"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 20 de junho de 2016

Maputenses na rua contra a (des) governação do sistema mas muitos permaneceram indiferentes

 
 
 
Tema de Fundo - Tema de Fundo
Escrito por Emildo Sambo  em 20 Junho 2016
Foto de Emildo SamboCentenas de cidadãos saíram sábado (18) à rua, na capital moçambicana, para exprimir a sua insatisfação com a crise política e económica e à falta de segurança, o que torna a vida do povo cada vez mais precária. E as marchas são normais no país e em qualquer canto do mundo. Contudo, um aspecto, talvez único, evidente no evento foi o facto de, ao contrário do que se passa noutras paragens, aqueles moçambicanos paupérrimos, que constituem a maioria na “Pérola do Índico”, e que todos os dias se queixam da coarctação dos seus direitos, da ineficiência da democracia, da grosseria do regime e de demais injustiças, não foram capazes de assumir isso publicamente e dizer que o sistema político está ora em xeque.
Na província e cidade de Maputo havia 1.205.709 e 1.094.315 habitantes, respectivamente (Censo 2007). Todavia, o “Direito à Esperança”, que foi o mote da caminhada, defraudou as expectativas na medida em que, tendo em conta o momento considerado conturbando que Moçambique atravessa, se esperava que os participantes, sobretudo anónimos e de “pés descalços”, fosse aos milhares abrir as goelas.
Por outras palavras, o grosso da população cujo dia-a-dia é caracterizado pela falta do que é essencial para a sua sobrevivência não esteve lá, o que significa que optou por se queixar da carestia da vida, do desrespeito dos seus direitos e do definhamento político e económico fechado em copas. Por razões desconhecidas não se fez à rua para exigir dos governantes a tomada de “acções concretas para sanar os difíceis” momentos a que está sujeito e dizer basta ao que os organizadores da marcha classificam como um “reinado de terror”.

Alice Mabota, presidente da Liga Moçambicana dos Direito Humanos (LDH), não escondeu a sua decepção com a fraca participação dos cidadãos no evento, tendo considerado que tal se deve ao facto de a população viver amedrontada. “Os cidadãos devem acordar e despir-se do medo”.
O momento serviu também para lançar vigorosos apelos à administração da justiça no sentido de criar mecanismos que permitam debelar a criminalidade cujos protagonistas têm alvos em todos os sectores e exigir o respeito pelos direitos e pela dignidade humana.
Empunhando mensagens estampadas em diversos dísticos, entre elas “morre a liberdade, morrem os direitos; manifestar não é crime; não matem as pessoas que pensam; somos pela liberdade e democracia é igual a liberdade de expressão”, os manifestantes percorreram as avenidas Eduardo Mondlane, Karl Max e um pequeno trajecto de Ho Chi Mini, para uma concentração na Praça da Independência.
O grupo questionou se o chavão político do Presidente da República, Filipe Nyusi, segundo o qual "o povo é meu patrão. O meu compromisso é de servir o povo moçambicano como meu único e exclusivo patrão", ainda era ou não válido, pois é incompreensível que o Estado tenha contraído “dívidas ilegais” sem primeiro ouvir a opinião do povo.

Os cidadãos exigiram igualmente o respeito a quem tenha opinião contrária face à forma como o país é conduzido. Relativamente, às explicações do Governo sobre o escândalo da dívida pública, a marcha serviu para apelar a que sejam responsabilizados os mentores do ideia, porque, no seu entender, “o lugar dos ladrões é na cadeia”.
Para o pequeno grupo que esteve na marcha, o Executivo tenta “fazer-nos crer que a situação” será gerida sem grandes dificuldades, “mas deixa de lado o essencial”. Não diz “quem são os burlões que lesaram o Estado em 2.2 biliões norte-americanos”, nem quando serão levados à justiça e tão-pouco se os seus bens serão ou não confiscados para amortizar a dívida.

“As pessoas que protagonizaram estes roubos e que comprometeram o futuro dos seus compatriotas” não deviam permanecer impunes, disse o grupo exigindo que o antigo estadista moçambicano, Armando Guebuza, seja responsabilizado ser o cabecilha do aval a favor da EMATUM, ProIndicus e MAM.
No que à tensão militar diz respeito, pediu-se paz e o fim da “intolerância política” por constituir uma ameaça à democracia. “Enquanto os nossos irmãos e irmãs morrem [devido à guerra], há quem rouba o nosso dinheiro”.
Na sua tomada de posse, a 15 de Janeiro de 2015, Filipe Nyusi prometeu não descansar enquanto “a circulação de pessoas e bens” não fosse exequível “em todo o território nacional”. Porém, tudo não passou de um discurso político pois no centro de Moçambique, por exemplo, os confrontos militares persistem. Segundo os manifestantes, por conta deste clima de terror já houve mortes de gente “inocente e indefesa, destruição de bens” e a precariedade das condições de vida das populações agravou-se.
Na óptica dos manifestantes, Filipe Nyusi deve “prestar informação às famílias que perderam os seus entes queridos em acções militares, pois a maioria só sabe que os filhos ou parentes foram mobilizados, mas desconhece o seu destino, o que é muito cruel”.

Aristides Machava, um dos cidadãos entrevistados pelo @Verdade durante a marcha, assegurou que não está filiado a nenhuma organização da sociedade civil, mas quando ouviu falar da manifestação não quis perder a oportunidade de se juntar “a quem estaria na rua para expressar a sua indignação face aos maus momentos que vivemos. O país caminha para uma situação difícil de prever enquanto o Governo e Renamo resolverem as suas diferenças usando armas”.
“Há anos o país vive uma tensão militar que aos poucos atinge outras províncias. No princípio foi só no centro, depois em algumas zonas do sul e tais tarde do norte. Significa que a população inteira vive com medo. Hoje é preciso ter coragem para transitar pela EN1 e quem dali passa não sabe se chega ao seu destino com vida ou não”, disse o cidadão, juntando que acredita que as partes em conflito um dia poderão lograr entendimento mas já será “para quem perdeu um familiar” e não pôde dar continuidade às suas actividades de subsistência.
Na perspectiva de Aristides, as dívidas públicas contraídas secretamente durante o mandato de Guebuza revelam que “tivemos um dirigente que não respeitava a vontade do povo que o elegeu nem o Parlamento, e muito menos a Constituição a que todos nós devemos nos submeter”.

Manuel Maculuve, outro manifestante ouvido pela nossa Reportagem, entende que Moçambique a crise política é, em parte, a consequência da “dívida pública ilegal. O Primeiro-Ministro [Carlos Agostinho do Rosário] admitiu que parte desse dinheiro serviu para potenciar a defesa e segurança. Para mim, o que ele quis dizer é que foram compradas armas para enfrentar o inimigo do Governo, que é a Renamo”.

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