Antigo ministro das Finanças à Comissão Parlamentar de Inquérito
Afinal, a emissão de garantias do Estado para a Ematum, Proindicus e MAM foi solicitada ao Ministério das Finanças pelo Serviço de Informação e Segurança de Estado (SISE). A secreta moçambicana até tentou arranjar o financiamento à sua maneira, mas enfrentou dificuldades e teve de bater à porta do gabinete de Manuel Chang para solicitar a emissão de garantias do Estado. O antigo ministro das Finanças admite que houve “pressão” e a urgência de se encontrar financiamento fez com que se ultrapassasse o limite do aval previsto na lei orçamental. Reconhece que não comunicou ao Conselho de Ministros nem ao FMI, não pediu autorização do Parlamento, muito menos a opinião da PGR, porque, justifica, se tratava de aval e não de dívida para o Estado.
À pergunta ‘por que decidiu sozinho?’, Chang respondeu que tinha competências para atribuir garantias, à luz do decreto presidencial que cria o Ministério das Finanças - decreto 02/2010, de 19 de Março. No relatório da Comissão Parlamentar do Inquérito (CPI) para averiguar a dívida pública que vai a debate à porta fechada, próxima sexta-feira, avultam também declarações de outros intervenientes no processo de constituição das empresas. Mas Armando Guebuza foi dizer à comissão que seria difícil encontrar uma intervenção específica do Chefe de Estado na constituição das empresas, por se tratar de matéria de domínio operacional. “Na sua qualidade de titular do poder executivo, recebe as informações e relatórios dos responsáveis pelos pelouros e, em função disso, dá as devidas recomendações”, cita o relatório.
Constituição das três empresas e contratação de empréstimos
“O que tenho a esclarecer é que as empresas são do direito privado, embora com a participação maioritária do Estado. Sendo do direito privado, a sua constituição é decidida pelos accionistas, e foram eles que decidiram. Sobre a contratação de empréstimos, também segue o mesmo raciocínio. Foram os accionistas que decidiram procurar financiamento. Tinham tentado fazer o recrutamento do financiamento, não conseguiram sem o aval do Estado. Apareceu o sector, neste caso, o promotor, que é o SISE, a solicitar-nos as garantias e foi quando nós demos. O Ministério das Finanças é que decidiu pela emissão de garantias, tendo em conta as competências atribuídas pelo decreto presidencial (Decreto 1/2010, de 19 de Março, que cria o Ministério das Finanças). Normalmente, quando há contratação de endividamento directo pelo Estado, através do Tesouro, é necessário que haja aprovação deste financiamento pelo Conselho de Ministros e que haja uma opinião legal da Procuradoria-Geral da República. Neste caso, a nossa convicção na altura era de que não haveria nenhuma dívida para o Estado. Nós estávamos a dar garantia para que aquelas empresas pudessem realizar (o investimento) e rapidamente amortizarem as suas dívidas.”
Razões para se prescindir da opinião legal da Procuradoria-geral da República
“Do nosso ponto de vista, ainda não estávamos perante uma dívida do Tesouro. O aval é potencial. Pode criar esta dívida, mas também pode não criar. Houve situações de avales que foram dados, por exemplo, a LAM teve aval para comprar aviões e os TPM tiveram aval para comprar autocarros. Nos dois casos, não foi preciso chegar a este ponto. Portanto, a nossa convicção naquela altura era de que as empresas iam pagar. Supondo que de facto acontecesse aquilo que está a acontecer agora, então, é nesta altura que se deve submeter já como dívida à decisão do Conselho de Ministros. (Ou seja), não pagando, o assunto volta para o Conselho de Ministros. Nós considerávamos que não era ainda dívida para o Estado e não era nenhuma componente do Orçamento. Os próprios credores, para a sua segurança, solicitaram a opinião legal, mas não à Procuradoria, precisamente pelo regime das empresas. Pediram às empresas correspondentes em Moçambique de advogados e a empresa que deu essa garantia foi Couto, Graças e Associados. Portanto, ele (escritório de advogados) deu as garantias de que estava tudo bem.”
