15/09/2019
Marina Rungo, 47 anos, pagou o ensino aos filhos com o que ganha em bancas de venda de vegetais importados da África do Sul, mas os ataques contra estrangeiros naquele país estão a ameaçar o negócio.
Mãe de três filhos, não conhece outra profissão senão a de comerciante.
Compra na África do Sul, revende no mercado grossista do Zimpeto, arredores de Maputo, mas hoje, com a vaga de violência xenófoba no território sul africano, a vendedora teme pelo seu negócio, sustento da família há mais de 20 anos.
Marina viajava pelo menos duas vezes por semana à terra do "rand" - moeda sul-africana - para abastecer duas bancas.
Eram sempre duas horas de viagem arriscadas, 200 quilómetros, de Maputo até à cidade de Mbombela (também conhecida como Nelspruit), na África do Sul, descreve, aludindo a frequentes assaltos a viaturas na estrada que liga os dois países, mas diz que "dava para sobreviver".
"Agora, com a xenofobia, a situação piorou. Quem viaja para lá nestes dias arrisca a vida. Eu não viajei nas últimas duas semanas", conta a comerciante à Lusa.
As bancas do mercado grossista do Zimpeto, famosas por terem quase sempre batatas e cebolas frescas, não são mais as mesmas: os produtos estão a acabar e não há alternativas, tendo em conta que o mercado interno não consegue alimentar um dos principais pontos de abastecimento da capital moçambicana.
"Não temos outra saída senão ficar aqui mesmo, à espera que aquilo [a vaga de ataques] acabe. Eduquei o primeiro filho com esta banca e ele já está a trabalhar. A minha outra filha, a última, está na faculdade graças a este negócio", acrescenta Marina Bernardo, na esperança de que os dois governos façam "alguma coisa rapidamente".
"Somos todos africanos, temos sul-africanos a residir e a trabalhar aqui. Imagine se fizéssemos o mesmo. O que seria da região", questiona.
Não muito longe dali, Amadeu Magaia, 37 anos, conta os sacos de batata que lhe restam na banca.
O jovem comerciante também já sente o impacto da violência na África do Sul, que está a afetar o seu pequeno negócio, base para o sustento da família desde 2007.
"A xenofobia trouxe uma redução do lado dos nossos fornecedores porque há um grande medo dos camionistas que vão para lá buscar mercadoria", observa o comerciante, acrescentando que os produtos já não estão frescos e isso afasta os clientes.
Amadeu Magaia também não vê alternativa, lembrando que o mercado interno não está estruturado o suficiente para abastecer o Zimpeto.
"Nós dependemos totalmente do que compramos na África do Sul", frisa o jovem comerciante, que acrescenta que o Governo sul-africano deve tomar medidas urgentes para controlar a situação.
"A solução depende do Governo sul-africano: eles, como Governo, são os pais e se os filhos estão a manifestar-se daquele jeito em casa, o pai tem que tomar autoridade", acrescenta Amadeu Magaia.
Quem realmente conhece os desafios da viagem para a terra do "rand" são os motoristas de transporte de mercadorias e passageiros que durante o percurso até à África do Sul conseguem sentir o clima de tensão.
"Agora, todas as pessoas têm medo de viajar", conta à Lusa João Albano, transportador há 18 anos, alinhado numa das filas de dezenas de viaturas que esperam por passageiros no terminal de transportes rodoviários da baixa de Maputo.
"Os moçambicanos já não estão a viajar para lá. Cruzamo-nos com muitos carros, em muitos casos com carga, a voltarem para Maputo. Há muito medo", acrescentou.
Um dos argumentos levantado para justificar a violência xenófoba está nos altos níveis de desemprego e pobreza na África do Sul, com grupos a argumentar que os estrangeiros estão a tirar oportunidades aos residentes.
Mas Lourenço Matsinhe, 45 anos, 23 dos quais frequentando a África do Sul como motorista, tem uma opinião diferente.
"Qual é o país que não tem desempregados", questiona, acrescentando que isso "não é razão para atacar irmãos".
"Há um mês, um colega nosso perdeu a vida, foi baleado na África do Sul. O problema não é o desemprego, mas sim algo de errado na sociedade e a polícia também parece não estar interessada em resolver isso", considera.
Desde 01 de setembro, pelo menos 12 pessoas morreram, entre as quais um estrangeiro, cuja nacionalidade não foi revelada.
De acordo com dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros moçambicano, mais de 400 moçambicanos na África do Sul manifestaram interesse em regressar ao país desde os primeiros episódios de xenofobia.
LUSA – 15.09.2019
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