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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Magistrados imploram segurança para escapar do crime, autoridades surdas e mudas

 
 
 
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Escrito por Emildo Sambo  em 12 Maio 2016
Foto de Emildo SamboAs súplicas da magistratura pela segurança, devido a homicídios contra os membros da classe, ondeiam de sorte que não chegam aos ouvidos dos seus destinatários. Há dois anos, a classe revoltou-se por conta do assassinato do juiz Dinis Silica, crivado de dezenas de balas, numa manhã (08/05/2014), na capital moçambicana, supostamente vítima do crime organizado. Volvidos 10 meses (03/03/2015), mal o sol acabava de nascer, o constitucionalista francês naturalizado em Moçambique, Gilles Cistac, foi igualmente morto à queima roupa. As fragilidades do Estado relativamente à sua prontidão para impedir actos como estes, vieram à superfície e a administração da justiça tem-se revelado mais porosa ao crime. A indignação voltou a tomar conta dos juízes e repetiram-se os apelos à sua protecção, quando muito recentemente (11/04/2015), o tal crime organizado, como que provar que engrandeceu os tentáculos, acabou, também a disparos, com a vida do procurador Marcelino Vilanculos.
Na segunda-feira (09), a Associação Moçambicana de Juízes (AMJ) realizou um colóquio cujo mote foi “o crime organizado e os desafios dos órgãos de administração da justiça”. Carlos Mondlane, presidente da agremiação, disse que a finalidade era debater as causas deste fenómeno, em particular contra os elementos da magistratura, encontrar “mecanismos de enfrentamento” do mal e de superação da crise que abala o sector judiciário.
Mondlane reiterou que o assassinato de Dinis Silica, Gilles Cistac e Marcelino Vilanculos é um ataque à administração da justiça.
Joaquim Madeira, antigo Procurador-Geral da República, disse, no velório de Dinis Silica, que o Estado devida dar segurança aos magistrados porque são propensos as crimes. Na mesma altura, os colegas do malogrado insistiam que tinha chegado a altura de se adoptar uma estratégia de protecção da classe e de demais detentores de informações privilegiadas.
Na ocasião, Nélia Correia, presidente da Associação Moçambicana de Magistrados do Ministério Público, defendeu a necessidade de se concretizar o direito à segurança para os membros desta agremiação e suas famílias. “O que aconteceu com o procurador Vilanculos é prova viva de que é necessário criar-se segurança para os magistrados. É certo que não é um problema que afecta apenas Moçambique, tanto é que, depois daquela ocorrência, temos estado a receber mensagens de solidariedade de todo o mundo”.
Porém, o encontro realizado pela AMJ, diga-se em abono da verdade, não passou de “mais um evento”, pois de tudo quanto foi dito não houve nenhuma garantia de que alguma entidade tem escutado e levado a peito as súplicas da classe, e predispõe-se a garantir a aspirada segurança, incluindo para jornalistas que lidam com assuntos sensíveis da justiça. Em cada assassinato dum membro da classe, os magistrados imploram segurança mas as autoridades fazem-se de rogadas. Ou estarão a assobiar ao lado diante da tamanha brutalidade?
Criminosos impõem momentos penosos
Rui Baltazar, antigo Presidente do Conselho Constitucional (CC), disse, na tomada de posse do novo bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM), há dias, que os momentos que se vivem no país são de febre perniciosa. “(...) Proliferam violações graves de direitos e liberdades fundamentais, cometem-se, com inteira impunidade, atentados à vida e integridade física e moral dos cidadãos, o que gera o sentimento da existência de poderes paralelos e ocultos, tornando mais vulnerável a existência desses mesmos cidadãos”.
Contudo, a magistratura assegura que jamais desistirá da luta pela justiça, pese embora se sinta ameaçada pelo crime organizado.
