MOÇAMBIQUE, QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ
A crise económica, política e social em Moçambique é um dos temas que atravessa a imprensa internacional, que recomeçou a olhar para o país depois das notícias sobre mais de mil milhões em empréstimos escondidos.
Na sexta-feira, a newsletter de um site económico informativo sobre o país dava conta de que “os correspondentes estrangeiros que voaram para enviar história em Maputo sobre a crise da dívida escondida agora têm um novo ciclo de notícias com que se entreter ‒ os corpos em decomposição encontrados nas matas no Centro de Moçambique”.
O parágrafo do “site” Zitamar resume a atenção que está a ser dada ao país, que até há poucos meses era consistentemente encarado como uma história de sucesso no panorama económico africano, apresentando taxas de crescimento repetidamente acima dos 7% ao ano e com uma estabilidade política invejável para a região.
Desde o Verão (europeu) passado, no entanto, o tom noticioso começou a mudar, muito por causa de dois factores: as escaramuças no Centro do país, onde a oposição da Renamo é a força política mais apelativa, e as notícias sobre a reestruturação da dívida da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), que iria acabar como uma fábula sobre os perigos de investir em mercados emergentes pouco disciplinados
O que provocou o susto?
Moçambique está submerso numa “profunda crise política, económica e social”, com o país amarrado pela “corrupção, nepotismo e exclusão social”, sintetizou o antigo e respeitado ministro da Justiça Rui Baltazar, na semana passada, dando corpo ao conjunto de notícias publicadas sobre o país, desde as tradicionais agências de notícias até aos meios mais tradicionais, e que incluem, entre outros, os britânicos BBC e Guardian, o norte-americano Foreign Policy e o árabe Peninsula, para além dos jornais económicos.
As
notícias menos favoráveis sobre Moçambique começaram no Verão (europeu)
passado, quando o Governo anunciou que queria “reestruturar”
as obrigações da Ematum, usando uma palavra perigosa para os investidores,
porque significa, basicamente, perder dinheiro.
Afinal, a reestruturação acabou por ser vantajosa, já que o Executivo trocou obrigações de uma empresa por títulos de dívida soberana do país, comprando os títulos com um prémio de 20% face ao valor inicial e ainda aumentou a taxa de juro anual de 6,3 para 10,5%, embora alargando a maturidade em três anos, de 2020 para 2023.
As agências de notação financeira, no entanto, ignoraram o contentamento dos investidores, que de resto aceitaram a proposta, e começou a descer o “rating” do país, afundando-o ainda mais na zona de não investimento.
Até este ponto, ainda no primeiro trimestre deste ano, as notícias sobre Moçambique figuravam nas páginas dos jornais económicos, nomeadamente o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), que acompanharam de perto uma das poucas emissões de dívida soberana de um país africano em 2016.
O acompanhamento foi tão pormenorizado que em Abril deste ano, para além de várias fotografias da frota da Ematum parada no porto de Maputo, o jornal norte-americano noticia que, além dos quase USD 800 milhões da Ematum, há mais um empréstimo de USD 622 milhões a uma outra empresa chamada Proindicus, cujo objecto é garantir a segurança dos barcos de pesca de atum da Ematum, que acumula prejuízos ano após anos.
Aqui o problema já não era apenas financeiro, era também político, porque anexado a este empréstimo estava uma garantia estatal, e pouco tempo mais foi preciso para que o FT noticiasse um terceiro empréstimo de cerca de USD 500 milhões a outra empresa pública, obrigando o ministro das Finanças a aproveitar a presença em Washington para dar explicações directamente à directora-geral do Fundo Monetário Internacional.
Correrria
Na sequência desse encontro, a que se seguiram outros já com a presença do primeiro-ministro, o FMI assume que o Governo admitiu que havia mil milhões de dólares norte-americanos de empréstimos não contabilizados, e a LUSA divulga que no prospecto enviado aos investidores na Ematum a diferença entre os empréstimos oficiais e os reais chegava a USD1,6 mil milhões ‒ o Governo havia de reconhecer em conferência de imprensa apenas USD 1,35 mil milhões.
