10/05/2018
Recente fuga de mulheres de cativeiro e trabalho feito por investigadores do MASC e IESE mostram que o problema em Mocímboa da Praia é muito mais complexo. Exclusão social, económica e política podem estar na origem.
A situação não está nem tão pouco controlada em Mocímboa da Praia, no norte de Moçambique, pese embora as Forças de Defesa e Segurança(FDS) estejam a trabalhar para acabar com ataques armados de desconhecidos. A recente fuga de mulheres de um cativeiro e as constatações de um trabalho feito por investigadores do MASC e IESE no terreno mostram que o problema é muito mais complexo do que pode parecer: a exclusão social, económica e política pode ter sido determinante.
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Em finais de abril, o edil de de Mocímboa da Praia esteve em Bona, na Alemanha, a participar de um Fórum de governos locais em prol da sustentabilidade. A DW África aproveitou a oportunidade para saber se está tudo sob controlo na sua região, depois dos ataques de desconhecidos em outubro de 2017. Fernando Neves não hesitou em garantir que a situação está "normal".
"Neste momento Mocímboa da Praia voltou à normalidade, nós estamos a trabalhar, as pessoas estão a fazer os seus serviços e estão a caminhar. E, mais uma vez, agradecer às Forças de Defesa e Segurança (FDS)" .
"O trabalho continua"
Entretanto, relatos que nos chegam dão conta de que a situação não está tão controlada assim. As Forças de Defesa e Segurança ainda não conseguiram destruir o foco do problema. Prova disso é a recente fuga de três mulheres com mais três crianças de um esconderijo de grupos armados que tem atacado aldeias na região norte, na província de Cabo Delgado. Elas foram acolhidas pela polícia em Nangade. Cláudio Langa, chefe da repartição de informação do comando-geral da PRM, Polícia da República de Moçambique:
"Aquelas mulheres que se entregaram fugiram depois de um ataque das Forças de Defesa e Segurança, contra a base. Foi atacada a base e aquelas mulheres conseguiram fugir durante o ataque."
Agora não restam dúvidas de que os atacantes não devidamente identificados, segundo a polícia, estão instalados nas matas da região. Em março deste ano, a TVM, televisão pública do país, reportou o abate de um suposto atacante não negro. A SERNIC, Serviços Nacionais de Investigação Criminal, estava a investigar a proveniência do indivíduo. Mas sabe-se que entre os atacantes há estrangeiros asiáticos que terão entrado no país pela fronteira com a África do Sul. Volvidas algumas semanas as FDS continuam a perseguição.
"O trabalho continua, ainda não encontramos [os dois atacantes]. Mas os colegas ainda estão no terreno a fazer o trabalho", comentou Cláudio Langa.
O primeiro ataque aconteceu entre 5 e 6 de outubro de 2017, dois homens atacaram três postos da polícia. Morreram pelo menos dois agentes e outros quatro elementos das forças de segurança, além de um número incerto de atacantes. Desde então os ataques nunca mais cessaram. Sobre as motivações dos ataques, o edil de de Mocímboa da Praia, Fernando Neves, acredita que o desemprego na região possa ter sido uma das causas.
"Se calhar como uma boa parte é jovem, talvez tenham alinhado nisso por falta de emprego e culminou nos acontecimentos do dia de outubro de 2017, mas as pessoas já começaram a arrepender-se e a entregar-se. Penso que, como a zona de Mocímboa da Praia está perto de Palma, e tomando em conta as expetativas em relação ao gás desta região, as pessoas pensaram que aquilo [ataques] poderiam trazer uma solução para os jovens desempregados e iriam desestabilizar o desenvolvimento de Mocímboa e de Palma."
Fernando Neves parece não estar muito longe da verdade se considerarmos os resultados preliminares de um trabalho feito no terreno pelo MASC, Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil, e pelo IESE, Instituto de Estudo Sociais e Económicos. Salvador Forquilha, diretor do IESE, revela as constatações preliminares de um relatório a ser publicado em breve.
"[Existe] um grupo com base religiosa. Agora, o fenómeno é muito mais complexo, não é só uma questão de reivindicação religiosa. É verdade que a religião aparece como um ponto de entrada fundamental, mas há outros aspetos importantes a tomar em consideração, nomeadamente a questão da exclusão social, talvez até a exclusão política e económica das populações que vivem na região. Este já é de facto um problema das desigualdades crescentes e que muitos jovens facilmente se sentem atraídos a abraçarem um movimento desta natureza."
Financiamento de origem criminosa?
Outra pergunta que não se quer calar é: de onde vem o financiamento para as operações armadas e logísticas dos atacantes? Enquanto a polícia faz o seu trabalho para esclarecer isso, ONGs como o MASC e o IESE já concluíram, mesmo de forma preliminar, o seguinte:
"Claramente há uma origem externa, que não está clara, mas ligada a homens de negócios locais, com redes na Tanzânia e Quénia. Mas há uma outra origem, provavelmente, a mais importante do ponto de vista de financiamento que tem a ver com o crime organizado, ligado ao tráfico de madeira, marfim, mineração ilegal que geram recursos financeiros de enorme volume e que escapa completamente ao controlo do Estado."
DW – 09.05.2018
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