01/05/2018
Carlos Nuno Castel-Branco
O PR Filipe Jacinto Nyusi (FJN) falou, em comício popular, sobre a inflação e salários (com incidência na função pública), em resposta à critica popular sobre o ridículo do aumento, em 260 meticais mensais, do salário mínimo. FJN fez duas afirmações fundamentais: 1) a inflação baixou de dois para um dígito, logo a moeda recuperou poder de compra; 2) para aumentar os salários por valores maiores é preciso aumentar a produção.
OK, não sei quem lhe escreve os discursos ou se ele falou de improviso. Em todo o caso, aqui vão duas dicas para melhorar a qualidade dos discursos presidenciais.
Primeiro, supondo que seja verdade que a inflação tenha baixado de dois dígitos (ou seja, de 10% ou mais) para um dígito (ou seja, para menos de 10%, podendo ser 9,9%), daqui não se pode concluir que a moeda tenha recuperado poder de compra. O que acontece é que o poder de compra da moeda diminui a uma taxa mais lenta do que no período anterior. Enquanto a inflação for maior que 0, a moeda perde poder de compra. Para recuperar poder de compra, a inflação tem de ser negativa, isto é, os preços têm de diminuir em vez de aumentarem a ritmos mais lentos.
Será que o aumento de salário mínimo da função pública foi superior à taxa de inflação? Se tiver sido superior, terá havido um aumento do salário real (o que é totalmente diferente da ideia de a moeda ter recuperado poder de compra); se tiver sido inferior, terá havido uma redução do salário real. O salário mínimo da função pública aumentou cerca de 6,25%. Desde o último aumento do salário mínimo, há um ano, a inflação rondou os dois dígitos pelo que a erosão do poder de compra do salário foi brutal, superior a 10%. No fim desse período, o salário nominal foi aumentado em 6,25%, o que é inferior à erosão inflacionária do salário mínimo real no ano em análise. Logo, o salário real, mesmo depois do aumento, é pelo menos 3,75% inferior ao que era há um ano (se assumirmos que a inflação foi de 10% pelo menos, que é o mínimo possivel para uma inflação a dois dígitos). Além disso, dados do INE indicam que a taxa de inflação de bens básicos de consumo (alimentos, combustíveis domésticos e transportes) é largamente superior, em cerca de 50%, à inflação média medida pelo IPC. Logo, o poder de compra do salário mínimo deve ter diminuído em pelo menos 8%, mesmo com o recente aumento nominal.
O PR Filipe Jacinto Nyusi (FJN) falou, em comício popular, sobre a inflação e salários (com incidência na função pública), em resposta à critica popular sobre o ridículo do aumento, em 260 meticais mensais, do salário mínimo. FJN fez duas afirmações fundamentais: 1) a inflação baixou de dois para um dígito, logo a moeda recuperou poder de compra; 2) para aumentar os salários por valores maiores é preciso aumentar a produção.
OK, não sei quem lhe escreve os discursos ou se ele falou de improviso. Em todo o caso, aqui vão duas dicas para melhorar a qualidade dos discursos presidenciais.
Primeiro, supondo que seja verdade que a inflação tenha baixado de dois dígitos (ou seja, de 10% ou mais) para um dígito (ou seja, para menos de 10%, podendo ser 9,9%), daqui não se pode concluir que a moeda tenha recuperado poder de compra. O que acontece é que o poder de compra da moeda diminui a uma taxa mais lenta do que no período anterior. Enquanto a inflação for maior que 0, a moeda perde poder de compra. Para recuperar poder de compra, a inflação tem de ser negativa, isto é, os preços têm de diminuir em vez de aumentarem a ritmos mais lentos.
