09/10/2017
Moradores de Mocímboa da Praia dizem ter alertado às autoridades sobre os riscos a que a zona estava exposta
Na madrugada de quinta-feira passada, a vila de Mocímboa da Praia, a norte da província de Cabo Delgado, acordou aos tiros. O alvo foram as esquadras da polícia e o posto de controlo da Força de Guarda Fronteira. Os confrontos estenderam-se até sexta-feira e voltaram a ouvir-se tiros na tarde de sábado. O saldo dos confrontos aponta para 16 mortos - 14 do lado dos atacantes e dois agentes da polícia - e vários feridos.
Logo, surgiram várias perguntas. Quem são os atacantes? De onde vêm? O que pretendem? A polícia, que de imediato fez detenções, diz que está a investigar, para conseguir ter respostas a essas perguntas. No entanto, afastou a hipótese que localmente foi avançada pelos populares de que os ataques foram perpetrados por membros de uma seita religiosa islâmica autodenominada Al-Shabaab.
A nossa equipa deslocou-se à Mocímboa da Praia para pesquisar estas informações. A verdade é que todos os residentes daquela vila não têm a menor dúvida de que os ataques foram perpetrados pelos membros da referida seita Al-Shabaab. Mas, afinal, o que leva os populares a assumirem que tal seita é responsável pelos ataques?
No bairro Nanduadue, encontrámos a resposta a essa pergunta. É que, naquele bairro, a seita Al-Shabaab tem a sua principal mesquita, cujo edifício ainda está em construção. No mesmo bairro, tem a segunda mesquita, feita de material precário. E desde que iniciaram os ataques, todos os membros da seita desapareceram e nunca mais foram às mesquitas para fazer orações, quando quase todos passavam a maior parte do tempo, todos os dias, naqueles locais de culto.
Hamina Aboobakar, uma idosa de 68 anos, cuja residência praticamente partilha o mesmo terreno com a mesquita, diz que alguns elementos da seita apareceram, na madrugada de quinta-feira, naquele local de armas em punho. Uma vez que ela já se encontrava fora da sua residência, os mesmos mandaram que voltasse para dentro de casa.
Amade Mussa é outro residente do bairro Nanduadue. Diz que, por volta das 05h00 da manhã, quando estava com outros crentes na mesquita a rezar, apareceu o líder espiritual da seita Al-Shabaab, acompanhado de quatro elementos, todos eles armados. Disse a Amade e outros crentes que eles não eram os alvos dos seus homens armados, mas sim as Forças de Defesa e Segurança. Deixou claro que só haviam de atacar os populares se os denunciassem às autoridades policiais.
Amade diz que, no momento, questionaram as razões para os ataques, ao que o líder do grupo respondeu que querem que passe a vigorar a lei islâmica, a sharia. “Se eu tiver problemas com a minha mulher, não é para ir à esquadra, tem de haver aqueles monhés de assuntos de casados. e não ir ao comando. Ter problemas de crime não é para ir no comando, tem que se usar a lei islâmica. É isso que eles querem. Eles exigem que sejam retiradas as estátuas dos presidentes Samora Machel e de Eduardo Mondlane que foram erguidas na vila e aquela cruz cristã que está na entrada da vila, porque dizem que aqui é uma zona dominada por muçulmanos e não pode haver símbolos de cristãos”, esclareceu Amade, que foi secundado por dona Hamina: “eles não querem aquela bandeira do governo, não querem falar com o governo, só querem eles sozinhos a governar. Não querem polícias, não querem chefes, nem directores, nem ministros, muito menos crianças irem à escola. Só querem Al-Shabaab viver sozinho a viver assim. Se você entrar no Al-Shabaab, a tua família não pode falar contigo. Mesmo que os teus pais fiquem doentes, e até podem morrer, eles preferem que sejam deixados ali na rua e serem comidos por cães”, continuou dona Hamina, que diz ter ouvido todas essas informações nas reuniões que o grupo realizava na mesquita.
Issufo John, um cidadão nigeriano que é comerciante em Mocímboa da Praia, diz que o grupo apareceu em 2014 e viu os seus amigos a aderirem ao mesmo. E, a partir desse momento, afastaram-se dele e passaram a andar apenas com outros membros da seita religiosa. Segundo Issufo, já nessa altura, demonstravam sinais de ser um grupo violento.
