"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



terça-feira, 25 de outubro de 2016

Dos cigarros à electricidade, minerais, cervejas


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Canal de Opinião por Noé Nhantumbo
Cooperação bilateral, reciprocidade ou a ausência de tudo isso?
Algo de muito esquisito se passa na cooperação Moçambique-África do Sul, se quisermos ler nas entrelinhas dos diferentes negócios estabelecidos entre os dois países.
Qualquer empresa moçambicana legalmente estabelecida que opere numa área de interesse específico de uma empresa baseada na África do Sul tem de estar atenta e preparada para defender os seus interesses, pois facilmente pode cair na rede dos tubarões e ver a sua actividade embargada ou prejudicada pela ATM ou outras instituições governamentais a favor do concorrente sul-africano.
Isto tem acontecido e, recentemente, relatos da “news24” reportam casos relativos a negócios de cigarros, em que concorrentes moçambicanos viram as suas actividades afectadas no país, mesmo operando legalmente. Uma poderosa empresa tabaqueira operando na África do Sul conseguiu introduzir-se no país e ditar ordens, para além de ser fornecedora de combustível e obviamente outros incentivos, para que unidades móveis da Alfândega moçambicana montasse operações de perseguição e controle dentro do país, com o objectivo de combater supostamente contrabando de cigarros.
Se, aparentemente, as operações contra o contrabando de cigarros são necessárias, o que convém demonstrar e denunciar é que não se pode atacar empresas nacionais operando legalmente e em território nacional, em benefício da concorrência sul-africana.
Outra coisa que deve ficar claramente bem dita, e repetida quantas vezes forem necessárias, é que Moçambique não é colónia da África do Sul.
Os poderosos interesses corporativos sul-africanos ou representando outros, internacionais, de multinacionais baseadas no Ocidente, têm tido quase carta-branca para actuar em Moçambique.
A estrutura dos negócios montados e a forma agressivamente violenta com que são perseguidos têm recebido uma resposta manifestamente fraca por parte dos moçambicanos.
Os “lobbies” sul-africanos estão habituados a “passear” a sua classe em Maputo e a conseguir tudo o que querem, em nome de uma supremacia tecnológica e financeira.
O panorama de monopólio sul-africano lembra a “Constelação de Estados” defendida por John Voster.
A SADC resume-se, de forma indelével, à tal “Constelação de Estados”, tendo como núcleo a África do Sul.
Compreende-se e é de admitir que a a cooperação tem de acontecer entre vizinhos. É salutar observar que dessa cooperação existem histórias de sucesso.
Mas essas poucas histórias de sucesso não nos podem cegar para não vermos o que está sendo a ausência de reciprocidade e o autêntico saque dos recursos de países como Moçambique.
Saque que até atinge as empresas moçambicanas operando dentro de toda a legalidade prescrita.
O que se passa na venda energia da HCB já é histórico e gritante. A África do Sul pós-“apartheid” aproveita-se de maneira clara de contratos assinados durante a era do “apartheid” para adquirir energia eléctrica a preços completamente desajustados da realidade mundial. E politicamente diz-se que estamos cooperando, ou que somos países amigos.
O que estranhamente acontece na esfera económica entre Moçambique e a África do Sul reflecte ambivalência, imposição e existência de relações extremamente desiguais numa situação em que se poderiam estabelecer relações realmente de cooperação e reciprocidade.
Moçambique está como que recebendo ordens do “papão” sul-africano para tudo.
Numa altura em que se fala do fortalecimento da SADC e da cooperação regional, é necessário que os políticos “vejam com olhos de ver” o que está acontecendo na realidade.
Montar a MOZAL e depender de energia importada da África do Sul, quando somos possuidores da HCB, parece, no mínimo, caricato. Vender a mesma energia ao desbarato à ESKOM e depois importá-la a preços actuais do mercado só pode ser, no mínimo, um negócio muito estranho.
Das cervejas, hoje um virtual monopólio sul-africano, até se poderia escrever um livro. Venderam-se fábricas viáveis e em pleno funcionamento ao gigante sul-africano, e a isso só quem participou no negócio ou negociata é que pode responder.
Alguma coisa tem de ser feita pelo Governo e pelas autoridades moçambicanas em defesa da sua economia, da existência e funcionamento das empresas moçambicanas.
A viabilidade da exploração dos nossos recursos e serviços pode e deve acontecer.
Assim como os sul-africanos têm o seu Governo defendendo as suas empresas, o mesmo tem de acontecer deste nosso lado.
Poderíamos estar ganhando muito mais, se houvesse mais agressividade, regularidade, qualidade e regulação governamental.
Se alguma coisa ou coisas não estão sendo bem feitas, há espaço para corrigir e intervir, de modo a que empresas, os moçambicanos saiam beneficiados nos processos de integração regional.
Mas é preciso não ter ilusões num mundo cada vez mais competitivo, em que a concorrência pode ganhar contornos agressivos e em que ilicitudes e buracos legais podem ser aproveitados para alavancar vantagens unilaterais.
Uma das formas que empresários moçambicanos podem e devem utilizar em sua defesa é a denúncia fundamentada e documentada de concorrência desleal.
Também é importante ver as associações empresariais construir e promover relações próximas e dinâmicas com o Governo, de modo a que este tome em conta a agenda concreta das empresas nacionais.
A CTA deve aparecer como defensora real dos seus associados e mesmo dos que não são membros.
De cada um dos elementos constantes no título acima, cada um pode merecer análises profundas.
Mas todos e qualquer problema só podem ser tratados se forem conhecidos.
É preciso ter a coragem de denunciar, mesmo que aparentemente seja um gigante como British American Tobacco, Sasol, Eskom ou Mozal.
A SABMILLLER existe entre nós depois de uma manobra de “lobistas” e interesse privados nacionais.
Embora isso agora seja passado, é necessário que o caso seja estudado, para não ser repetido.
Somos fracos e tecnologicamente pouco desenvolvidos, mas não se justifica que o “catering” de uma exploração petrolífera ou carbonífera tenha que ser feito por uma empresa sul-africana.
Se os nossos grandes empresários são capazes de abastecer “diesel” a operações gigantes, porque não se descobrem ou se encontram moçambicanos fazendo “catering” substantivo e de qualidade para as multinacionais que operam no país?
E porque não aparece o nosso Governo e as suas instituições abertamente defendendo as empresas moçambicanas licenciadas que estão sendo agredidas pelas grandes sul-africanas através de nossa Alfândega?
Uma classe empresarial forte deve merecer defesa do Executivo nacional como prioridade nacional.
Passar das palavras para os actos é a palavra de ordem! (Noé Nhantumbo)
CANALMOZ – 25.10.2016

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