"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Nyusi manda farpas à Renamo


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Ainda a polémica da carta enviada por Afonso Dhlakama a Filipe Nyusi, que Jacinto Veloso garante ter sido respondida na hora pelo próprio Chefe de Estado, adicionalmente também na comissão mista de preparação ao encontro de alto nível, aos olhos da mediação internacional, de que não há recuo das Forças de Defesa e Segurança que se encontram na Serra da Gorongosa, paredes-mea base da Renamo.
Na mesma altura que decorre a negociação preparatória do frente-a-frente com Afonso Dhlakama, o presidente da República se ausenta da capital para digressões pelo país e nalguns casos para o estrangeiro.
Uma maneira de encarar um tema que o próprio Filipe Nyusi classifica crucial para o pleno desenvolvimento do país, visto que sem paz efectiva tudo pára.
No início da negociação mediada, Afonso Dhlakama se queixou publicamente de ataques governamentais que tinham como objectivo, inviabilizar acompanhamento ao que se passa na cidade de Maputo.
Em teoria e numa situação normal, o líder da Renamo gostaria que estivesse o mais próximo possível do local dos acontecimentos, para o contacto permanente com os seus emissários, o que pode ser entendido como transmitindo mensagem de insegurança ou de desconfiança.
Situação diferente se passa com Filipe Nyusi.
Apesar da importância da negociação tripartida em curso, o presidente da República não altera “grande coisa” na sua agenda quotidiana, bastando para isso referir que ontem terminou visita de três na província de Inhambane e esta manhã inicia uma outra ao Niassa, no lugar mais distante da cidade de Maputo, onde decorrem as negociações.
Num mundo em que as tecnologias de informação facilitam este tipo de coisas, só pode ser mesmo por aí que o Chefe de Estado se apoia, estando distante das negociatas, mas muito próximo das mesmas.
Por outro lado, a estratégia utilizada por Filipe Nyusi nesta questão visa dar mais confiança à equipe liderada por Jacinto Veloso, que integra ainda Alfredo Gamito, António Hama Thai, Maria
Benvinda Levi e outros.
Isso mesmo tratou ontem publicamente de deixar claro. “Os nossos [membros da comissão mista] não necessitam de me consultar em questões onde eles próprios são capazes de solucionar”, indicando, o presidente da República, essa metodologia ajuda grandemente na dinamização do processo.
Não deixa, no entanto, de haver contradição entre o que diz Nyusi e o revelado anteontem por Veloso à STV.
À primeira vista, acarta de Dhlamama chegou a Nyusi e este respondeu aos seus emissários, mas também à Renamo.
Ontem, todavia, o Chefe de Estado renova confiança aos 12 elementos por sí indicados para a comissão mista dizendo que eles são capazes de responder àquele nível a carta de
Dhlakama. De contrário, diz Nyusi, não seria necessário que fosse criada a comissão e que o diálogo teria de ser a dois, sem delongas.
Mediação a leste
Há dias, Afonso Dhlakama referiu que o papel da mediação internacional não é tão relevante face àquilo que deve ser o papel do governo e da Renamo na comissão mista.
Discurso surpreendente vindo de quem se bateu forte na vinda de mediadores internacionais.
Aliado a nova forma de olhar para a presença dos mediadores à mesa negocial, Dhlakama escreveu ao Chefe de Estado em vez de fazê-lo a nível da comissão, o que facilmente pode ser entendido como uma clara demonstração de alguma frustração do líder face aos resultados que têm sido produzidos no terreno climatizado algures em Maputo.
Se calhar Dhlakama estava convencido de que a crise seria resolvida num ápice com a vinda dos mediadores por si indicados.
Apercebendo-se da necessidade de também ter os seus seus indicados, o governo correu atrás do prejuízo recuando das suas intenções iniciais, seguindo o exemplo da Renamo.
Colete de forças
Nesta disputa, o governo tem claramente mais e melhores argumentos que a Renamo, e isso tem sido evidente em qualquer negociação entre as partes.
Não foi por acaso que a Frelimo chamou a Renamo à mesa negocial que levou ao entendimento de Roma, em Outubro de 1992.
Depois do acordo, convidou a Renamo a completar o resto, em falta, entre moçambicanos, em Maputo.
A Renamo acenou com ingenuidade a iniciativa, longe de imaginar estar a cometer crasso erro.
A Renamo não tem quadros em quantidade e qualidade suficientes para confrontar o governo/Frelimo.
Enquanto a Frelimo, desde a guerra colonial até aos nossos dias, investiu na formação de seu pessoal, tanto dentro como fora, a Renamo não pôde fazer o mesmo.
Os poucos quadros de que Dhlakama dispõe, foram recrutados no intervalo entre 92 e hoje, enquanto outros, como José Manteigas, são a chamada prata da casa que combateram as Forças Armadas.