Afonso Antunes, Procurador-Geral Adjunto, disse que a corrupção – que segundo Rui Baltazar “alastrou e aprofundou-se” – é uma das manifestações do crime organizado e não se percebe por que razão é coberta pelas penas alternativas à prisão, à luz do preceituado no Código Penal. Aliás, segundo anotou, há outros delitos considerados “comuns”, que não são abrangidos pela mesma medida.
Dinis Silica, juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo (TJCM), foi assassinado junto do semáforo no cruzamento entre as avenidas Karl Marx e Marien Ngouabi, nas proximidades da Escola Primária 7 de Setembro. Ele lidava com um dossier de raptos, crime que, nas apalavras de Flávio Menete, “não é impossível de ser esclarecido em pouco tempo”.
“Existe equipamento disponível no mercado – não moçambicano – que permite a localização exacta dos infractores, intercepção das suas comunicações e detenção no mais curto espaço de tempo. Havendo vontade por parte do poder político é só uma questão de encontrar dinheiro ou engenharia necessárias para que a Polícia” trabalhe tecnicamente, disse o novo bastonário da OAM.
De acordo com ele, o crime organizado lida com actividades que lhe permitem obter elevadas somas de dinheiro e a sua estrutura de preparação e planificação permite que os seus protagonistas se posicionem a “muitos passos além das autoridades competentes para investigar e punir (...). O que acontece, em quase todo o mundo, é que os criminosos estão sempre mais adiantados, têm mais meios porque não dependem de qualquer aprovação da Assembleia da República (AR), o seu orçamento é decidido na hora em função dos objectivos” vigentes.
Por sua vez, Afonso Antunes falou da existência de grupos de criminosos que “actuam em complexa interdependência com as actividades legais, que proporcionam a cobertura adequada ou aproveitamento das vantagens resultantes do crime. Os novos fenómenos criminais são camuflados, secretos e ameaçadores”.
Perante esta realidade, disse o procurador, a sociedade “tende a radicalizar-se e desenvolveu maior relutância em aceitar o direito penal (...). Isto nota-se “nos chamados crimes de linchamento”, conforme conceitua o Código Penal.
A “Polícia não vai chegar a lado nenhum”
Para Antunes, descaracteriza a administração da justiça o facto de a Unidade de Intervenção Rápida (UIR, ex-FIR) ter-se arrogado o direito de investigar crimes de raptos e outros, o que não é da sua competência.
Num outro desenvolvimento, Flávio Menete defendeu que os agentes da Polícia de Investigação Criminal (PIC) devem, nas sessões de julgamento, serem chamados para prestar informação sobre os métodos e procedimentos usados para prender um cidadão ou chegar a uma determinada conclusão em relação a certo crime.
Para além de o representante do Ministério Público ter um prazo dilatado para encerrar as investigações, enquanto à PIC se dá pouco tempo, “muitas vezes até o polícia que investigou o caso é impedido de consultar o processo, alegadamente por estar em fase de segredo de justiça. Não faz sentido, sobretudo quando os agentes da PIC são assistentes do Ministério Público”. Menete apela ao Estado para se prepare no sentido de garantir o crime organizado seja efectivamente debelado, o que implica, por exemplo, a estruturação adequada das entidades que devem agir com vista a prevenir este mal. Deve-se ainda dotar a Polícia e as magistraturas de pessoas com bastante conhecimento nesta matéria.
Todavia, tais “pessoas devem ser íntegras e com preparação técnica suficiente na medida em que havendo muito dinheiro do lado de quem comete o crime organizado, é fácil corromper os agentes envolvidos na busca da verdade” de modo a neutralizar e punir os delinquentes. Deve haver meios especiais de investigação e financeiros à altura do trabalho que se pretende neste âmbito. Caso contrário, a “Polícia não vai chegar a lado nenhum”.
“É preciso que haja escutas telefónicas para interceptar as correspondências de diversa natureza para que seja possível localiza, imediatamente, os agentes do crime, detê-los em tempo útil e levá-los à justiça para serem responsabilizados”, disse o bastonário.

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