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Escrito por Adérito Caldeira em 19 Setembro 2016 |
Na raia 1, Edmilsa foi lenta a reagir ao tiro de largada, da final disputada na noite de sábado no Brasil (madrugada de domingo em Moçambique), só depois que cruzou a linha dos 200 metros é que conseguiu alcançar a espanhola Melani Berges. A moçambicana nascida em Maputo a 28 de Fevereiro de 1998, e que no Rio de Janeiro fez a sua estreia em Paraolimpíadas, acelerou e com 100 metros para a meta quase igualou Oksana Boturchuk. Todavia a ucraniana bem mais experiente reagiu e garantiu a medalha de prata, a sua terceira na categoria para deficientes visuais profundos, depois de já a ter conquistado nas Paraolimpíadas de Beijing (2008) e de Londres (2012). A prova foi dominada e vencida pela cubana Omara Durand, que já havia ficado com o ouro em Londres (2012), que com a marca de 51,77 segundos voltou a estabelecer um novo recorde mundial e Paraolímpico, que já era seu. Entretanto a nossa nova menina de ouro (ainda de bronze) cortou a meta com 53,89 segundos e também bateu o recorde africano, pela terceira vez este ano, que também detinha.
Do bairro da Malanga para o pódio do Rio de Janeiro
Primogénita de quatro irmãos do casal (agora separado) Ana Maria e Cornelio Varela Governo, Edmilsa não nasceu com a deficiência, começou a perder a visão em 2007. “Ela e a irmã sofreram de malária cerebral, acho que o mesmo mosquito picou as duas. Levei a elas para o hospital e começaram a ter convulsões, tiveram que baixar. A Edmilsa ficou em isolamento durante 1 dia” conta ao @Verdade a mãe referindo ter reparado cerca de um ano depois que os olhos da rapariga, então com 10 anos de idade, ficavam virados.“Comentei com o pai mas ele dizia que ia passar, fomos deixando. Em 2009 começou a queixar-se que a cara estava a arder, levei-lhe ao Hospital Central mas só podiam marcar a consulta para Dezembro, decidimos ir a clínica Cruz Azul onde receitaram óculos”, revela. Ana Maria, que conversou com o @Verdade na véspera da final, recorda-se que a sua filha sofreu alguma discriminação na escola devido a deficiência visual mas nem por isso largou os estudos. E foi na escola comercial da Lhanguene, para onde tinha ido estudar após concluir a 7ª classe, onde foi descoberta para o atletismo. “O professor Magaia, de educação física na escola Comercial da Lhanguene, viu que ela era muito rápida e sugeriu que ela treinasse à sério com o senhor Narciso Faquir”, que criou no clube Matchedje de Maputo o primeiro naipe de atletas paraolímpicos moçambicanos. Daí para as vitórias pouco tempo passou, “teve sorte começou a treinar e foi participar nos Jogos da CPLP, nessa altura praticamente o pai tinha-nos abandonado, eu criei-os praticamente sozinha. Não mandava despesas nem nada. Começou a guerra de transporte para ir treinar no parque dos Continuadores, ela vinha e queixava-se de fome. Eu dizia-lhe leva marmita com lanche, mas a cozinha não é com ela. Fui me sacrificando, outras vezes o mister também apoiava no dinheiro do transporte”, conta Ana Maria que também foi atleta dos 100 e 200 metros na sua juventude em Quelimane. Desses Jogos da Comunidade de Países de Língua oficial Portuguesa, que decorreram em Mafra, em Portugal, em 2012, Edmilsa trouxe as suas primeiras medalha de ouro internacionais, conquistadas nas provas dos 100, 200 e 400 metros.
