30/09/2020
Por Edwin Hounnou
Não pode ser Armando Guebuza, - visionário e filho mais querido do povo da Pérola do Indico, como era tratado pelos seus lambebotas – antigo presidente do partido Frelimo e ex-chefe de Estado, a dizer que a Procuradoria-Geral da República, PGR, tem agenda politica contra ele e sua família. Esta declaração só podia sair da boca de quem sempre foi vítima das injustiças movidas pelo regime. Guebuza sempre esteve, ora como ministro, ora como presidente da presidente da República, na dianteira do processo da construção da nação sobre cadáveres de inocentes. Não têm motivos para declarar que não têm confiança nas instituições que ele ajudou a criar. Ontem, a PGR era de confiança quando defendia os seus interesses e quando, aparentemente, deixou de lhe ser útil, já não é de confiança.
A reclamação poderia ter sentido se fosse feita por alguém do povo que sempre disse que os órgãos do Estado são parciais, partidarizados e discriminatórios ou de um opositor político e não de quem ajudou a levantar este edifício de um estado corrupto, incompetente que discrimina os cidadãos em função das suas cores políticas, preferência ou opinião política não-oficial. É bom recordar aos que fingem sofrer de amnésia aguda, que a Frelimo continua no poder até hoje, não pelo voto popular expresso urnas, mas, pela ajuda da mão fraterna dos órgãos do Estado como o STAE, CNE, PGR, PRM, SISE, Conselho Constitucional e outros que Guebuza diz não confiar.
Insistimos que a PGR está de corpo e alma ao serviço de um pequeno grupo de indivíduos privilegiados, de que Guebuza é um dos seus mentores e faz parte, por isso somos qualificados como pária, pessoa desclassificada e marginal. É mal agradecido lançar farpas para a “camarada" Beatriz Buchili, mulher incansável que esvaziou os cofres públicos para defender o “camarada" Manuel Chang para que não fosse extraditado para os Estados Unidos, onde o esperavam para dar a sua versão sobre o golpe financeiro que nos deixou cada vez mais pobres. Guebuza não descobriu nada de novo. Sabemos bem que a PGR está ao serviço de quem está no poder. Estamos admirados apenas que seja Guebuza a anunciar esta descoberta.
As artimanhas do ‘visionário’ não convencem de que foi Manuel Chang, ministro das Finanças à data dos factos, que autorizou a contratação das dívidas ocultas. Foi alguém acima de Chang disse : avancem que não há nenhum problema. Não é nenhuma perseguição quando a PGR convoca a Guebuza para esclarecer os contornos do grande cambalacho. Isso não é perseguição e só pode ser perseguição para quem sempre assistiu a PGR atrás de pilha-galinhas que são soltos depois de uma conversa.
Já não era sem tempo que Guebuza fosse chamado, uma vez quase todos os implicados nas dívidas ocultas deram dentro e ele continuava cá fora a dar palestras de moral em praças públicas e hotéis. Parecia que a PGR tinha medo.
A “camarada" Beatriz Buchili defendeu, com unhas e dentes, até à exaustão para que os seus “camaradas” não fossem caçados pela polícia americana, mesmo nos seus palacetes construídos com dinheiro roubado ao povo. Não reconhecer todo esse esforço da “camarada” Beatriz Buchili é sinal de uma grande e inqualificável ingratidão. Se não fosse o empenho da “camarada" Beatriz Buchili, Guebuza e os seus comparsas na megafraude das dívidas ocultas teriam tido um outro destino, talvez mais trágico.
Quando Guebuza quis humilhar o antigo membro do Conselho de Estado, António Muchanga, não precisou que o Ministério Público deduzisse qualquer acusação. Bastou um telefonema para a “camarada" Beatriz Buchili enviasse os seus homens para recolhê-lo à saída de uma sessão do órgão. Nós dissemos que a PGR estava ao serviço dos políticos do partido no poder e não da justiça nem do Direito. Muitos estejam talvez esquecidos desse episódio. A PGR tem nos presenteado com sessões intermináveis de auto de perguntas aos deputados da Renamo alegadamente suspeitos de financiar a Junta Militar, ainda que desconfiamos que seja por motivos políticos.
