"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 24 de maio de 2016

Entre a proclamação da paz e a guerra

 


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Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
As manobras continuam pela manutenção do poder.
O que se passa no país é um misto de intenções ou ensaio de acções que não encontram correspondência com o que se passa no terreno.
Temos uma guerra localizada em progressão, uma guerra de pequena intensidade que se espalha todos os dias para mais locais. Temos uma guerra que foi iniciada com objectivos concretos e, ao que tudo indica, estão sendo paulatinamente alcançados.
No Egipto e na Líbia, foi claro que os filhos dos perenes líderes daqueles países, Mubarak e Khadafi, receberam missões nitidamente governamentais sem que para tal tivessem sido eleitos ou nomeados.
Ser filho do líder constituía o passaporte para se imiscuir nas decisões do Governo na esfera económica e mesmo em assuntos de segurança.
Em Moçambique, começa a ser conhecido que filhos de gente da nomenclatura dirigem operações financeiras de organizações dedicadas à defesa e segurança. Nos negócios das empresas de segurança privada e sectores que se dedicam ao “procurement” relacionado com áreas de segurança confluem interesses em que perfilam filhos, sobrinhos, afilhados e de tudo um pouco.
É como que uma geração passando testemunho a outra numa perspectiva de que as reformas fiquem asseguradas e os interesses empresariais das “famílias senhoriais” não sejam beliscados no presente e no futuro.
É uma situação tipicamente feudal em que os filhos herdam os títulos e o património dos pais.
Quando se proclama que a paz é a prioridade, não se diz exactamente a verdade. A prioridade é a manutenção do poder em todas as esferas, e para isso tudo vale, mesmo contratar líderes religiosos e quejandos.
Nos primórdios, era o poder que estava em causa, e, para que isso acontecesse, tudo valeu, como a história o documenta sem espaço para desmentidos.
Hoje, o palavreado que abunda é no sentido de preservar as vantagens unilaterais e ilícitas adquiridas ao longo dos anos.
Como abunda “carne para canhão”, os porta-vozes da guerra não descansam em proferir discursos acusatórios, como se os seus defendidos fossem puros e justos.
As plataformas político-familiares montadas revelam não só o perfil dos seus mentores como das agendas perseguidas.
ACCLIN/OMM/OJM são indicadores concretos de que existe uma velha guarda que pretende perpetuar-se no poder. Distribuição criteriosa de “rebuçados” sob forma de mordomias e salários garantem fidelidade e votos.
Dinheiros públicos e cargos públicos distribuídos com base na tristemente famosa confiança política continuam aliciando consciências e garantindo obediência cega.
A perspectiva de que a guerra resolveria os problemas arrolados está-se esgotando, e o aparente recuo continua sem garantir que a paz é agora a agenda real e concreta.
Foram muitos anos de regime autocrático ou centralizado, com líderes gozando de poderes excessivos e sobretudo beneficiando de impunidade.
De forma articulada e sistemática, assaltou-se os cofres do Estado, numa situação clara de hegemonia inquestionável. Ser chefe foi o passaporte para o “status”, e o partido de suporte tratava de tudo, para que nada se alterasse.
É salutar ver as partes beligerantes admitirem que o diálogo ao mais alto nível é a solução para o conflito que está ceifando vidas humanas e corroendo a economia.
Mas sejamos honestos e reconheçamos que ainda falta muito para que a “teimosia dos coronéis”, a astúcia dos comissários políticos se situem e assumam que o seu modelo está em fim de linha, que os moçambicanos já se fartaram de demagogia perniciosa.
“Virar o disco e tocar o mesmo” “já não tem pernas para andar”.
Assinar a paz e implementar um acordo consensual passa por se aceitar abandonar a arrogância que foi a característica principal da III República.
Não se pode destruir o Estado aceitando qualquer tipo de proposta em nome da paz, mas é também contraproducente querer manter um Estado em que os preceitos democráticos não se respeitam e em que a Constituição da República de Moçambique é atropelada, violada consoante os interesses de grupo sejam colocados em risco.
Sem que se coloquem em ordem o figurino e a substância dos órgãos de soberania, nenhum acordo terá meios para ser implementado.
Conselho Constitucional, Comissão Nacional de Eleições, STAE, PRM, FADM estão no centro do furacão.
Os problemas de hoje nasceram lá e devem ser encarados com honestidade e sinceridade.
As máquinas montadas para servir os interesses de um grupo restrito de pessoas supostamente merecedoras de tratamento especial devem ser desmanteladas para que a democracia política aconteça.
Não se vai construir a paz nem desenvolver Moçambique com a bestialidade de alguns dos defensores do “status”.
Abandonemos o discurso da mão externa e abracemos a mão interna de todos, para resolvermos os nossos problemas.
É preciso repetir que RESPEITO entre compatriotas é um primeiro passo para que exista confiança entre nós.
Os beligerantes de hoje precisam aceitar que os subsídios dos partidos parlamentares e extraparlamentares são fundamentais para que se alcance consensualidade. Todos e cada um têm uma palavra a dizer sobre o que apoquenta o país.
Governantes e parlamentares têm responsabilidades especiais, mas há que clarificar que não são os proprietários da verdade nem do país. No fim do dia, não são mais do que servidores do país e do seu povo, e para isso são principescamente pagos.
O edifício democrático constrói-se todos os dias, e o nosso tem ainda muitas imperfeições que importa limar.
Neste processo vital, todos somos úteis, e não vale a pena esgrimir argumentos manifestamente racistas para defender a infalibilidade de alguns.
A raça ou a tribo de cada um de nós não constituem o problema em si. Assumamos que há situações de discriminação política e económica que consubstanciam racismo e tribalismo e saibamos lidar com isso numa base política e legal.
Reerguer Moçambique é nossa responsabilidade.
O diagnóstico político nacional é conhecido, e o que resta fazer é aplicar a terapia também conhecida, sem eufemismos nem esquisitices típicas de quem se supõe especial ou de “sangue azul”. (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 24.05.2016

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