Amade Mussa diz que o grupo, quase na totalidade, é composto por jovens naturais de Mocímboa da Praia, com idades que variam entre 20 e 35 anos. O líder do grupo é um comerciante local que nunca foi militar. “eles todos são daqui de Mocímboa da Praia, conhecemos. Outros vêm de Mocoche em Macomia, outros vêm de Palma, Nangade e Montepuez. Os outros são daqui, conhecemos. mas desde o dia 6, fugiram. Se tem pessoas que vêm da Somália ou outro país, não sei. Só que eu estou admirado, onde esses homens arranjaram as armas? se vêm do estrangeiro, de onde passaram? Porque, aqui, nós temos governo com segurança. como eles conseguiram passar com as armas? São armas novas e com balas novas. como eles conseguiram trazer as armas até aqui em Mocímboa da Praia?”, questiona Amade, que garante que eles não atacaram nenhum civil no seu bairro.
A versão de Amade e de outros residentes de Mocímboa da Praia é confirmada pelo presidente do município de Mocímboa da Praia de. Diz que os atacantes são jovens naturais de Mocímboa da Praia e de outros distritos circunvizinhos. “são todos moçambicanos. pode haver um ou dois estrangeiros, mas a maioria são naturais de Mocímboa e amigos de distritos vizinhos. São jovens que pensam que, quando fazem aquilo, pertencem àquele grupo, mas eles não têm nenhuma ligação”, esclareceu Fernando Neves.
Questionamos ao edil, se o grupo já existia há três anos, por que não foram tomadas medidas para prevenir situações de violência, ao que respondeu que o governo, ao receber informações da existência do grupo que colocava em causa a autoridade do Estado naquele local, desacreditando as leis e querendo impor as suas próprias regras, identificou no grupo alguns estrangeiros, os quais foram repatriados, quase todos provenientes da Tanzânia. Esta informação é confirmada por Amade Mussa. Segundo ele, as únicas pessoas de idade avançada no grupo eram comerciantes provenientes da Tanzânia, mas já não se encontram naquela vila há já algum tempo.
Celmira da Silva diz que foram tomadas medidas
A governadora de Cabo Delgado, Celmira da Silva, diz que o governo tomou as medidas adequadas no momento em que soube da existência do tal grupo. Agora, está a trabalhar para esclarecer todas as informações e está a recorrer a várias fontes disponíveis, incluindo os detidos. Mas, neste momento, não pode assumir que o grupo que protagonizou os ataques pertence à referida seita Al-Shabaab, apesar da população acreditar nisso.
A governadora está, desde ontem, em Mocímboa da Praia, onde se reuniu com o governo local, Forças de Defesa e Segurança, líderes tradicionais e religiosos, para perceber o que aconteceu e preparar o retorno da vida à normalidade, esta segunda-feira. Aliás, Celmira da Silva pernoitou naquela vila, para acompanhar de perto a reabertura das instituições públicas, mercados e lojas, de modo a ter certeza de que a vida voltou à normalidade naquele distrito.
Governo pode ter menosprezado o grupo
Dona Amina Aboobacar diz que, por várias vezes, a população do bairro Nanduadue alertou, em reuniões com o governo, sobre o perigo que a seita Al-Shabaab representava, mas ninguém dava ouvidos. “Sempre alertámos o governo que aqui um dia vai acontecer qualquer coisa. Não podem deixar crescer essas coisas, é melhor fazer alguma coisa antes. Diziam está bem, está bem, estamos a ouvir. E hoje aconteceu o que dizíamos na reunião. Em todas as reuniões, nós falávamos disso e agora aconteceu, não aconteceu?”, disse a idosa, visivelmente agastada com a falta de esforços para evitar a violência.
A informação da dona Amina é reiterada pelo Sheik Shumar Alifa, um dos principais líderes religiosos dos muçulmanos de Mocímboa da Praia. “Temos apresentado sempre as nossas reclamações acerca desses do Al-Shabaab, que se dizem muçulmanos, e tudo estava ao critério do governo, porque nós temos sempre reportado o que tem acontecido. ora discriminam-nos, oram chamam-nos de hipócritas, descrentes, etc., etc.. Nós não tínhamos força para fazer nada, porque sempre fizemos chegar o nosso sentimento ao Estado moçambicano. Agora não sei se o Estado não agiu porque tinha provas ou não as tinha, mas agora acho que eles já passaram a acreditar naquilo que nós muçulmanos lhes dizíamos”, disse. O sheik não tem dúvidas sobre o que aconteceu em Mocímboa da Praia. “Isto para os muçulmanos é um terror. E não estamos satisfeitos”.