“Primeiro, a representação do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Maputo é um escritório apenas. Não é uma instituição que discute com o Governo as políticas. Quem discute políticas com os governos são as missões do FMI. Nós tivemos várias cartas de intenções. Por isso que eu dizia que houve abertura do FMI para que se abrisse uma janela (que permitia ao Governo recorrer a financiamentos comerciais, em virtude de o país ter atingido um nível de crescimento tal, que as necessidades de financiamento não podiam ser cobertas somente com empréstimos concessionais). Em relação ao financiamento (das três empresas), estou há dois anos fora destas lides e nem tenho contacto com a documentação para ver se terá sido cumprida ou não (comunicação com o FMI). Mas seja como for, analisadas as coisas, quem obrigava era o credor. Mas o credor acabou aceitando avançar sem que esta cláusula (comunicação com o FMI) tivesse sido cumprida. Então, eu penso que quem deve responder, ou quem estaria mais interessado era o credor. Se fosse uma condição que estivesse na lei moçambicana, tudo bem. Aí tínhamos que respeitar. Mas se é o credor que dizia que temos que comunicar ao FMI e depois ele acaba accionando o financiamento (sem que o Governo tenha comunicado ao FMI), não vejo a relevância para discutirmos isso neste momento.”
Concessão de garantias fora dos limites legais e sem autorização da AR
“ Em relação ao aval, dissemos que de facto há o valor indicado na Lei Orçamental e não no Orçamento do Estado. Portanto, na Lei Orçamental há o valor (limite do aval) que infelizmente para este caso nós não cumprimos. Mesmo quando fomos ouvidos na Procuradoria, foi a primeira coisa que nós dissemos que não conseguimos cumprir com o (limite) valor do aval. Mas há atenuante: é que este número não prejudica o Orçamento (do Estado), não afecta o défice orçamental e não afecta nada que o orçamento tenha previsto em termos de despesa por estar ali. Não tem ligação com o Orçamento. A receita não entrou para o Estado, entrou para as empresas ou os serviços de que beneficiam do financiamento entraram para as empresas.
Eu expliquei aquilo que é o nosso pensamento relativamente à dívida como componente da despesa e o aval como valor indicativo para o cumprimento numa despesa potencial. O incumprimento não foi propositado. Quando eu digo que não foi cumprido, tal como acontece em outras linhas orçamentais, não estou a dizer que nós, de forma propositada, dissemos que não vamos cumprir.”
Terá havido pressões para se ultrapassar o limite do aval previsto na lei?
“Agradeço o apoio. Acho que encontrou as melhores palavras para me ajudar. Porque quando respondi à primeira pergunta, expliquei as razões que fizeram com que nós déssemos avales, aquelas razões todas que estão ali. E tendo em conta esta decisão que era preciso encontrar solução para aqueles problemas que eu me referi. De facto avançamos na emissão do aval. Mas terá sido mesmo a questão de pressão, a urgência de resolver aqueles problemas que fez com que, de facto, ultrapassássemos o limite da lei orçamental em termos de aval. É exactamente isso. Agradeço. Eu pensei que tinha referido a isso quando respondi a primeira pergunta. Mas volto a dizer que nunca houve intenções de incumprir com aquilo que são as bases legais para a realização da execução do orçamento. Quando falo da urgência, já é na altura em que o Estado é envolvido. Mas na fase anterior, as empresas andaram a tentar financiamento, mas infelizmente não conseguiram. E teria sido melhor se tivessem conseguido o financiamento sem o aval do Estado. (Portanto), quando falo da urgência, já é na (fase) intervenção do Estado para a tal concessão do aval.”
Submissão do governo à jurisdição dos tribunais ingleses e renúncia da sua imunidade
“Na contratação de financiamentos na Praça de Londres, é muito difícil conseguir que eles aceitem que o contrato seja regido por legislação do beneficiário, neste caso, que sejam tribunais de Maputo a dirimir situações de conflito. Nós fizemos tudo aquilo que era possível fazer, mas não conseguimos evitar que fossem estes tribunais (ingleses) e isto tem sido a prática para este tipo de situações. Seja como for, nós achamos que terá havido entendimentos que também nos beneficiam, entendimentos de cavalheirismo em situações em que não sejam cumpridas as cláusulas. E nós temos agora a situação que está a ser protelada pelos credores, tendo em conta este entendimento de cavalheirismo. Mas a resposta directa é esta: não conseguimos fazer aceitar que conste nos contratos outro tipo de jurisdição que não fosse a inglesa. E nós estávamos interessados. Para nós, os pedidos de financiamento tinham muita urgência. Infelizmente, não tínhamos a noção de que pudéssemos estar a abdicar da soberania, tendo em conta que isto acontece várias vezes quando há este tipo de financiamentos. É este o entendimento a que se chega.”
