06/09/2019
Texto de Luís Nhachote*
Um documento do famigerado Serviço Nacional de Segurança Popular (SNASP), obtido pelo Ikweli-Centro de Jornalismo Investigativo (Ikweli-CJI) sugere que os mais altos responsáveis do antigo Comité Político Permanente do Partido Frelimo foi quem “orientou” a execução extrajudicial de presos políticos mantidos no campo de reeducação de M’telela na província do Niassa.
Dos membros desse órgão do Partido Frelimo mencionados no documento, apenas Sebastião Marcos Mabote é que faleceu. Os restantes ainda encontram-se entre nós – Armando Emílio Guebuza, Alberto Joaquim Chipande e Marcelino dos Santos.
(Click nas imagens para ampliar) Barnabé Lucas Nkomo, autor do livro “Uria Simango: um homem, uma causa”, considera que foi “encontrada a prova cabal” e que as “dúvidas começam a ficar dissipadas” sobre aquilo que é considerado o crime mais bárbaro cometido pela direcção da Frelimo, pouco depois da proclamação da independência nacional.
Até hoje, a direcção do Partido Frelimo tem-se pautado por uma posição ambígua quanto à responsabilidade pelas execuções sumárias dos presos políticos moçambicanos.
Na primeira legislatura do Parlamento pluripartidário, Sérgio Vieira admitiu publicamente que os presos políticos haviam sido executados por ‘traição’, para anos depois atribuir as execuções a terceiros que agiam à revelia do poder executivo moçambicano.
Seja como for, os restos mortais dos rotulados “reaccionários” sumariamente executados no Niassa não foram entregues aos familiares para, como mandam os costumes e as tradições, realizarem os funerais dos seus entes queridos.
Leia a história nas linhas que se seguem.
Do documento
De acordo com o documento na nossa posse, a Direcção de Segurança dos Responsáveis (DSR) do SNASP emitiu, a 8 de Novembro de 1978, a ordem de serviço Lga-N/78 SECRETO, onde informa os Serviços de Segurança dos Responsáveis (SSR), da província do Niassa, do seguimento em viagem de Armando Guebuza, Marcelino dos Santos, Alberto Chipande, Sabastião Marcos Mabote (já falecido), para aquele ponto do país.
Todos eles eram membros do Comité Político Permanente do Partido Frelimo, órgão máximo daquela organização durante o regime monolítico e totalitário.
O mesmo documento informa ainda que na delegação vinham incluídos Lagos Lidimo e Manuel Jeremias Chitupila. Quem assina o documento é o director da DSR, Mateus Óscar Kida, hoje titular do pelouro dos Combatentes do consulado de Armando Guebuza.
Aos SSR cabia, de acordo com o documento “...a missão de fazerem a protecção aos responsáveis do partido e das FDS (NR: Forças de Defesa e Segurança) que irão orientar o acto da transferência dos elementos mantidos no centro de reeducação dos políticos”(Sic).
O autor de “Uria Simango: um homem, uma causa” relata no seu ‘best-seller’ que quem conduziu os presos ao local das execuções sumárias foi o comissário político do Ministério da Segurança-SNASP, Major Abel Assikala. Este integrava uma delegação de alto nível que se deslocou propositadamente a M’telela em viaturas oficiais do governo provincial de Niassa, na altura dirigido por Aurélio Manave, entretanto, ele também já falecido. As ordens terão sido transmitidas pelo então vice-ministro da Segurança, Salésio Teodoro Nalyambipano, em cumprimento de uma decisão tomada pelo Comité Político Permanente do Partido Frelimo. Nalyambipano é hoje presidente da Comissão de Títulos Honoríficos e Condecorações, tendo desempenhado as funções de embaixador extraordinário e plenipotenciário de Moçambique em Luanda por incumbência do Presidente Chissano.
De facto, o documento obtido pelo Ikweli-CJI diz que “o responsável máximo da DP vai representar este Serviço...” Segundo apurámos, o Major Abel Assikala era esse responsável.
O autor de “Uria Simango: um homem, uma causa” relata na sua obra que, aquando da sua abertura em 1976, o centro de reeducação de M’telela tinha cerca de três mil e seiscentos presos políticos e quando este encerrou, nos inícios da década de oitenta, só restavam cerca de quatrocentos detidos. Estes dados sugerem o extermínio de mais de três centenas de nacionais.
Um crime de Estado
É sabido que as execuções das vítimas do conhecido Processo de Nachingwea tiveram lugar nas cercanias da estrada que liga M’telela a Chiputo, no Niassa. A não ser que venha a ser possível negar a autenticidade do documento a que temos vindo a fazer referência, ficam dissipados os rumores e encontradas as datas precisas em que se decidiu sobre o destino a dar ao grupo composto por Uria Simango, Joana Simeão, Lázaro Nkavandame, Padre Gwengere, Raul Casal Ribeiro.
Por esclarecer na sua plenitude as execuções de Celina Simango, Lúcia Casal Ribeiro, Paulo Gumane, Adelino Gwambe, Basílio Banda, Eugénio Zitha, entre outros.
Quando a notícia de que os denominados “reaccionários” haviam sido extrajudicialmente executados corria o mundo, o governo de Samora Machel, através do Ministério da Segurança, emitiu a ordem de acção 5/80 (ver caixa desta matéria), para se justificar de tão ignóbil acção.
