02/09/2020
- “Estamos inseguros. Deixamos de acreditar em nós mesmos. Tivemos a situação da Renamo durante 16 anos e não deixamos de acreditar que Moçambique era nosso e que havíamos de vencer”, Armando Guebuza
- “Agora estamos perante o terrorismo e não podemos dizer luta dos 16 anos. Temos consciência das nossas limitações, mas não se pode confundir com ausência de energia e predisposição para nos defendermos”, Filipe Nyusi
Na semana passada, Armando Guebuza quebrou o silêncio de meia década e lançou duras críticas à governação de Filipe Nyusi.
A guerra em Cabo Delgado e o atentado contra o jornal Canal de Moçambique foram as armas do arremesso político. “A nossa soberania está em causa. Muita gente pensa que está em causa porque há aquela guerra em Cabo Delgado ou, então, por causa de Mariano Nhongo. Isso também (conta ou influencia). Mas o nosso discurso virou. Nós estamos inseguros. Deixamos de acreditar em nós mesmos. Tivemos a situação da Renamo durante 16 anos, e mais dois anos, mas não deixamos de acreditar que Moçambique era nosso e que havíamos de vencer. Agora começam a aparecer algumas vozes a duvidar”, disse Guebuza, que falava numa palestra para jovens na Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
Sobre o atentado contra o Canal de Moçambique, Guebuza foi mais demolidor na crítica à governação de Nyusi: “A história do Canal de Moçambique é terrível. Não lutamos pela independência para queimar jornais. Não faz sentido. Não faz sentido. Nós defendemos a liberdade e trabalhemos para que essa liberdade permaneça, porque de contrário é voltar. É aquilo que nós tínhamos no tempo colonial. Não podíamos escrever no jornal dos outros, sequer. Agora, quando temos os nossos jornais não podemos escrever também? E quando conseguimos escrever então tira-se o jornal. Vamos escrever aonde? No chão?”, questionou.
Desde que saiu do poder em Janeiro de 2015, esta é a primeira vez que Guebuza interpela criticamente o desempenho do seu sucessor na Ponta Vermelha. Calculista, o antigo Estadista “aguentou” cinco anos de críticas e invectivas vindas de “dentro” da Frelimo até chegar o momento oportuno para desencadear uma ofensiva política rumo à sucessão de 2024.
O discurso ríspido de Guebuza marca o seu regresso, ainda que tímido, à arena política, e mostra que a sucessão de 2024 não será um processo pacífico. É como se Guebuza quisesse dizer aos de “dentro” da Frelimo: “Estou de volta, camaradas! Contem comigo!”
Cinco dias depois, o principal destinatário da mensagem de Guebuza acusava a sua a recepção e dava o troco: “Estamos agora perante o terrorismo, não podemos dizer luta dos 16 anos, não tem nada de comparação. A coisa aqui está clara, vê-se que o terrorismo é uma nova experiência para o povo moçambicano. São realidades totalmente diferentes”, contextualizou Filipe Nyusi, para depois contra-atacar: “Não vamos admitir que uma única franja da sociedade invoque o sofrimento do povo moçambicano para colher interesses de grupos. Temos consciência das nossas limitações materiais e históricas, mas não se pode confundir com ausência de energia e sobretudo com falta de predisposição para nos defendermos em todo o território nacional contra qualquer tipo de inimigo”.
Além de responder a Armando Guebuza, Nyusi deixou um aviso em tom ameaçador: “Que fique claro, que qualquer ameaça, ataque, ou tentativa de desestabilização de qualquer ponto do país, usando qualquer método subversivo, constitui um atentado à coesão, unicidade do povo moçambicano, e como tal reagiremos como povo realmente unido, uno e indivisível. O povo está atento e nunca perderá razão”.
Num contexto de disputas políticas pelo controlo do processo de sucessão na Frelimo, criticar a liderança do partido e do Governo pode ser considerado um “método subversivo” contra a coesão interna.
Filipe Nyusi respondeu às críticas do seu antecessor durante o lançamento da Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN), evento realizado segunda-feira(31/08/2020), na Cidade de Pemba(Cabo Delgado).
Nyusi visita Bispo de Pemba e faz um discurso apaziguador
Depois da cerimónia, Nyusi foi à Diocese de Pemba para “redimir-se” dos pecados recentes. No local, o Presidente da República reuniu com o Bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, figura que nos últimos dias tem sido alvo de ataques verbais e acusações com requintes xenófobos protagonizados pelos zelosos escribas que gravitam em torno do poder político.
Na verdade, foi o próprio Presidente da República que desencadeou essa onda de ataques, quando há duas semanas criticou o prelado de Pemba nos seguintes termos: “Lamentar aqueles moçambicanos que, bem protegidos, levam o sofrimento daqueles que os protegem levemente - incluindo certos estrangeiros que optam livremente por viver em Moçambique, mas que, em nome camuflado dos direitos humanos, não respeitem o sacrifício daqueles que mantêm esta jovem pátria de pé, e garantem a sua estadia em Cabo Delgado e Moçambique em geral”.
Os ataques verbais que se seguiram foram tão violentos que o Papa Francisco teve de ligar para o Bispo de Pemba para o confortar.
Na segunda-feira, depois do encontro com Luiz Lisboa, Nyusi fez um discurso apaziguador: “O País está a viver num momento em que precisa de falar, dialogar. É preciso compreender o que o outro vê num ângulo e o que o outro sabe de uma forma. Sendo a parte religiosa, esse nosso Bispo aqui tem muita informação. É informação lógica porque (a igreja) está implantada aqui no território da província e tem muitos crentes, padres. Aproveitamos o momento para partilhar informações e até troca de algumas ideias”.
Já o Bispo de Pemba agradeceu a visita do Presidente da República e disse que a conversa tinha sido “rica” e “frutuosa”. (CDD)
VERTICAL – 02.09.2020
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