Base legal para directora do Tesouro assinar garantias em nome do estado
“O que eu sei, porque também fui director nacional do Tesouro, é que desde que haja uma credencial do titular das Finanças, o director (do Tesouro) pode assinar. Há muitos acordos de financiamento assinados por um director adjunto. Mas tem que ter a credencial do titular da pasta que diga que pode assinar”. Questionado pela CPI se teria credenciado a então a directora nacional do Tesouro (Isaltina Lucas, actual vice-ministra da Economia e Finanças), Chang disse desconhecer da existência do contrato assinado por ela (directora do Tesouro) e não se lembrava se tinha feito credencial para o efeito. Isaltina Lucas confirmou à CPI que “pelos procedimentos que existem e existindo uma credencial do ministro, pode o director do Tesouro, mas a garantia válida é garantia assinada no dia 14 de Junho de 2013, pelo ministro das Finanças” (Manuel Chang). Sobre o documento que assinou no dia 15 de Janeiro de 2013, dando garantias do Estado para o financiamento de 372 milhões de dólares pela Credit Suisse International para a PROINDICUS, Isaltina Lucas disse que não se tratava de contrato de garantia, mas sim do documento sobre os termos e condições do contrato.
O PAÍS – 07.12.2016
“O que tenho a esclarecer é que as empresas são do direito privado, embora com a participação maioritária do Estado. Sendo do direito privado, a sua constituição é decidida pelos accionistas, e foram eles que decidiram. Sobre a contratação de empréstimos, também segue o mesmo raciocínio. Foram os accionistas que decidiram procurar financiamento. Tinham tentado fazer o recrutamento do financiamento, não conseguiram sem o aval do Estado. Apareceu o sector, neste caso, o promotor, que é o SISE, a solicitar-nos as garantias e foi quando nós demos. O Ministério das Finanças é que decidiu pela emissão de garantias, tendo em conta as competências atribuídas pelo decreto presidencial (Decreto 1/2010, de 19 de Março, que cria o Ministério das Finanças). Normalmente, quando há contratação de endividamento directo pelo Estado, através do Tesouro, é necessário que haja aprovação deste financiamento pelo Conselho de Ministros e que haja uma opinião legal da Procuradoria-Geral da República. Neste caso, a nossa convicção na altura era de que não haveria nenhuma dívida para o Estado. Nós estávamos a dar garantia para que aquelas empresas pudessem realizar (o investimento) e rapidamente amortizarem as suas dívidas.”
Razões para se prescindir da opinião legal da Procuradoria-geral da República
“Do nosso ponto de vista, ainda não estávamos perante uma dívida do Tesouro. O aval é potencial. Pode criar esta dívida, mas também pode não criar. Houve situações de avales que foram dados, por exemplo, a LAM teve aval para comprar aviões e os TPM tiveram aval para comprar autocarros. Nos dois casos, não foi preciso chegar a este ponto. Portanto, a nossa convicção naquela altura era de que as empresas iam pagar. Supondo que de facto acontecesse aquilo que está a acontecer agora, então, é nesta altura que se deve submeter já como dívida à decisão do Conselho de Ministros. (Ou seja), não pagando, o assunto volta para o Conselho de Ministros. Nós considerávamos que não era ainda dívida para o Estado e não era nenhuma componente do Orçamento. Os próprios credores, para a sua segurança, solicitaram a opinião legal, mas não à Procuradoria, precisamente pelo regime das empresas. Pediram às empresas correspondentes em Moçambique de advogados e a empresa que deu essa garantia foi Couto, Graças e Associados. Portanto, ele (escritório de advogados) deu as garantias de que estava tudo bem.”
“Primeiro, a representação do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Maputo é um escritório apenas. Não é uma instituição que discute com o Governo as políticas. Quem discute políticas com os governos são as missões do FMI. Nós tivemos várias cartas de intenções. Por isso que eu dizia que houve abertura do FMI para que se abrisse uma janela (que permitia ao Governo recorrer a financiamentos comerciais, em virtude de o país ter atingido um nível de crescimento tal, que as necessidades de financiamento não podiam ser cobertas somente com empréstimos concessionais). Em relação ao financiamento (das três empresas), estou há dois anos fora destas lides e nem tenho contacto com a documentação para ver se terá sido cumprida ou não (comunicação com o FMI). Mas seja como for, analisadas as coisas, quem obrigava era o credor. Mas o credor acabou aceitando avançar sem que esta cláusula (comunicação com o FMI) tivesse sido cumprida. Então, eu penso que quem deve responder, ou quem estaria mais interessado era o credor. Se fosse uma condição que estivesse na lei moçambicana, tudo bem. Aí tínhamos que respeitar. Mas se é o credor que dizia que temos que comunicar ao FMI e depois ele acaba accionando o financiamento (sem que o Governo tenha comunicado ao FMI), não vejo a relevância para discutirmos isso neste momento.”
