"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 9 de maio de 2016

De “meninos bonitos” para “bobos da festa”

 


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MOÇAMBIQUE, QUEM TE VIU E QUEM TE VÊ
A crise económica, política e social em Moçambique é um dos temas que atravessa a imprensa internacional, que recomeçou a olhar para o país depois das notícias sobre mais de mil milhões em emprésti­mos escondidos.
Na sexta-feira, a newsletter de um site económico informa­tivo sobre o país dava conta de que “os correspondentes estrangeiros que voaram para enviar história em Ma­puto sobre a crise da dívida escondida agora têm um novo ciclo de notícias com que se entreter os corpos em decomposição encontra­dos nas matas no Centro de Moçambique”.
O parágrafo do “site” Zita­mar resume a atenção que está a ser dada ao país, que até há poucos meses era consistentemente encarado como uma história de suces­so no panorama económico africano, apresentando taxas de crescimento repetidamente acima dos 7% ao ano e com uma estabilidade política inve­jável para a região.
Desde o Verão (europeu) passado, no entanto, o tom noticioso começou a mudar, muito por causa de dois facto­res: as escaramuças no Cen­tro do país, onde a oposição da Renamo é a força política mais apelativa, e as notícias sobre a reestruturação da dívi­da da Empresa Moçambicana de Atum (Ematum), que iria acabar como uma fábula so­bre os perigos de investir em mercados emergentes pouco disciplinados
O que provocou o susto?
Moçambique está submerso numa “profunda crise políti­ca, económica e social”, com o país amarrado pela “corrup­ção, nepotismo e exclusão social”, sintetizou o antigo e respeitado ministro da Justiça Rui Baltazar, na semana pas­sada, dando corpo ao conjunto de notícias publicadas sobre o país, desde as tradicionais agências de notícias até aos meios mais tradicionais, e que incluem, entre outros, os britânicos BBC e Guardian, o norte-americano Foreign Po­licy e o árabe Peninsula, para além dos jornais económicos.
As notícias menos favorá­veis sobre Moçambique co­meçaram no Verão (europeu) passado, quando o Governo anunciou que queria “rees­truturar” as obrigações da Ematum, usando uma palavra perigosa para os investidores, porque significa, basicamente, perder dinheiro.
Afinal, a reestruturação aca­bou por ser vantajosa, já que o Executivo trocou obrigações de uma empresa por títulos de dívida soberana do país, comprando os títulos com um prémio de 20% face ao valor inicial e ainda aumentou a taxa de juro anual de 6,3 para 10,5%, embora alargando a maturidade em três anos, de 2020 para 2023.
As agências de notação financeira, no entanto, igno­raram o contentamento dos investidores, que de resto aceitaram a proposta, e co­meçou a descer o “rating” do país, afundando-o ainda mais na zona de não investimento.
Até este ponto, ainda no primeiro trimestre deste ano, as notícias sobre Moçambique figuravam nas páginas dos jornais económicos, nomea­damente o Wall Street Journal e o Financial Times (FT), que acompanharam de perto uma das poucas emissões de dívida soberana de um país africano em 2016.
O acompanhamento foi tão pormenorizado que em Abril deste ano, para além de várias fotografias da frota da Ematum parada no porto de Maputo, o jornal norte-americano noticia que, além dos quase USD 800 milhões da Ematum, há mais um empréstimo de USD 622 milhões a uma outra empresa chamada Proindicus, cujo ob­jecto é garantir a segurança dos barcos de pesca de atum da Ematum, que acumula pre­juízos ano após anos.
Aqui o problema já não era apenas financeiro, era também político, porque anexado a este empréstimo estava uma garantia estatal, e pouco tem­po mais foi preciso para que o FT noticiasse um terceiro empréstimo de cerca de USD 500 milhões a outra empresa pública, obrigando o ministro das Finanças a aproveitar a presença em Washington para dar explicações directamente à directora-geral do Fundo Monetário Internacional.
Correrria
Na sequência desse encon­tro, a que se seguiram outros já com a presença do primeiro­-ministro, o FMI assume que o Governo admitiu que havia mil milhões de dólares norte­-americanos de empréstimos não contabilizados, e a LUSA divulga que no prospecto enviado aos investidores na Ematum a diferença entre os empréstimos oficiais e os reais chegava a USD1,6 mil milhões o Governo havia de reconhecer em conferência de imprensa apenas USD 1,35 mil milhões.
Para além do FMI e do Banco Mundial, os doado­res internacionais que valem mais de USD 300 milhões em ajudas por ano, começam a suspender as transferências bancárias, e obrigam o Go­verno a anunciar medidas de austeridade para reequilibrar as contas públicas.
Além da vertente financeira, que pode ter significativos efeitos políticos, como aler­tou a Economist Intelligence Unit, por efeito do corte do financiamento dos doadores e consequente aumento da austeridade que pode levar à instabilidade política, o Gover­no tem ainda de enfrentar a re­sistência armada da Renamo no Centro do país e investigar os relatos de valas comuns e as fotografias de corpos aban­donados na mata.
Para reorientar o país no ca­minho do crescimento econó­mico inclusivo, “o Presidente tem de defender a honra do seu Governo e da Frelimo, e a primeira coisa que tem de fazer é provar que o seu Governo está empenhado na transparência e na respon­sabilização”, concluía o texto da BBC enviado de Maputo na semana passada.
CORREIO DA MANHÃ – 09.05.2016

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