Para além do FMI e do Banco Mundial, os doadores internacionais que valem mais de USD 300 milhões em ajudas por ano, começam a suspender as transferências bancárias, e obrigam o Governo a anunciar medidas de austeridade para reequilibrar as contas públicas.
Além da vertente financeira, que pode ter significativos efeitos políticos, como alertou a Economist Intelligence Unit, por efeito do corte do financiamento dos doadores e consequente aumento da austeridade que pode levar à instabilidade política, o Governo tem ainda de enfrentar a resistência armada da Renamo no Centro do país e investigar os relatos de valas comuns e as fotografias de corpos abandonados na mata.
Para reorientar o país no caminho do crescimento económico inclusivo, “o Presidente tem de defender a honra do seu Governo e da Frelimo, e a primeira coisa que tem de fazer é provar que o seu Governo está empenhado na transparência e na responsabilização”, concluía o texto da BBC enviado de Maputo na semana passada.
CORREIO DA MANHÃ – 09.05.2016
Afinal, a reestruturação acabou por ser vantajosa, já que o Executivo trocou obrigações de uma empresa por títulos de dívida soberana do país, comprando os títulos com um prémio de 20% face ao valor inicial e ainda aumentou a taxa de juro anual de 6,3 para 10,5%, embora alargando a maturidade em três anos, de 2020 para 2023.
As agências de notação financeira, no entanto, ignoraram o contentamento dos investidores, que de resto aceitaram a proposta, e começou a descer o “rating” do país, afundando-o ainda mais na zona de não investimento.
Até este ponto, ainda no primeiro trimestre deste ano, as notícias sobre Moçambique figuravam nas páginas dos jornais económicos, nomeadamente o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), que acompanharam de perto uma das poucas emissões de dívida soberana de um país africano em 2016.
O acompanhamento foi tão pormenorizado que em Abril deste ano, para além de várias fotografias da frota da Ematum parada no porto de Maputo, o jornal norte-americano noticia que, além dos quase USD 800 milhões da Ematum, há mais um empréstimo de USD 622 milhões a uma outra empresa chamada Proindicus, cujo objecto é garantir a segurança dos barcos de pesca de atum da Ematum, que acumula prejuízos ano após anos.
Aqui o problema já não era apenas financeiro, era também político, porque anexado a este empréstimo estava uma garantia estatal, e pouco tempo mais foi preciso para que o FT noticiasse um terceiro empréstimo de cerca de USD 500 milhões a outra empresa pública, obrigando o ministro das Finanças a aproveitar a presença em Washington para dar explicações directamente à directora-geral do Fundo Monetário Internacional.
Correrria
Na sequência desse encontro, a que se seguiram outros já com a presença do primeiro-ministro, o FMI assume que o Governo admitiu que havia mil milhões de dólares norte-americanos de empréstimos não contabilizados, e a LUSA divulga que no prospecto enviado aos investidores na Ematum a diferença entre os empréstimos oficiais e os reais chegava a USD1,6 mil milhões ‒ o Governo havia de reconhecer em conferência de imprensa apenas USD 1,35 mil milhões.
Para além do FMI e do Banco Mundial, os doadores internacionais que valem mais de USD 300 milhões em ajudas por ano, começam a suspender as transferências bancárias, e obrigam o Governo a anunciar medidas de austeridade para reequilibrar as contas públicas.
Além da vertente financeira, que pode ter significativos efeitos políticos, como alertou a Economist Intelligence Unit, por efeito do corte do financiamento dos doadores e consequente aumento da austeridade que pode levar à instabilidade política, o Governo tem ainda de enfrentar a resistência armada da Renamo no Centro do país e investigar os relatos de valas comuns e as fotografias de corpos abandonados na mata.
Para reorientar o país no caminho do crescimento económico inclusivo, “o Presidente tem de defender a honra do seu Governo e da Frelimo, e a primeira coisa que tem de fazer é provar que o seu Governo está empenhado na transparência e na responsabilização”, concluía o texto da BBC enviado de Maputo na semana passada.
CORREIO DA MANHÃ – 09.05.2016
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