O filósofo moçambicano Severino Ngoenha afirmou hoje que a "agitação" dentro dos três principais partidos políticos revela uma falta de orientação e objetivos, considerando que o país continua sem alternativas políticas.
"O que está a acontecer neste momento é falta de uma orientação clara, nem na linha política dos partidos ainda menos na definição clara daquilo que eles pretendem fazer", disse Severino Ngoenha, em entrevista à Lusa.
Nas últimas semanas, Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane, influentes membros do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), anunciaram a sua saída do partido e foram indicados como cabeça de lista da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido de oposição, para as autárquicas de outubro em Moçambique.
Para Ngoenha, a adesão de Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane à Renamo rejuvenesce a ala política do partido da oposição, mas, ao mesmo tempo, pode criar descontentamento interno por parte daqueles que se consideravam uma opção para estes cargos.
"Aqueles membros que fazem política na Renamo em Maputo foram afastados para dar espaço a pessoas de fora e isso não pode passar sem deixar rastos de amargura. Há pessoas no partido que podem se ver desprezadas ou desclassificadas para ocupar lugares cimeiros da vida política do partido", acrescentou o reitor da Universidade Técnica de Moçambique.
Por outro lado, acrescenta o autor de "Das Independências às Liberdades", a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder em Moçambique, também atravessa um momento "confuso" em Maputo, com a polémica sobre a exclusão não publicamente justificada de Samora Machel Júnior na corrida pela posição de cabeça de lista, uma decisão que está a gerar contestação interna.
"Nós estamos numa situação de confusão total, que começa dentro dos próprios partidos, e quando é assim a possibilidade de voltarmos a conflitos como aconteceu há anos é maior", observou o filósofo.
Ao analisar o panorama político moçambicano, Ngoenha entende que o país continua sem alternativas políticas, considerando que a ausência de partidos de esquerda no país gera o problema da falta de uma definição clara de objetivos.
"Todos dizem que querem o desenvolvimento de Moçambique, mas o que nos interessa é saber o que eles querem fazer por Moçambique. Eles devem apresentar-nos o seu programa político com uma orientação clara", observou o académico.
Analisando a recente revisão da Constituição da República para o aprofundamento da descentralização, o filósofo moçambicano alerta para a exclusão de outros segmentos da sociedade, observando que a reconciliação do país não se pode limitar apenas à Frelimo e à Renamo.
"As maiores vítimas da crise entre estas duas forças sempre foram as populações e por isso o processo de reconciliação nacional deve envolver muito mais atores sociais. Falo das comunidades, os partidos e outros atores", afirmou o académico.
"Não me parece que custasse muito fazer um processo de reconciliação mais amplo e nesse processo construiríamos uma Constituição que não fosse favorável a Frelimo e a Renamo, mas sim iríamos construir uma Constituição em que todos os moçambicanos se reconhecessem nela", concluiu Ngoenha.
A 19 de junho, a Assembleia da República de Moçambique reviu a Constituição para o aprofundamento da descentralização do país, no âmbito dos entendimentos nas negociações de paz entre a Frelimo e a Renamo.
A revisão cria condições legais para a realização das eleições autárquicas, agendadas para 10 de outubro deste ano.
Moçambique atravessou uma crise política marcada por confrontações militares entre as forças governamentais e a principal força de oposição, que reivindica vitória nas eleições gerais de 2014, acusando a Frelimo de fraude no escrutínio.
LUSA – 28.07.2018
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