“Edmilsa nunca saiu para treinar fora de Moçambique como se andou a dizer por aí”
É previsível que quando Edmilsa regressar com a primeira medalha de Moçambique numa Paraolimpíada ao pescoço enfim os apoios, que clama desde que treina e compete à serio, cheguem. Mas até hoje, tal como outros atletas que têm elevado bem alto a bandeira do nosso País pelo mundo, Edmilsa Governo tem sido discriminada.“Quando ela passou da 7ª fui à Federação conversar com o presidente (Jorge Bai-Bai, presidente da Federação Moçambicana do Desporto para Pessoas Portadoras de Deficiência), que tal se conseguisse uma bolsa para entrar para o Instituto Comercial porque eu não teria condições de pagar uma escola privada. Bai-Bai foi dando voltas, entretanto por causa das competições até perdeu uma cadeira. Tentei ligar para o pai para ver se ajudava, disse que não podia ajudar. Decidi desafiar, fiz as minhas contas fui pagar a matrícula num Instituto privado, no mês seguinte recebi um xitique e consegui pagar 4 meses, a minha filha pulou de alegria. Entretanto comecei a ouvir que ela tinha recebido bolsa mas não tinha sido contactada por ninguém do Governo”, revela Ana Maria ao @Verdade. A dona de casa, mãe e chefe de família conta que no início deste ano, através de conhecidos teve conhecimento que uma bolsa teria sido destinada a sua filha porém ela não teria autorizado por ela ser menor de idade. “Eu tive informações no princípio deste ano (em Fevereiro) que no Ministério do Desporto existe um declaração assinada pela mãe da Edmilsa recusando uma bolsa que a Edmilsa teria recebido para Portugal, mas eu não fui contactada por ninguém, não sei de onde vem esse papel”. “A única pessoa que me contactou foi o senhor Shafee Sidat que disse que queria ajudar, em nome da família Sidat, e apoiou durante dois meses, pagou duas mensalidades da escola (2.600 meticais por mês) arranjou equipamento, mas a Edmilsa nunca saiu para treinar fora de Moçambique como se andou a dizer por aí que ela tinha ido estagiar em Portugal”.
“Se pudesse iria para os Estados Unidos da América ou Inglaterra, quero continuar a estudar contabilidade e auditoria”
A nossa entrevistada disse que decidiu marcar uma audiência com o ministro da Juventude e Desportos, para saber o que se estava a passar realmente, “eu disse-lhe em nenhum momento tinha tido algum contacto antes com membros do Governo de Moçambique, e gostaria de saber o que tem de ser feito para conseguir uma bolsa para a minha filha”.“Ele (o ministro Alberto Nkutumula) disse que o Comité Olímpico não dá bolsas para atletas paraolímpicos, mas nós vamos fazer tudo por tudo para ajudar a ela. Disse que tinha falado com a Odebrecht e um banco para conseguir apoios” porém, segundo Ana Maria, do banco, e após um encontro, ninguém voltou a contactar. Da empresa brasileira veio o apoio principal, que não só está assegurar a participação de Edmilsa nos Jogos do Rio de Janeiro, “pagaram os últimos meses da escola, que eu não consegui pagar, e até ao final do ano, equipamentos, alimentação. Quando chegaram ao Brasil foram recebidos por pessoas da Odebrecht” detalha a mãe da recordista africana. Todavia Ana Maria afirma ter deixado claro ao ministro da Juventude e Desportos que precisa “de uma bolsa para a minha filha estudar e treinar. Ele disse-me que tinha falado com o ministro da Educação e que a qualquer momento iria chamar-nos, perguntou para que país queria a bolsa. Eu disse qualquer país serve desde que ela possa estudar e treinar. Pediu-me o contacto e disse que iria ligar, até hoje a chamada não apareceu”. “Apenas ligou um secretário adjunto do ministro da Educação, a perguntar como fazia para pagar a escola, expliquei-lhes, ele anotou tudo e passado três dias a secretária ligou. Disse que para África do Sul não seria conveniente, os estudos teria que recomeçar e não poderia levar o guia, teria de arranjar um novo. Eu disse que quanto aos estudos o melhor seria ela terminar o instituto que está a fazer (está no 2º ano falta mais um), e nunca mais ligou” revela a mãe da jovem campeã moçambicana. Em entrevista a partir do Rio de Janeiro Edmilsa Governo deixou o seu desejo, além de continuar a vencer, “se pudesse iria para os Estados Unidos da América ou Inglaterra, quero continuar a estudar contabilidade e auditoria”. |
"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Edmilsa (e Filipe) volta a içar bandeira de Moçambique num estádio olímpico e quebra (novamente) o recorde africano
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