Mas, afinal, o que significa Al-Shabaab? Amade Mussa explica: “significa um rapaz que tem força, saudável. E eles deram-se esse nome de Al-Shabaab como aqueles bandidos que estão lá na Somália. Assim, eles passaram a amarrar aqueles lenços, andar com catanas, armas, que são símbolo da ‘jihad’. Mas, no nosso dicionário, Al-Shabaab não é uma pessoa confusa como eles”.
O PAÍS – 09.10.2017
Hamina Aboobakar, uma idosa de 68 anos, cuja residência praticamente partilha o mesmo terreno com a mesquita, diz que alguns elementos da seita apareceram, na madrugada de quinta-feira, naquele local de armas em punho. Uma vez que ela já se encontrava fora da sua residência, os mesmos mandaram que voltasse para dentro de casa.
Amade Mussa é outro residente do bairro Nanduadue. Diz que, por volta das 05h00 da manhã, quando estava com outros crentes na mesquita a rezar, apareceu o líder espiritual da seita Al-Shabaab, acompanhado de quatro elementos, todos eles armados. Disse a Amade e outros crentes que eles não eram os alvos dos seus homens armados, mas sim as Forças de Defesa e Segurança. Deixou claro que só haviam de atacar os populares se os denunciassem às autoridades policiais.
Amade diz que, no momento, questionaram as razões para os ataques, ao que o líder do grupo respondeu que querem que passe a vigorar a lei islâmica, a sharia. “Se eu tiver problemas com a minha mulher, não é para ir à esquadra, tem de haver aqueles monhés de assuntos de casados. e não ir ao comando. Ter problemas de crime não é para ir no comando, tem que se usar a lei islâmica. É isso que eles querem. Eles exigem que sejam retiradas as estátuas dos presidentes Samora Machel e de Eduardo Mondlane que foram erguidas na vila e aquela cruz cristã que está na entrada da vila, porque dizem que aqui é uma zona dominada por muçulmanos e não pode haver símbolos de cristãos”, esclareceu Amade, que foi secundado por dona Hamina: “eles não querem aquela bandeira do governo, não querem falar com o governo, só querem eles sozinhos a governar. Não querem polícias, não querem chefes, nem directores, nem ministros, muito menos crianças irem à escola. Só querem Al-Shabaab viver sozinho a viver assim. Se você entrar no Al-Shabaab, a tua família não pode falar contigo. Mesmo que os teus pais fiquem doentes, e até podem morrer, eles preferem que sejam deixados ali na rua e serem comidos por cães”, continuou dona Hamina, que diz ter ouvido todas essas informações nas reuniões que o grupo realizava na mesquita.
Issufo John, um cidadão nigeriano que é comerciante em Mocímboa da Praia, diz que o grupo apareceu em 2014 e viu os seus amigos a aderirem ao mesmo. E, a partir desse momento, afastaram-se dele e passaram a andar apenas com outros membros da seita religiosa. Segundo Issufo, já nessa altura, demonstravam sinais de ser um grupo violento.
Amade Mussa diz que o grupo, quase na totalidade, é composto por jovens naturais de Mocímboa da Praia, com idades que variam entre 20 e 35 anos. O líder do grupo é um comerciante local que nunca foi militar. “eles todos são daqui de Mocímboa da Praia, conhecemos. Outros vêm de Mocoche em Macomia, outros vêm de Palma, Nangade e Montepuez. Os outros são daqui, conhecemos. mas desde o dia 6, fugiram. Se tem pessoas que vêm da Somália ou outro país, não sei. Só que eu estou admirado, onde esses homens arranjaram as armas? se vêm do estrangeiro, de onde passaram? Porque, aqui, nós temos governo com segurança. como eles conseguiram passar com as armas? São armas novas e com balas novas. como eles conseguiram trazer as armas até aqui em Mocímboa da Praia?”, questiona Amade, que garante que eles não atacaram nenhum civil no seu bairro.