Concessão de garantias fora dos limites legais e sem autorização da AR
“ Em relação ao aval, dissemos que de facto há o valor indicado na Lei Orçamental e não no Orçamento do Estado. Portanto, na Lei Orçamental há o valor (limite do aval) que infelizmente para este caso nós não cumprimos. Mesmo quando fomos ouvidos na Procuradoria, foi a primeira coisa que nós dissemos que não conseguimos cumprir com o (limite) valor do aval. Mas há atenuante: é que este número não prejudica o Orçamento (do Estado), não afecta o défice orçamental e não afecta nada que o orçamento tenha previsto em termos de despesa por estar ali. Não tem ligação com o Orçamento. A receita não entrou para o Estado, entrou para as empresas ou os serviços de que beneficiam do financiamento entraram para as empresas.
Eu expliquei aquilo que é o nosso pensamento relativamente à dívida como componente da despesa e o aval como valor indicativo para o cumprimento numa despesa potencial. O incumprimento não foi propositado. Quando eu digo que não foi cumprido, tal como acontece em outras linhas orçamentais, não estou a dizer que nós, de forma propositada, dissemos que não vamos cumprir.”
Terá havido pressões para se ultrapassar o limite do aval previsto na lei?
“Agradeço o apoio. Acho que encontrou as melhores palavras para me ajudar. Porque quando respondi à primeira pergunta, expliquei as razões que fizeram com que nós déssemos avales, aquelas razões todas que estão ali. E tendo em conta esta decisão que era preciso encontrar solução para aqueles problemas que eu me referi. De facto avançamos na emissão do aval. Mas terá sido mesmo a questão de pressão, a urgência de resolver aqueles problemas que fez com que, de facto, ultrapassássemos o limite da lei orçamental em termos de aval. É exactamente isso. Agradeço. Eu pensei que tinha referido a isso quando respondi a primeira pergunta. Mas volto a dizer que nunca houve intenções de incumprir com aquilo que são as bases legais para a realização da execução do orçamento. Quando falo da urgência, já é na altura em que o Estado é envolvido. Mas na fase anterior, as empresas andaram a tentar financiamento, mas infelizmente não conseguiram. E teria sido melhor se tivessem conseguido o financiamento sem o aval do Estado. (Portanto), quando falo da urgência, já é na (fase) intervenção do Estado para a tal concessão do aval.”
Submissão do governo à jurisdição dos tribunais ingleses e renúncia da sua imunidade
“Na contratação de financiamentos na Praça de Londres, é muito difícil conseguir que eles aceitem que o contrato seja regido por legislação do beneficiário, neste caso, que sejam tribunais de Maputo a dirimir situações de conflito. Nós fizemos tudo aquilo que era possível fazer, mas não conseguimos evitar que fossem estes tribunais (ingleses) e isto tem sido a prática para este tipo de situações. Seja como for, nós achamos que terá havido entendimentos que também nos beneficiam, entendimentos de cavalheirismo em situações em que não sejam cumpridas as cláusulas. E nós temos agora a situação que está a ser protelada pelos credores, tendo em conta este entendimento de cavalheirismo. Mas a resposta directa é esta: não conseguimos fazer aceitar que conste nos contratos outro tipo de jurisdição que não fosse a inglesa. E nós estávamos interessados. Para nós, os pedidos de financiamento tinham muita urgência. Infelizmente, não tínhamos a noção de que pudéssemos estar a abdicar da soberania, tendo em conta que isto acontece várias vezes quando há este tipo de financiamentos. É este o entendimento a que se chega.”
Base legal para directora do Tesouro assinar garantias em nome do estado
“O que eu sei, porque também fui director nacional do Tesouro, é que desde que haja uma credencial do titular das Finanças, o director (do Tesouro) pode assinar. Há muitos acordos de financiamento assinados por um director adjunto. Mas tem que ter a credencial do titular da pasta que diga que pode assinar”. Questionado pela CPI se teria credenciado a então a directora nacional do Tesouro (Isaltina Lucas, actual vice-ministra da Economia e Finanças), Chang disse desconhecer da existência do contrato assinado por ela (directora do Tesouro) e não se lembrava se tinha feito credencial para o efeito. Isaltina Lucas confirmou à CPI que “pelos procedimentos que existem e existindo uma credencial do ministro, pode o director do Tesouro, mas a garantia válida é garantia assinada no dia 14 de Junho de 2013, pelo ministro das Finanças” (Manuel Chang). Sobre o documento que assinou no dia 15 de Janeiro de 2013, dando garantias do Estado para o financiamento de 372 milhões de dólares pela Credit Suisse International para a PROINDICUS, Isaltina Lucas disse que não se tratava de contrato de garantia, mas sim do documento sobre os termos e condições do contrato.
O PAÍS – 07.12.2016
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