Lázaro Mabunda
Quando iniciou a sua governação em Fevereiro de 2005 (...) disse, quer no discurso de tomada de posse como no seu primeiro discurso no Comité Central, que queria eliminar o burocratismo, o “espírito de deixa andar”, a corrupção, o clientelismo, a pobreza, entre outros. Nove anos depois, o que temos notado é que o Presidente da República não só não conseguiu combater nenhum dos males como também os institucionalizou.
Quando um amigo me disse que a escolta presidencial costuma andar em contramão, na cidade de Maputo, nas horas de ponta, achei que estivesse a divertir-se comigo. Em Dezembro tirei as dúvidas disso, quando, num engarrafamento entre o Bairro de Jardim e 25 de Junho, de outra faixa de rodagem ouvi barulho de sirenes de motorizadas a afastar os automobilistas que vinham no sentido Benfica-Jardim. Demorei aperceber-me do que estava a acontecer, porque as motorizadas iam no sentido contrário (Jardim-Benfica). A seguir foi uma coluna de viaturas no mesmo sentido, paralisando todas as viaturas que vinham do sentido Benfica-Jardim. Perguntei ao meu irmão o que estava a acontecer. A resposta dele não podia ser tão bizarra: “É Presidente Guebuza a andar em contramão”. Quando ainda queria perceber melhor estava já a passar a viatura do Presidente da República e todo o seu aparato, à alta velocidade, em contramão.
Logo virei-me para o meu irmão e exclamei: “agora já estou a ver porque este país está a andar ao contrário”. É que parece existir uma relação entre as contramãos do Chefe do Estado e a sua forma de governação. São nove anos de uma governação sofrível, em que os discursos e a prática andam distantes um do outro.
Quando iniciou a sua governação em Fevereiro de 2005, muitos viram-no como o salvador que vinha eliminar todos os males que enfermavam este país. Ele próprio prometeu que vinham imprimir “nova dinâmica na governação”, alertou o seu governo para a necessidade de não “olhar para o relógio, mas para as metas”, e prometeu “acabar com discursos pré-fabricados” pelos governantes “que nem a eles os convenciam”. E não só, disse, quer no discurso de tomada de posse como no seu primeiro discurso no Comité Central que queria eliminar o burocratismo, o “espírito de deixa andar”, a corrupção, o clientelismo, a pobreza, entre outros. Nove anos depois, o que temos notado é que o Presidente da República não só não conseguiu combater nenhum dos males como também foram institucionalizados. Acima de tudo, criou um Estado clientelista e familiar. Hoje, o nosso Presidente da República – tem razão Alice Mabota – não fala de mais nada senão de negócios. E antevejo que o próximo ano e meio da sua governação serão mesmo de alargar o seu já super-alagado império empresarial.
O legado que o Chefe do Estado nos deixará, 10 anos depois, será de um Estado escangalhado, saqueado. Um estado com recursos minerais que já não lhe pertencem, uma vez que já estão distribuídos entre a elite política e estrangeira. Deixará um legado que ninguém esperava que fosse deixado por um líder que sempre se auto-intitulou patriota, um patriotismo camuflado. Deixará um país nas mãos das multinacionais chinesas, ocidentais, americanos, indianos, brasileiros, etc.
Com Guebuza, o país nunca andou pela sua faixa de rodagem. Sempre foi em contramão. Esta afirmação pode ser um exagero, mas é um exagero da realidade. Os sinais do que estou a dizer são vários. Logo no primeiro mandato confrontou-se com uma onda de chamas nas instituições do Estado, sempre resultantes do famoso “curto-circuito”. Seguiram-se o paiol de Mahlazine e manifestações violentas de 5 de Fevereiro de 2008. Como medida exonerou ministros e colocou outros. Outros pularam de um ministério para o outro. No entanto, nada mudou, o que dá crédito à acusação da Renamo de que “o problema não são os ministros, mas o próprio Guebuza”. Em 2010, uma outra manifestação viria a deixar o rei “andar nu”.
Mais do que os acontecimentos dos anos passados, atemo-nos nos que ocorreram este ano. De Janeiro a esta parte, o país já foi sacudido por vários eventos. O Governo, como sempre, acompanhou-os em contramão.
1. O caso mais bizarro aconteceu quando dois ministérios, cujos ministros são membros do Governo, decidem lavar a roupa suja na rua, um claro sinal de que ao nível do Conselho de Ministros não encontraram solução. Trata-se dos Ministérios da Planificação e Desenvolvimento e da Defesa Nacional, que disputam espaço da antiga base área de Nacala, a zona de servidão militar. Nunca tinha visto uma situação do género. Mas isso é indicador de que estamos perante um governo sem liderança, porque se houvesse uma liderança, um Presidente da República atento e um primeiro-ministro funcional esta discussão não teria saído à rua. Se saiu à rua é porque quer Aiuba Cuereneia como Filipe Nyusi não conseguiram uma solução do problema ao nível do Governo no qual todas as terça-feiras estão juntos.