A versão de Amade e de outros residentes de Mocímboa da Praia é confirmada pelo presidente do município de Mocímboa da Praia de. Diz que os atacantes são jovens naturais de Mocímboa da Praia e de outros distritos circunvizinhos. “são todos moçambicanos. pode haver um ou dois estrangeiros, mas a maioria são naturais de Mocímboa e amigos de distritos vizinhos. São jovens que pensam que, quando fazem aquilo, pertencem àquele grupo, mas eles não têm nenhuma ligação”, esclareceu Fernando Neves.
Questionamos ao edil, se o grupo já existia há três anos, por que não foram tomadas medidas para prevenir situações de violência, ao que respondeu que o governo, ao receber informações da existência do grupo que colocava em causa a autoridade do Estado naquele local, desacreditando as leis e querendo impor as suas próprias regras, identificou no grupo alguns estrangeiros, os quais foram repatriados, quase todos provenientes da Tanzânia. Esta informação é confirmada por Amade Mussa. Segundo ele, as únicas pessoas de idade avançada no grupo eram comerciantes provenientes da Tanzânia, mas já não se encontram naquela vila há já algum tempo.
Celmira da Silva diz que foram tomadas medidas
A governadora de Cabo Delgado, Celmira da Silva, diz que o governo tomou as medidas adequadas no momento em que soube da existência do tal grupo. Agora, está a trabalhar para esclarecer todas as informações e está a recorrer a várias fontes disponíveis, incluindo os detidos. Mas, neste momento, não pode assumir que o grupo que protagonizou os ataques pertence à referida seita Al-Shabaab, apesar da população acreditar nisso.
A governadora está, desde ontem, em Mocímboa da Praia, onde se reuniu com o governo local, Forças de Defesa e Segurança, líderes tradicionais e religiosos, para perceber o que aconteceu e preparar o retorno da vida à normalidade, esta segunda-feira. Aliás, Celmira da Silva pernoitou naquela vila, para acompanhar de perto a reabertura das instituições públicas, mercados e lojas, de modo a ter certeza de que a vida voltou à normalidade naquele distrito.
Governo pode ter menosprezado o grupo
Dona Amina Aboobacar diz que, por várias vezes, a população do bairro Nanduadue alertou, em reuniões com o governo, sobre o perigo que a seita Al-Shabaab representava, mas ninguém dava ouvidos. “Sempre alertámos o governo que aqui um dia vai acontecer qualquer coisa. Não podem deixar crescer essas coisas, é melhor fazer alguma coisa antes. Diziam está bem, está bem, estamos a ouvir. E hoje aconteceu o que dizíamos na reunião. Em todas as reuniões, nós falávamos disso e agora aconteceu, não aconteceu?”, disse a idosa, visivelmente agastada com a falta de esforços para evitar a violência.
A informação da dona Amina é reiterada pelo Sheik Shumar Alifa, um dos principais líderes religiosos dos muçulmanos de Mocímboa da Praia. “Temos apresentado sempre as nossas reclamações acerca desses do Al-Shabaab, que se dizem muçulmanos, e tudo estava ao critério do governo, porque nós temos sempre reportado o que tem acontecido. ora discriminam-nos, oram chamam-nos de hipócritas, descrentes, etc., etc.. Nós não tínhamos força para fazer nada, porque sempre fizemos chegar o nosso sentimento ao Estado moçambicano. Agora não sei se o Estado não agiu porque tinha provas ou não as tinha, mas agora acho que eles já passaram a acreditar naquilo que nós muçulmanos lhes dizíamos”, disse. O sheik não tem dúvidas sobre o que aconteceu em Mocímboa da Praia. “Isto para os muçulmanos é um terror. E não estamos satisfeitos”.
Mas, afinal, o que significa Al-Shabaab? Amade Mussa explica: “significa um rapaz que tem força, saudável. E eles deram-se esse nome de Al-Shabaab como aqueles bandidos que estão lá na Somália. Assim, eles passaram a amarrar aqueles lenços, andar com catanas, armas, que são símbolo da ‘jihad’. Mas, no nosso dicionário, Al-Shabaab não é uma pessoa confusa como eles”.
O PAÍS – 09.10.2017
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