A PGR desencadeou buscas e apreensões de passaportes, computadores e telefones, numa atitude de intimidação para proteger o poder. Tudo isso acontece desse modo porque o Ministério Público é um instrumento altamente politizado. A PGR não merece a confiança do povo a quem não ajuda a esclarecer os meandros da roubalheira no endividamento criminoso do Estado. Se o processo for levado a sério, saberemos como meteram na festa seus filhos, comadres, compadres, afilhadas, afilhados, amigos e amigas. Um verdadeiro festival de roubalheira.
O povo deve recusar pagar a factura da sopa que não comeu. Os que se beneficiaram das dívidas ocultas estão vivos, alguns supostamente detidos, e com o dinheiro da fraude compraram viaturas de grande cilindrada que víamos chiar pelas avenidas de Maputo. Adquiriram palacetes, construíram condomínios e o povo está com uma mão atrás e outra a frente.
Mesmo a recolha para a cadeia dos implicados nas dívidas ocultas e, mais grave ainda, a ausência de uma acusação formal, faz parte da estratégia da PGR em proteger os gatunos. A falta de acusação não se deve à inexistência de matéria criminal, é uma táctica da PGR para mantê-los imunes e ilesos. Não será novidade para ninguém se, um dia desses, os vermos cá fora viajando nos seus altos carros, piscando o olho para o povo, com a mensagem de que “estamos aqui e nada nos acontecerá".
Faz parte de uma larga estratégia política de adormecimento da consciência do povo, graças a “camarada” Beatriz Buchili que Guebuza diz não confiar. Quando a caravana da “camarada" Beatriz Buchili e sua equipa atravessam o deserto de Sahara, o Canal da Mancha não está a brincar com ninguém. Ela está, apenas, a tentar driblar a opinião pública. Está a ajudar os seus camaradas. Nada de confusões! Não está contra nenhum dos implicados nas dívidas inconstitucionais e menos ainda poderia ela estar contra quem o indicou para aquele importante e reluzente cargo.
Acreditamos que seja um mero equívoco entre os camaradas do mesmo partido e da mesma causa que se protegem em momentos conturbados como esses que se abatem contra o navio dos camaradas. Pode ser, também, uma tentativa do cidadão Guebuza de querer mandar recados de que ele é um cidadão especial pelo facto de ter sido chefe de Estado, logo, inquestionável. A um monarca tradicional não se questiona nada, todavia, Guebuza nunca foi um monarca tradicional africano como Mswati III de E-swatini. Evocar para si os louros do patriotismo pela libertação é uma tentativa de chamar a atenção de que não é qualquer cidadão, em contradição com o que se passa em sociedades de Direito e Democráticas em que ninguém está acima da lei.
A aparente clivagem que se assiste entre Guebuza e Nyusi será ultrapassada porque eles sabem que se o seu navio naufragar, ninguém se salvará. Todos serão devorados pelos crimes que andam a cometer contra o povo. Para além do que se conhece, está a surgir, entre os camaradas, um novo dado. Os 10 milhões de dólares destinados a apoiar a campanha eleitoral de Nyusi, em 2014 sumiram. Ninguém sabe por que caminhos desapareceu e a isso o povo está também a pagar.
Queremos ver toda a sujeira esclarecida para sabermos quem comeu com uma colher grande nessa embrulhada. Se a PGR não estivesse politizada, todos os implicados nas dívidas inconstitucionais estariam presos e condenados a pesadas penas. Ninguém estaria a andar pelas hotéis a dar palestras de patriotismo nem de moçambicanidade.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 30.09.2020