Com os vastíssimos argumentos de que o governo dispõe, desde logo o forte poder de antecipação aos acontecimentos, legislando aqui e acolá, de modo a não ser apanhado em contra-pé.
Exemplo claríssimo é o dossier que neste momento está em cima da mesa, descentralização.
A Renamo reclama Sofala, Manica, Tete, Zambézia, Nampula e Niassa. O governo diz que isso não é possível e sustenta com documentação própria que lhe confere autenticidade aos olhos da mediação internacional.
Não foi obra do acaso Filipe Nyusi recomendar os mediadores a consultar a Constituição da República e a Lei Eleitoral.
De resto, o governo/Frelimo nunca deu nega à descentralizaçao, só que isso deve ser quando e como ele quiser, não e nunca sob pressão, sobretudo quando essa pressão vem da Renamo e de Afonso Dhlakama, sobretudo.
Uma espécie de ajuste de contas entre frelimistas conservadores e o líder da Renamo, ele que ajudou a libertar Moçambique da administração colonial portuguesa, coisa que se tenta apagar.
Descentralizaçãosó lá mais adiante
Está claro que qualquer iniciativa de descentralização só vai acontecer se a Frelimo quiser que aconteça. E não será Dhlakama a ditar as regras de jogo nessa matéria.
Na semana que termina, a delegação-Nyusi reiterou isso aos mediadores e à delegação-Dhlakama, obviamente recorrendo a uma linguagem mais moderada.
Na sequência da exigência da Renamo, a descentralização poderá ser aprofundada, por forma a “acomodar a eleição directa ou indicação de governadores provinciais”.
Aqui, o governo esclarece também a sugestão que tem sido reiterada pelo Movimento Democrático de Moçambique (MDM) e seu líder, Daviz Simango, segundo a qual, o eleitorado das províncias devia eleger os seus próprios governadores.
Do modo como a Renamo quer que as coisas sejam feitas, levaria a alteração de “alguns comandos” da Constituição da República e da lei das finanças provinciais, lei dos órgãos locais do Estado, lei da organização e funcionamento da administração pública.
Por isso, o governo contrapõe recomendando que o processo seja tratado até às próximas eleições, de modo que a sua implementação seja efectiva no próximo mandato.
Nada que convença a Renamo, que insiste na necessidade de se mexer na Constituição da República e noutros instrumentos, para acomodar as suas exigências.
É nisto que a mediação tem vindo a trabalhar, de modo que haja cedência tanto de um como do outro lado.
Pressão como resposta
Diante do aparente fracasso negocial, a Renamo dispõe de um trunfo na manga, que é o contínuo recurso ao seu braço armado, onde melhor se sente superior.
Tal como na chamada guerra dos 16 anos, neste conflito a Renamo não dispõe de um efectivo que se compare ao das Forças de Defesa e Segurança.
A diferença à maior para Dhlakama reside na estratégia utilizada na frente de combate. Os homens armados da Renamo atacam e põem-se imediatamente em fuga, por entre caminhos que mais ninguém conhece, enquanto nessa correria vão sendo activadas armadilhas que dão cabo aos que fazem a perseguição.
Um jovem militar graduado na Academia Militar Marechal Samora Machel, em Nampula, reconhece dificuldades em combater a Renamo.
Para além do pleno conhecimento do terreno que pisam, atacam em pequenos grupos com recurso a estratégias que em muitos casos surpreendem os militares.
E como se isso não bastasse, não são estáticos, movimentam-se muito rapidamente e isso permite-lhes ganhar vantagem sobre o inimigo. “Fugir é sempre mais fácil que perseguir”, acentua o referido jovem.
O mesmo acredita que, numa situação de guerra convencional, há muito que a Renamo teria desaparecido, mas nunca se recomenda a um inimigo que faça aquilo que nos possa permitir derrotá-lo.
E quando as negociações fracassarem?
À pergunta, a triste ideia de que ainda teremos a Renamo nas matas e a atacar, a inviabilizar a plena circulação de pessoas e bens, do sul para o centro e norte, e daquelas regiões para o sul, condicionando desse modo a alocação de produtos alimentares essenciais.
A única forma de acabar com isto “é mesmo falando, falando e falando, até que se chegue a um consenso”, segundo várias reacções.
Cessar-fogo para uma negociação calma e serena, sugerida até em diversos debates, não é bem acolhida pela Renamo, apesar do condicionalismo imposto há dias ao presidente Filipe Nyusi, que levaria ao recuo das Forças de Defesa e Segurança da Serra da Gorongosa para a cidade da Beira, entretanto chumbada pelo governo.
EXPRESSO – 12.08.20

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