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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Milhões de dólares investidos no carvão de Moçambique ainda não trouxeram escolas nem água potável para todos “tetenses”

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Escrito por Adérito Caldeira  em 25 Outubro 2016
Um jovem moçambicano que todos os dias percorria 66 quilómetros para estudar morreu na semana passada em plena caminhada, ao que tudo indica devido a sede. O estudante residia no distrito de Mágoè mas frequentava a escola secundária que só existe no vizinho distrito de Zumbo, apesar da sua província ter sido bafejada com recursos naturais e centenas de milhões de dólares em investimentos estrangeiros. “Não obstante o carvão de Moatize ter constituído o símbolo de desenvolvimento da província de Tete, a realidade é que as populações deste distrito apresentavam, em 2014/5, um dos mais baixos índices de rendimento médio desta província, traduzindo a persistência e agravamento de fenómenos de pobreza” constatou o sociólogo João Feijó.
O malogrado residia no posto administrativo de Chimthopo, no distrito de Mágoè, mas para ter acesso aos estudos era obrigado a dirigir-se de bicicleta à Escola Secundária de Zumbo, sita 33 quilómetros da residência dos seus pais. Fazia mais calor do que habitualmente e na falta de fontes de água potável no trajecto o jovem estudante, na companhia de um colega, esforçaram-se para conseguir chegar ao destino mas um deles pereceu, o outro estudante foi salvo por populares de Chimthopo que os viram desfalecer.
Mapa do Observatório do Meio RuralUma análise do investigador do Observatório do Meio Rural(OMR), João Feijó, sobre a distribuição do grande investimento económico pelos diferentes distritos da província de Tete, constatou “a concentração do grande investimento no eixo Tete-Moatize, a reboque da indústria extractiva, alimentando assimetrias sócio-espaciais e atraindo movimentos migratórios, que concorreram para a saturação das infraestruturas urbanas”.
“Não obstante o carvão de Moatize ter constituído o símbolo de desenvolvimento da província de Tete, a realidade é que as populações deste distrito apresentavam, em 2014/5, um dos mais baixos índices de rendimento médio desta província, traduzindo a persistência e agravamento de fenómenos de pobreza. Os dados fornecidos pelo Inquérito ao Orçamento das Famílias vêm levantar sérias reservas em torno dos benefícios trazidos pela exploração do carvão para as comunidades locais” refere a publicação do Observatório do Meio Rural que conclui que, “ num cenário de oportunismo generalizado, a penetração do grande capital fez emergir novas desigualdades sociais, gerador de uma cultura política mais participativa entre as populações mais afectadas, aumentando a tensão entre a sociedade civil e o Governo”.
Indústria do carvão trouxe poucos benefícios para as comunidades locais
O investigador do Observatório do Meio Rural mapeou o investimento económico como forma de ilustrar as “fortes assimetrias em termos espaciais, sendo que cerca de três quartos (74,3%) de todo o investimento aprovado se concentrou no eixo Tete-Moatize. Num segundo plano, os distritos de Mutarara e de Changara absorveram um quinto (21,1%) de todo o investimento na província. Nos restantes distritos o investimento foi comparativamente residual”.
João Feijó mapeou ainda as áreas onde se concentrou o maior investimento e o rendimento médio mensal por indivíduo chegando a conclusão que “na cidade de Tete – onde se concentram a maioria dos serviços administrativos da província, assim como uma importante fatia da oferta hoteleira e da restauração, para além do sector de arrendamento imobiliário mais lucrativo – o rendimento médio mensal por indivíduo atingiu o valor mais elevado a nível provincial, atingindo os 7208 meticais”.
Mapa do Observatório do Meio Rural“Já, no distrito de Moatize, onde se concentra a grande fatia do investimento no sector mineiro, o rendimento médio mensal registado pelo Inquérito ao Orçamento Familiar(IOF) foi de apenas 2201 meticais, apenas mais elevado que Zumbo, Chiúta e Mutarara” pode-se ver no mapa apresentado no documento que estamos a citar.
Feijó, que é sociólogo e Doutor em Estudos Africanos, considera que “estes dados tornam-se preocupantes se atendermos aos impactos gerados pelo investimento mineiro, quer em termos ambientais, quer em termos de reassentamentos populacionais, surgindo sérias dúvidas sobre os benefícios retirados pelas populações locais em torno da mineração. Refira-se, contudo, que entre o Censo de 2007 e IOF de 2014/5 assistiu-se a um alargamento do índice de utilização de energia eléctrica para iluminação (de 7,4% para 17,9%) e de existência de fossa séptica ou latrina melhorada (de 5,2% para 8,9%)”.
“Não obstante o carvão de Moatize ter constituído o símbolo de desenvolvimento da província de Tete, a realidade é que as populações deste distrito apresentavam, em 2014/5,um dos mais baixos índices de rendimento médio desta província. Os dados fornecidos pelo Inquérito ao Orçamento das Famílias vêm levantar sérias reservas em torno dos benefícios trazidos pela exploração do carvão para as comunidades locais. Os impactos ambientais resultantes da exploração deste minério, os polémicos processos de reassentamento e diversos conflitos laborais tornaram o eixo de Tete-Moatize, assim como o distrito de Marara, em espaços de descontentamento e de protesto”, acrescenta o documento de trabalho do Observatório do Meio Rural.
João Feijó conclui ainda na sua investigação que, “se 86,9% da população da província de Tete continua a residir em espaços rurais e a ter a agricultura como principal actividade económica, este sector pouco beneficiou em termos de investimento aprovado pelo CPI, deixando grandes áreas geográficas privadas de projectos de desenvolvimento”.

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