2. O país é assolado por onda de raptos e crime violento entre membros da comunidade muçulmana. O Governo prometeu e continua a prometer levar os raptores à barra do tribunal. Dos supostos raptores que nos são apresentados, apenas vimos indivíduos que são eventualmente usados como capas de raptos. No entanto, os verdadeiros rostos, os mandantes, nenhum até aqui foi visto. O único que já foi até alvo de mandado de captura, Bakhir Ayob, foi informado de que devia fugir para Hong Kong porque seria capturado, poucos dias antes da emissão de mandados de captura. Alguém poderá perguntar afinal quem é Bakhir?
Bakhir é genro de Momed Bachir, dono do grupo MBS. É acusado de rapto e morte violenta de Ahamed Jassat, um dos sócios da Expresso Câmbio. Perguntar-me-ão quem é Momed Bachir? Vou responder que Bachir é membro sénior e um dos principais patrocinadores das campanhas eleitorais da Frelimo. E quem informou Bakhir de que seria capturado? Certamente foi a própria Polícia de Investigação Criminal, através das células criminosas ali entrincheiradas.
O poder do clã MBS é tão forte que até se alarga à imprensa. Eu não tinha a dimensão do poder de Bachir, mas apercebi-me disso nos dias que antecederam à publicação do artigo sobre os mandados de captura contra Bakhir. Uma cena que merece ser retratada em filme. Assisti golpes sorrateiros sobre um texto original sem que o repórter fosse informado do que estava a acontecer. Um profissionalismo ao menos de baixo nível. O jornalista deve ser informado das razões que estão por detrás da não publicação de uma determinada informação ou da necessidade de alguns golpes sobre o texto original, se é que há interesses que superam o interesse informativo.
3. Logo em Janeiro, uma greve dos médicos viria a colocar o Governo em apuros. O ministro da Saúde dizia que não iria ceder à chantagem dos médicos. Um braço-de-ferro durou uma semana. Uma semana depois o governo viria a ceder o que dizia que não faria. Mais uma incoerência.
4. Uma greve dos antigos combatentes, maioritariamente velhos e desgastados pela pobreza, obrigando o Governo a mobilizar a Força de Intervenção Rápida e instrumentos anti-motim que ainda não tinham sido testados para os testar contra aquela gente. Gás lacrimogéneo, carros de canhões de água e cacetadas a serem distribuídos a idosos.
5. Em Janeiro, Moçambique é assolado pelas cheias. O Governo, mais do que apoiar aquelas pessoas, resgatando-as das árvores onde se encontravam empoleiradas, sem água nem comida, sobrevoo as mesmas zonas, as casas e as árvores onde se encontravam penduradas. O Chefe do Estado até visitou as zonas de reassentamento, como Chihaquelane, mas foi apenas dizer a população que perdeu todos os seus bens para continuar a trabalhar para combater a pobreza.
6. Recentemente foi o seu “delfim” José Pacheco a aparecer em relatórios como o rosto de negócios de madeiras com chineses. Até aqui nenhuma reacção nem do Presidente nem do primeiro-ministro. Uma acusação destas contra uma figura que, em nome do combate à corrupção, enterrou o seu antecessor Almerino Manhenje, não só é gravíssimo como também devia merecer um tratamento especial, partindo-se da presunção de que Pacheco, se “lixou” Manhenje, é que nunca seria capaz de se envolver neste tipo de negociatas.
7. O caso Mido Macie veio deixar claro que o nosso Chefe do Estado não nos representa. É que num caso que está a correr o mundo, que merece até reacções a nível de todo o mundo, o nosso Presidente nem sequer emitiu um comunicado, talvez pelas ligações de amizade com Jacob Zuma. No entanto, não se pode esquecer que as suas ligações de amizade não se pode sobrepor aos direitos de qualquer que seja moçambicano. É verdade que o ministro dos negócios Estrangeiros e Cooperação reagiu, incluindo o embaixador, mas isso não é suficiente. Um pronunciamento do chefe do Estado dava maior impacto à indignação de moçambicanos, sul-africanos, e do mundo. Um simples comunicado emitido pela assessoria de imprensa ou pelo Ministério na Presidência, de duas linhas, era suficiente. O nosso Chefe do Estado primou pelo silêncio.