Será que o aumento de salário mínimo da função pública foi superior à taxa de inflação? Se tiver sido superior, terá havido um aumento do salário real (o que é totalmente diferente da ideia de a moeda ter recuperado poder de compra); se tiver sido inferior, terá havido uma redução do salário real. O salário mínimo da função pública aumentou cerca de 6,25%. Desde o último aumento do salário mínimo, há um ano, a inflação rondou os dois dígitos pelo que a erosão do poder de compra do salário foi brutal, superior a 10%. No fim desse período, o salário nominal foi aumentado em 6,25%, o que é inferior à erosão inflacionária do salário mínimo real no ano em análise. Logo, o salário real, mesmo depois do aumento, é pelo menos 3,75% inferior ao que era há um ano (se assumirmos que a inflação foi de 10% pelo menos, que é o mínimo possivel para uma inflação a dois dígitos). Além disso, dados do INE indicam que a taxa de inflação de bens básicos de consumo (alimentos, combustíveis domésticos e transportes) é largamente superior, em cerca de 50%, à inflação média medida pelo IPC. Logo, o poder de compra do salário mínimo deve ter diminuído em pelo menos 8%, mesmo com o recente aumento nominal.
Concluindo, não só os preços não baixaram (apenas aumentaram a ritmos mais lentos), pelo que o poder de compra de uma unidade de moeda continuou a baixar; mas, também, o crescimento do salário mínimo foi claramente inferior à inflação acumulada no período entre oa dois aumentos, pelo que o poder de compra do salário continuou a reduzir. Logo, não é verdade que 50 meticais hoje comprem mais do que ontem; pelo contrário, compram menos. Também não é verdade que o salário mínimo real da função pública tenha aumentado; pelo contrário, diminuiu.
Segundo, o PR disse que os salários só podem aumentar mais com aumentos da produção e da produtividade. OK, ele não quis falar da absorção, pelo Estado, da dívida privada (dívidas ilícitas + parcerias público privadas + concessões de infraestruturas), nem dos incentivos fiscais redundantes dados a grandes projectos, nem das concessões monopolistas do território atribuídas a mega projectos, nem dos cortes na ajuda externa causados pela demora e hesitação na resolução dos problemas das dívidas ocultas. A inversão destes problemas criaria mais receita pública (cerca de 3 biliões de dólares adicionais por ano) e reduziria a despesa com a dívida em cerca de 250 milhões de dólares por ano.
A título comparativo, o aumento verificado nos salários mínimos custará ao Estado cerca de 64 milhões de dólares por ano, enquanto o estado poderá poupar e/ou arrecadar cerca de 3,25 biliões de dólares por ano se resolver os problemas de porosidade económica identificados acima. Isto é, o que o estado perde financiado o grande capital internacional e as oligarquias domésticas é 50 vezes superior ao aumento do salário mínimo. Se o estado deixar de financiar o capital internacional e doméstico nas áreas de grande renda (como nos recursos energéticos e alguns minerais), terá recuperado um valor tão grande, que será um fluxo anual, que mesmo apenas 10% desse valor permitirá aumentar o salário mínimo por um montante cinco vezes maior que o recente aumento. Portanto, políticas de classe, a favor do capital, são as primeiras responsáveis pelos baixos salários dos trabalhadores.
Será que o PR tem razão quando diz que o problema é causado por baixa produção? Vejamos: nas duas décadas até 2015, o PIB per capita de Moçambique cresceu a uma taxa média anual de 5,5%. Porque é que, e como é que, no fim desse período longo de rápido crescimento surge uma crise profunda causada por...baixa produção e baixa produtividade? Além disso, a economia tornou-se largamente desinteressada e incapaz de produzir para consumo doméstico e de gerar empregos em larga escala - portanto, isto sugere que o padrão e as estruturas sociais de produção e de acumulação são mais importantes que a taxa de crescimento do PIB do ponto de vista de melhorar as condições de vida. Por exemplo, não é possível melhorar a qualidade de vida de 28 milhões de moçambicanos enquanto mais de 60% da taxa de crescimento do PIB e cerca de 90% de todo o investimento privado forem derivadas de e concentrados em cerca de 50 empresas que empregam cerca de 40 mil trabalhadores.
Então, o PR deve ser economista profissional? Não, de modo algum - é bom que não seja. Mas tem de aprender o que alguns dos conceitos básicos significam, e como estão relacionados na economia real de Moçambique. Caso contrário, temos um problema sério.
Sem comentários:
Enviar um comentário