Pela primeira vez após a aprovação da nova Lei do Ministério Público, ou seja, a Lei n.º 4/2017, de 18 de Janeiro, aplicável desde esse ano e por isso não coberta pelo relatório de 2017, o ProcuradorGeral apresentou o seu Informe à Assembleia da República com base nos ditames constitucionais e na referida lei que esclarece em que matérias o Informe se deve cingir. Designadamente, o Informe “... aborda o estágio geral do controle da legalidade...”, segundo o preceituado no n.º 2 do Artigo 17.
Sobre este prisma o único avanço verificado foi no sentido de se referir às matérias sobre as quais o Informe deve ser apresentado, mas em termos substanciais nada de novo foi acrescido. Mantém-se o conceito sempre indiscriminado do segredo de justiça, sem o balizar, o que torna o relatório pouco relevante em termos de informação que de facto demonstre as acções concretas ou falta de acção do Ministério Público, conforme a alínea d) do Artigo 17 do mesmo instrumento legal prescreve: o Informe deve conter “Aspectos relevantes das funções do Ministério Público no âmbito da administração da justiça, com salvaguarda do segredo de justiça”.
As matérias atinentes ao segredo de justiça devem ser respeitadas, sim, no seu essencial, mas claramente acaba-se esvaziando o conteúdo do Informe pelo facto de o segredo de justiça ser levado a um extremo inconcebível. Isto é, sobre certas matérias o Ministério Público escuda-se neste instituto jurídico para não informar a sociedade sobre aspectos que não deveriam ser enquadrados no referido instituto jurídico.
Informe do Procurador-Geral de 2018 Demonstra a Contínua Inoperância/ Ineficácia do Ministério Público
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Aspectos de Análise Geral no que Tange a Ocorrência de Casos de Corrupção
O Informe começa por se debruçar, na parte referente as acções de prevenção e combate à corrupção, sobre a matéria relacionada com corrupção na acção da Polícia de Trânsito (PT). E fá-lo em termos vagos, sem apresentar dados estatísticos. Refere que a PT denunciou automobilistas que tentaram pagar suborno para não serem sancionados por violação de regras do Código Estradal. O Informe não apresenta, contudo, o número dos automobilistas alegadamente envolvidos nessas práticas e nem o volume indiciário dos valores que os mesmos estavam dispostos a pagar indevidamente para se verem livres do sancionamento, este em grande medida referente ao pagamento de multas e, noutros casos, à apreensão de cartas de condução sobretudo por condução na via pública depois do consumo de álcool. Um trabalho conjunto entre o regulador do sector, no caso o Instituto Nacional dos Transportes Terrestres (INATTER), que faz parte das brigadas de fiscalização nas acções incetadas, visando o controlo da condução na via pública e a PT, solicitado pela PGR, podia fornecer os dados estatísticos em questão.
Com a indicação do número de casos e valores envolvidos ter-se-ia uma média no sentido de saber se tais valores são significativos ou não para merecerem destaque no Informe ou se não se está no campo da chamada “pequena corrupção” ou “corrupção de bagatela” a que as estatísticas do Gabinete Central de Combate à Corrupção se tem referido amiúde. Portanto, a PGR deve trazer as estatísticas da acção da PT em termos de casos e valores envolvidos, mesmo que de forma indiciária, como tenta fazer noutro tipo de situações criminais de corrupção.
A verdade é que, vezes sem conta, os agentes da PT também se envolvem em actos de extorsão aos automobilistas e só em casos de tentativas de subornos com valores irrisórios é que apresentam denúncias. Neste prisma, o Informe deveria também referir-se ao número de agentes da PT que tivessem sido denunciados por automobilistas por tentativa de extorsão ou por cobrança de valores para não sancionarem os automobilistas infractores.
No que tange aos inspectores da Inspecção Nacional das Actividades Económicas (INAE), que se alega terem denunciado más práticas de agentes económicos e da tentativa destes de os subornar para não cumprirem a sua missão inspectiva, o Informe também não se refere ao número de casos e nem aos valores envolvidos, como acontece com a informação partilhada sobre a PT. No entanto, é importante trazer informação substancial referente ao número de casos denunciados, isto é, quantos processos estão em fase de inquérito e quantos deram lugar à abertura de processos-crime para a responsabilização criminal. Estes dados devem ser apresentados de forma discriminada, tanto os referentes a actuação da PT como os da INAE, cujas actividades têm vindo a ganhar relevância e mediatismo e que, devido à sua relevância, podem constituir novos focos para a prática de actos de corrupção.
