"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Azagaia, profeta da Desgraça!!!!? Leia a entrevista feita ao músico

 

Uma Azagaia no coração da mentira (1)

Por Rui Lamarques

Dele conhece-se o lado cáustico e frontal com que analisa o dia-a-dia do país e critica os políticos. Mas há um outro Azagaia. Aquele que fala de amor e que um dia já passou por uma linhagem (na música) diametralmente oposta à que lhe valeu uma chamada à Procuradoria e o rótulo de persona non grata do regime. Deve ser desse Azagaia do passado que o statu quo, mesmo sem tê-lo conhecido, sente saudades.

Há quem lhe chame incómodo, pessimista, controverso, fatalista, apóstolo da desgraça. Edson da Luz está-se nas tintas. Aos 28 anos, sente-se na obrigação de não ser calado e de alertar os moçambicanos para a postura do Governo que “manda tirar vidas” para acabar com greves, numa alusão às manifestações de 1 e 2 de Setembro.

Fá-lo da única maneira que sabe: com frontalidade, sem medir as palavras. E, na passada semana, o Estado, através do seu braço repressivo, não mediu forças nem tempo para vasculhar a sua viatura até “achar” bolinhas de soruma que serviriam de mote para privá-lo da liberdade. Por 48 horas.“Eu só da geração que não deixa o nó da gravata prender o grito de liberdade que explode na garganta.”

Em 2007, Luís Carlos Patraquim escreveu no Savana, primeiro semanário independente de Moçambique, que “já havia a ‘Babalaze das Quizumbas’” de José Craveirinha para depois acrescentar: “Agora chegou outra babalaze via programa ‘Hip Hop Time’, da rádio. E um videoclip que já circula no ‘YouTube’”, cujo autor era um jovem com “uma letra de arrasar com o título em oxímoro.” A primeira impressão, disse, “quando se ouve este RAP – será RAP?

(...) é a de que o miúdo se passou. Saltou-lhe a tampa e resolveu sair à rua para um exercício escatológico total. Jogo demasiado arriscado dada a anárquica circulação do trânsito geral com um número crescente de acidentados. Um homem vai ao volante do que julga ser a sua verdade e surge-lhe, em sentido contrário, um Jeep que colide com ele ou uma kalash, dentro do veículo, que começa a disparar descontroladamente”.

Porém, não foi nem um Jeep e nem uma kalash com que Azagaia colidiu no último sábado. Foi com os agentes da Polícia de Investigação Criminal. Na avenida FPLM horas antes do espectáculo de lançamento de “A minha geração”, o seu mais recente videoclip no Café bar do Gil Vicente. Acusado de posse de drogas o músico ficou detido 48 horas, tendo sido solto na manhã de segunda-feira (1 de Agosto).

(@Verdade) – Mesmo depois de ter sido vítima de censura, continua a escrever e a criticar tudo e todos sem piedade. Afi nal, o que o move?

(Azagaia) – O desejo de mudança. O inconformismo com a situação actual do país e principalmente a vontade de ser a voz que o povo não tem, mas que precisa. Fundamentalmente, porque uma mudança para o povo é uma mudança para mim também. Acredito que devemos combater o mal quando ainda está na casa do vizinho, sob pena de sermos a próxima vítima, caso não o façamos.

Ninguém é imune o sufi ciente para não ser afectado pelos problemas do meio que o rodeia, nem que seja apenas emocionalmente, por mais rico ou abastado que seja. Mas mais do que um serviço público, é o refl exo da minha personalidade que não se consegue deter perante injustiças. Sejam elas de que natureza forem.

(@V) – Algumas pessoas dizem que é apóstolo da desgraça. Quando faz falta uma voz crítica, já se sabe a quem ligar. Não o preocupa ser o incómodo número um da juventude?

(A) – Preocupam-me outras coisas como a segurança pública, a distribuição da riqueza, a corrupção, a falta de educação com qualidade, o preconceito e fundamentalmente o medo que as pessoas têm de se expressar. Todos esses problemas afectam-me e às pessoas à minha volta, mais do que qualquer ameaça ao meu futuro.

Acredito também que a juventude moçambicana, por causa desses problemas, tem um futuro incerto. A qualquer momento podemos ser roubados e não podemos contar com a polícia. Ou, se quisermos contar com ela, temos de entrar num esquema podre de corrupção, onde também não se tem a certeza dos resultados. A má distribuição da riqueza afecta a juventude do país.

Jovens têm de vir à cidade de Maputo para agarrarem uma oportunidade. A cidade, por causa disso, está superlotada e a consequência directa é o desemprego, a prostituição, a vida ociosa, porque não há espaço para todos. Enfim, todos estes problemas, em última análise, afectam-nos directa ou indirectamente.

(@V) – Tem medo de si?

(A) – Sim, muitas vezes. É que quando penso em alguma coisa, o mais provável é que de seguida escreva ou diga e isso nem sempre é bom. É como se fosse vítima de mim mesmo.

(@V) – Nunca se arrependeu das suas palavras?

(A) – Não. Normalmente não me arrependo do que faço ou digo. Primeiro porque não há nada que se possa fazer depois da palavra sair da nossa boca. Depois porque mesmo que nos arrependamos, tudo o que dissermos a seguir para reparar o erro soa apenas como justificação e muita gente não entende. Como estou sempre consciente quando falo ou faço alguma coisa, para mim é cobardia fazer parecer o contrário. Aceito sim os erros que cometo e procuro aprender com eles.

(@V) – Costuma ver as suas actuações?