Desde a eclosão deste dossiê, que ao mais alto nível do partido Frelimo, o silêncio parece ter sido o pacto assinado entre todos os actores envolvidos directamente no morticínio de M’telela. Nunca ninguém quis assumir a sua parte na paternidade do plano macabro.
Fernando dos Reis Ganhão, primeiro reitor da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e membro do Comité Central da Frelimo, disse nos últimos dias da sua vida, em entrevista ao autor da obra “Uria Simango: um homem, uma causa”, que “a ordem tinha sido de Aurélio Manave”. Ganhão transferia deste modo a responsabilidade das execuções sumárias para Manave, alegadamente por este ter ficado aborrecido com um ‘moço que namorava com a sua filha’.
Em “Memórias indeléveis dos ‘anos da peste’”, (SAVANA, edição de 19 de Maio de 1995), Pita Filipe relata em pormenor o episódio do tal moço, mas só que não existe qualquer relação entre este caso e as execuções sumárias dos presos políticos mantidos em M’telela.O “moço” que namorava a filha Anabela (falecida numa emboscada da Renamo a caminho da Namaacha), era Manuel (Manolo) Cabral, irmão do fotógrafo Ze Cabral, ainda vivo e residente em Maputo que de facto foi à reeducação, mas parece que não tem nada a haver com M’telela)
Com o documento que o SAVANA hoje publica, fica clara a responsabilidade da direcção máxima do Partido Frelimo no destino final dado a dissidentes políticos, fuzilados extrajudicialmente depois de um julgamento popular em Nachigwea, nas vésperas da independência de Moçambique.
A tese que cai por terra
O Ikweli-CJI foi ouvir Barnabé Lucas Nkomo, o pesquisador moçambicano que escreveu sobre os factos decorridos em M’telela.
Para Nkomo, “com esta prova documental que me parece autêntica, cai por terra a tese de que as figuras do topo da Frelimo não sabiam de nada”. De acordo com a fonte ficam dissipadas as dúvidas sobre o ano da execução dos ‘reaccionários’.
“Foi em 1978, não tenho dúvidas”, disse Nkomo.
Ordem de execução
Em entrevista concedida ao canal STV em 2010, Sérgio Vieira confirmou a autenticidade da Ordem de Acção assinada por Jacinto Veloso, contrariando assim Óscar Monteiro que, em entrevista a mesma estação televisiva considerara o documento de “fictício”.
Seja como for, não restam dúvidas de que a ordem de execução dos presos políticos partiu da direcção máxima do Partido Frelimo. Numa entrevista concedida à comunicação social moçambicana em Janeiro de 1991, o então Presidente Joaquim Chissano afirmava: “em qualquer país a revolução tem as suas regras e normas e é normal que esses indivíduos (os referidos presos políticos) tenham sido tratados de acordo com essas normas”, tendo acrescentado: “neste momento, em que queremos criar a unidade e harmonia seria bom que não abríssemos esses dossiês.”
Marcelino dos Santos, o número dois da hierarquia da formação política no poder em Moçambique por altura das alegadas execuções em 1978, confirmou ao canal TVM que as execuções sumárias haviam sido ordenadas pela direcção máxima do Partido Frelimo.
Em entrevista concedida a Emílio Manhique (programa «Singular» de 19 de Setembro de 1997), Marcelino dos Santos afirmava ter havido “a tentativa do inimigo de buscar elementos moçambicanos descontentes, em particular aqueles que pudessem ser-lhes bastantes úteis.” Na mesma entrevista, Marcelino dos Santos frisou: “sobreveio aquela consciência que nós tínhamos inicialmente de que são traidores e que, portanto, deveriam ser executados.”
Segundo o investigador britânico, Alex Vines, existiu um plano da Renamo para se desencadear um assalto ao centro de reeducação onde se encontravam os dissidentes políticos moçambicanos.
Ao que apurámos, a Frelimo teve conhecimento desse plano, como confirma Marcelino dos Santos, e que visava transformar os presos políticos, uma vez libertados do cativeiro, numa direcção legítima da oposição moçambicana.
Isto, quando a Renamo ainda dava os primeiros passos e não dispunha de nomes sonantes a enquadrar a sua acção política, que a distanciasse da paternidade rodesiana. A opção por um assalto ao campo de M’telela terá surgido uma vez esgotadas as diligências feitas junto de Domingos Arouca para que este assumisse a direcção da Resistência Nacional Moçambicana, o que não aconteceu devido a divergências entre o líder da FUMO e Orlando Cristina.
*Coordenador da Ikweli-Centro de Jornalismo Investigativo
O Comité Político Permanente do Partido Frelimo, saído do III Congresso desta formação política em Fevereiro de 1977, era constituído pelas seguintes personalidades, por ordem hierárquica:
Samora Moisés Machel
Marcelino dos Santos
Joaquim Alberto Chissano
Alberto Joaquim Chipande
Armando Emílio Guebuza
Jorge Rebelo
Sebastião Marcos
Mariano de Araújo Matsinhe
Óscar Monteiro
Jacinto Veloso
Mário da Graça Machungo
SAVANA – 05.09.2014
NOTA: Não lhes pesará na consciência as milhares de mortes a que condenaram tantos "irmãos" moçambicanos? Agora até são todos muito religiosos! Quem poderá acreditar neles?
Recordem mais em http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/mtelela_niassa/
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