Carlos Nuno Castel-Branco
É possível ter empatia, solidariedade e sentimento perante a morte de alguém, seja de quem for, sobretudo se for violenta, sem ter que falsificar ou pintar de cor de rosa a vida dessa pessoa. Basta olhar para as faces retorcidas de dor e emoção dos familiares para o coração doer e as emoções de empatia e solidariedade se manifestarem, sem ser preciso simpatizar com os carácteres e percursos dos indivíduos. Para mim, isto aplica-se a qualquer pessoa, poderosa ou não, rica ou pobre, famosa ou anónima. Num país onde é mais fácil morrer que viver, onde se mata por ganância económica ou de poder, onde se exclui sistematicamente e se expõe o excluído à vontade e poder de vida ou morte do exclusor, onde as mortes e vidas de uns valem mais que as dos outros, onde se mata com violência rápida a tiro ou com violência lenta de fome ou de desespero social, onde a vida vale menos que qualquer mercadoria, num país assim os corações e as mentes endureceram e tornaram-se insensíveis. Como disse alguém nas redes sociais, corremos o risco de ruwandizar as nossas almas, de nos tornarmos em praticantes e pregadores de genocídio diário - uns pelo poder que têm, outros pela zanga que a miséria, a exclusão e a humilhação criaram. Entendemos e empatizamos com a dor de cada um, tal como entendemos a insensibilidade de muitos. Mas ser solidário com e respeitar a dor de um ser humano, e fazê-lo com humanidade e honestidade, não exige falsificar quem esta ou aquela pessoa foi ou é na sociedade. Não é preciso mentir sobre o que as pessoas representam para empatizar com elas no seu sofrimento humano. E empatizar com um indivíduo numa altura de dor e sofrimento não requer esquecer a dor e sofrimento dos muitos que tiveram os seus filhos e filhas, maridos e esposas, pais e mães, amigos e amigas chacinados na carnificina social que abala o nosso país - dos assassinatos aos raptos, da guerra às expropriações de modos de vida, do desemprego à destruição dos serviços sociais, da exclusão, descriminação e ostracização à bajulação do poder e da capacidade de exercer violência, da miseração e empobrecimento de dezenas de milhões ao enriquecimento desmesurado de um punhado de milhares, da ilicitação do poder à desonra criada para a imagem do país. É possível sentir e empatizar com a dor do próximo sem esquecer quem ele/ela são nesta cadeia de violência social sistemática. Não é preciso mentir. Não se pode ser realmente humano sendo-se hipócrita ao mesmo tempo." - Carlos Nuno Castel-Branco
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