(A) – Raras vezes. Mas ultimamente procuro ver mais.

(@V) – E o que é que diz a sua família quando o vê?

 (A) – Risos (...). Geralmente, ‘parabéns’...mas sempre acompanhado de um ‘tens que ter cuidado’”.

(@V) – O que acha da governação de Armando Guebuza?

(A) – Péssima, triste e vergonhosa. Acredito que é das piores, senão a pior que já tivemos. Penso que é essa governação a maior responsável pela perda de valores humanos entre os moçambicanos, na medida em que promove única e exclusivamente o sentido de oportunidade e negócio, com todas as ferramentas necessárias: o lambebotismo, a corrupção e o crime organizado.

(@V) – Apoiou Deviz Simango para presidente da República. Como vê a sua actuação hoje?

(A) – Apoiei, sim. Actualmente, pouco vejo. Tenho-o sentido pouco interventivo, talvez porque agora possui uma máquina difícil de controlar. A política partidária em Moçambique está muito viciada no imediatismo e na procura de ganhos individuais por parte dos que a fazem.

(@V) – Como olha para a situação dos transportes no país?

(A) – Vergonhosa. O sector dos transportes devia ser maioritariamente público, não privado. O negócio privado implica o lucro e ganho imediato, o que faz com que se trate os passageiros como mera mercadoria. Aliás, o transporte é uma das coisas que qualquer Governo deveria garantir ao seu povo em troca dos impostos que recebe.

(@V) – O que sentiu quando foi chamado à Procuradoria?

(A) – Fiquei perplexo. Nunca imaginei que pudesse acontecer. Mas pude perceber que realmente, para defender o statu quo, tudo é possível neste país.

(@V) – Tem estômago para estas coisas?

(A) – Se não tivesse, já teria desistido...

(@V) – Nunca pensou em emigrar?

(A) – Já. Principalmente por causa da minha família. Este país consegue ser muito ingrato para as pessoas que dão até o que não têm, por ele. Mas é um país tão belo e especial que acredito que se partisse, pela primeira vez me arrependeria.

(@V) – Aceitaria um lugar no Governo? Se o convidassem para ministro da Juventude e Desportos?

(A) – Não. Neste Governo, jamais.

(@V) – Defende uma baixa de impostos?

(A) – Penso que o problema não é exatamente os impostos, mas a aplicação destes. A fiscalização dessa aplicação. Enquanto não se melhorar nesses aspectos, a tendência será pensarmos em aumentar os impostos para aumentar a receita fiscal.

 (@V) – Quando os moçambicanos tomarem consciência de que tudo isto é uma fraude, como diz, teremos uma nova revolução?

(A) – A revolução já começou. A prova disso é o caos em que vivemos. Estes são os últimos suspiros de um sistema moribundo. É sempre assim quando a mudança está para acontecer. Há mais violência e fúria por parte dos que sentem que estão para perder.

(@V) – Diz de si próprio que é Edson Mandela “pelo tempo que lhe aprisionaram”. Onde é que esteve preso? Isso tem a ver com a temática das suas músicas?

(A) – Falo de uma prisão mental em que muitos dos moçambicanos ainda se encontram. Muita gente ainda vive na era em que o partido oferece e garante tudo em troca da nossa completa submissão. Muita gente ainda acredita que melhor que saber fazer alguma coisa de concreto é ter uma boa imagem e saber falar ou convencer, mesmo que por dentro esta imagem seja podre e vazia. Isso para mim é prisão. Acredito que um dia já fui assim e agradeço por me ter conseguido libertar dessa mentalidade. Hoje valorizo mais quem sabe fazer, não quem simplesmente aparenta.

(@) – Onde gasta o seu dinheiro? Qual é o seu luxo?

(A) – Vivo como a maioria, sem muito espaço para luxo. O meu luxo é saber que não falta o mínimo aos meus filhos e à minha casa. O meu luxo é poder pagar as minhas contas a tempo. Não me permito mais luxos do que esses. Apenas quando viajo para o exterior, ou para fazer concertos fora de Maputo é que relaxo e decido ser menos eu e fingir ser alguém mais folgado e despreocupado. Quando tenho dinheiro mais do que suficiente, gasto em livros, filmes, alguma roupa e presentes para os que me são queridos, e, claro, alguma poupança.

(@V) – Quando era miúdo, o que gostava de fazer?

(A) – Ainda sou miúdo. Mas sempre fui amante do desporto. Joguei basquetebol durante 12 anos e sempre gostei de música.

(@V) – E o que é que recorda da sua infância em Namaacha?

(A) – Em Namaacha era muito bom. Pequeno e aconchegante. As pessoas conheciam-se e respeitavam-se. Tratávamos os vizinhos por tios. Éramos uma grande família. Penso que a minha infância foi a melhor época da minha vida. É que eu adoro ar livre e sempre fui de muitas brincadeiras.

(@V) – É um músico de factos e não de crenças?

(A) – Sou um músico de crenças. Os factos apenas sustentam as minhas crenças.

(@V) – É um homem romântico?

(A) – Sou, bastante. Mas não como as novelas brasileiras mostram. Sou uma pessoa emotiva. Emociono-me bastante com as situações da vida. Adoro uma boa gargalhada e não me impeço de chorar quando necessário.

(@V) – Tem saudades da Dinastia Bantu?

(A) – Tenho. Da mesma forma que tenho saudades da minha infância. De quando era mais inocente e só via prazer na vida.

(@V) – Acredita em Deus?

(A) – Sempre. Quem está com povo, está com Deus!

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