cada vitória, mas que cada vitória só pode consolidar-se se a conseguirmos defender e ampliar.
Se a sentença do Juiz João Guilherme foi um marco histórico, pelo seu conteúdo e brilhantismo, por si sóela não muda a sociedade e o direito - do mesmo modo que as acções dos acusados neste caso, por mais ondas e reacções que tenham causado, não assinalam o triunfo do que na altura defendemos como parte essencial dos princípios de uma república democrática progressista e internacionalista.
Se a sentença do Juiz João Guilherme, agora confirmada pelo tribunal de recurso de nível superior, amplia o sentido de liberdade de expressão e de os limites da crítica política aos detentores de cargos públicos eleitos, já as revisões, efectuadas posteriormente, e aprovadas em Parlamento, à legislação penal e informática restringem esses âmbito e limites para níveis ainda mais estritos do que anteriormente à sentença.
Em outras palavras, a reacção política às oportunidades e opções que a sentença de então abrira foi usar o poder do Estado para política e administrativamente combater a vitória então alcançada.
A liberdade, a cidadania, o progresso, a solidariedade, a fraternidade, a prestação de contas pública, a democracia progressista são como bicicletas: não importa a distância que tenhamos percorrido e o tempo que tenhamos pedalado, quando deixamos de pedalar a bicicleta cai.
Ainda não triunfámos em nenhuma das grandes questões que o poder político de então e a PGR decidiram proteger e cuja denúncia decidiram considerar crimes contra a segurança do Estado - no essencial, o nosso Estado e a vida dos cidadão e cidadãs do nosso País continuam dependentes dos interesses e das decisões do capital multinacional e dos seus aliados nacionais, e quem se opõe continua vítima de perseguição e alvo a abater.
Só vencemos uma pequena batalha, a de considerar a denúncia feita há sete anos como liberdade de expressão e não como crime político contra a segurança do Estado. Pouco conseguimos, ainda, sobre as questões fundamentais do conteúdo daquela crítica.
Neste contexto, ao meu irmão, amigo e camarada Fernando Mbanze, vão os meus parabéns e votos de muita serenidade e que a coragem de lutar nunca deixe de ser alimentada pelo pedalar contínuo.
A todos os amigos e companheiros que lutaram connosco e por nós, na altura e nos últimos anos, de entre os quais não poderia deixar de destacar o meu camarada e advogado de causa João Carlos Trindade, vai um enorme obrigado, um grande abraço e saudações revolucionárias, por esta pequena vitória, que convosco temos o prazer e o privilegio de partilhar.
Sem vocês, tudo teria sido imensamente mais difícil. A todos os meus irmãos, amigos, camaradas, familiares queridos, A Luta Continua!, pois o essencial ainda está por conquistar: uma sociedade em sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes, cultos, solidários, internacionalistas, respeitadores da natureza de que apenas somos parte, e livres.
Texto, originalmente, publicado na conta facebook do professor Carlos Nuno Castel-Branco.
Título da responsabilidade do mediaFAX *
MEDIA FAX – 20.07.2020
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