"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 27 de junho de 2017

Notas preliminares ao Resumo do Relatório da Kroll

sábado, 24 de junho de 2017


Ouvir com webReader

Depois de tanta expectativa, quem lê o resumo do relatório da Kroll disponibilizado pela PGR fica algo decepcionado. Levanta mais dúvidas e questões. E oferece poucas respostas às questões principais que se vêm levantando desde que o assunto das dívidas ocultas veio a público. Muito do que diz já era de domínio público. A Kroll mais confirma o que já sabíamos que explica o que queremos saber.
A primeira e a mais importante questão é: Para ondem foram os 2,2 biliões de dólares emprestados secretamente pela EMATUM, Proindicus e MAM, e garantidos pelo Estado?
O resumo da Kroll dá algumas indicações, segundo as quais algum dinheiro foi de facto usado para a compra de embarcações que se encontram em Maputo e Pemba. Mas indica que os valores dos custos dos bens especificados nos "planos" fornecidos não corresponde ao custo real dos bens. É, portanto, aqui onde está a grande nuvem. Mais de 700 milhões de dólares foram sobrefacturação. A grande bolada. Houve graves violações à lei do comércio, ao não se especificar os custos dos bens adquiridos nem sequer apresentar-se facturas. E há ainda os 500 milhões da EMATUM (dos 850) que não se sabe para onde foram parar. A Kroll não tem resposta para isto. Não sabe. Porque os directamente envolvidos no esquema - O SISE (através do Indivíduo A) e O Ministério do Interior (na pessoa do Indivíduo C, Posição C) - simplesmente não ofereceram informações sob alegação de "segredo de estado".
O Indivíduo A, da SISE, disse à Kroll o que já havia dito à Comissão Parlamentar de Inquérito: que o verdadeiro destino do dinheiro foi para equipamento militar. No entanto, nem as embarcações militares de patrulha marinha estão equipadas dos supostos equipamentos militares, nem o Ministério da Defesa confirma ter recebido equipamento militar nesses valores. Os próprios contratos da compra do equipamento militar não foram fornecidos. Segredo do Estado. Coisas do SISE.
A segunda questão importante tem a ver com as garantias do Estado. Quem fez as garantias das dívidas ocultas, sob que circunstâncias, e segundo que normas legais?
Aqui a Kroll não traz novidade. Mas confirma o que já sabíamos do próprio relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito. O Indivíduo C, Posição C, do Ministério das Finanças, que assinou as garantias, disse que "violou conscientemente as Leis do Orçamento acordados ao aprovar as garantias do Governo" (p. 19). Justifica a sua atitute com base na pressão que teria recebido do SISE, que o garantiu que os empréstimos eram para questões de segurança e soberania do Estado, pelo que não havia necessidade de observância da lei. A Kroll confirma que não houve, da parte do Ministério das Finanças, nenhum trabalho de "due diligence" sobre a viabilidade de tais "negócios", nem sequer recebeu documentação confirmando os contratos das ditas empresas.
Com base no que já sabíamos deste nebuloso assunto, é possível identificar os sujeitos implicados, cujos nomes aparecem censurados no relatório resumo. Mas não farei isso. A razão porque a PGR omite os nomes deve ser respeitada. Terá algo a ver com a suposta investigação criminal que se vai seguir. Assim esperamos. Os crimes são claros e confessos.
Há outros dados, na minha opinião secundários, mas que talvez lançam luz a alguns assuntos que até aqui não foram esclarecidos. O envolvimento da banca nacional neste imbróglio. A Kroll diz nos que o Moza Banco tinha conta "secreta" do SISE, através da qual se efectuaram alguns pagamentos de amortização da dívida da EMATUM. Esta conta foi alimentada por transferências feitas a partir de uma outra conta do SISE no Bando Central. O Moza Banco terá também comprado alguns títulos da dívida da EMATUM - sem, no entanto, ele próprio ter feito 'due diligence", e logo a seguir enfrentou problemas de liquidez e é intervencionado pelo Banco Central - este que afirmou que não sabia das dívidas ocultas antes do novo Xerife assumir as rédeas. Não terá sido por este envolvimento que o Moza caiu? Quais os procedimentos "ilegais" que terão sido feitos pela sua direcção para que tal acontecesse? Há alguma investigação nesse sentido? São apenas questões que se levantam.
Quem são essas empresas que aparecem ligadas a este negócio nebuloso? Sabemos que são da SISE, assim nos diz o relatório resumo: Monte Binga, GIPS, e a "consultora" Polomar? Isto levanta uma questão mais profunda sobre o funcionamento orgânico deste órgão da segurança sobre o qual sabe-se muito pouco ou quase nada. Será um bom modelo que a SISE detenha e faça gestão de empresas? A final, qual é a sua função principal? Fazer negócio ou tratar da segurança do Estado? Ou as duas coisas estão necessariamente interligadas? Não seria melhor, em questões de negócios de alta segurança, haver procuração a empresas privadas que possam ser alvo de escrutínio e auditoria, para evitar este tipo de problemas no futuro? Ao que tudo parece, o SISE é uma entidade com super poderes, e que toma decisões de grande relevância e impacto social sem consultar outros órgãos do Estado. Sabemos que o SISE responde directamente ao Presidente da República.
Qualquer investigação criminal que se vá seguir sobre este assunto deverá terminar não apenas com a responsabilização dos que abusaram o poder e violaram as leis do país, mas uma reforma estrutural do funcionamento dos órgãos do Estado. Há muito poder concentrado na entidade da figura do Presidente que precisa ser diluído. É preciso fortificar o Parlamento e o sistema político-partidário, para evitar que violações tão graves à constituição não sejam aprovadas pelo próprio órgão legislador, como aconteceu recentemente. Ainda temos muito que aprender deste processo. Infelizmente, a Kroll não satisfaz. Que pena.

Sem comentários:

Enviar um comentário