Outrossim, o Informe refere que é necessário que estes agentes públicos (no caso da PT e INAE) continuem a denunciar casos de corrupção, encorajando-os nesse sentido. Entretanto, há que referir que os números de casos denunciados poderia ser maior, se a Lei n.° 15/2012, de 14 de Agosto (Lei de Protecção a Vítimas, Denunciantes, Testemunhas, Peritos e Outros Sujeitos Processuais), estivesse a ser aplicada. Aliás, um dos motivos que levou a sua produção e consequente aprovação foi o de esta dever contribuir para aumentar o número de denúncias, sem necessidade de recurso ao anonimato. É que desde que foi aprovada em 2012, em nenhum momento esta lei foi aplicada, tendo em atenção
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que a mesma revogou o mecanismo legal de protecção de denunciantes, na altura vigente, e que estava previsto na Lei n.° 6/2004, de 17 de Junho, que se revelara pouco eficaz. Em termos práticos (e não legais), existe uma lacuna no que tange a existência e aplicação de regras de protecção dos envolvidos em matéria processual penal. Isto é, não surte efeitos jurídicos e nem práticos, aprovar uma lei importante para o combate a criminalidade em geral e em particular aos crimes de corrupção, e, depois, não aplicá-la perante situações criminais concretas do quotidiano. Trata-se, pois, de mais uma lei cosmética, das muitas que fazem parte da “paisagem jurídica” do ordenamento jurídico moçambicano.
Pelo que somente encorajar, sem que o instrumento legal em causa seja aplicado, não irá contribuir para o aumento de denúncias, pois os denunciantes acabam por ter receio de represálias da parte dos visados. Este facto conduz ainda a que um número considerável de denúncias seja feito a coberto do anonimato. Aliás, o Informe de 2018 refere que cerca de 40 denúncias feitas ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) foram feitas na condição de anonimato.
No que tange às palestras realizadas em 2017, o Informe refere que foram em número de 179 e que contaram com 19.515 participantes. Aqui existe pelo menos uma situação contraditória, que se refere à falta de eficácia na prevenção da ocorrência de casos de corrupção usando o mecanismo das palestras. É que anualmente o número de casos de corrupção reportados pelo GCCC tem vindo a aumentar com relação ao ano anterior. Por exemplo, em 2017 deram entrada no GCCC 1.059 processos contra 957 em 2016. Há, pois, que começar a questionar a eficácia deste mecanismo das palestras na prevenção de casos de corrupção. Na prática, tem se revelado ineficaz.
No que tange às linhas verdes há que esclarecer se as mesmas são gratuitas ou não, pois, quem é assolado pela corrupção nos hospitais públicos e nas diversas instituições públicas muitas vezes é a população carente de meios financeiros que não tem condições para ter crédito no celular para comunicar às autoridades os casos de corrupção de que é alvo. Há, pois que disponibilizar linhas gratuitas para a apresentação das denúncias. Outrossim, deviam ser enviados os contactos por via dos telefones celulares de tempo a tempo para os cidadãos, mesmo que tal fosse feito na condição ou no formato de campanhas, como, por exemplo, acontece quando se fazem campanhas de vacinação de crianças, para os recordar da necessidade de denunciarem casos de corrupção. O que acontece é que as linhas não são realmente verdes, mas o cidadão deve pagar pelo seu uso, o que constitui uma contradição e mina os esforços de combate à corrupção, ou, pelo menos, à chamada “pequena corrupção” em que este mecanismo é ou pode ser mais eficaz.
No que tange aos panfletos distribuídos em 2017, em número de 105, para as instituições públicas, há que questionar o número de funcionários do Estado existentes para tão exíguo número de documentos distribuídos. Será este número suficiente ou o mesmo serve para se referir que houve acções de sensibilização sem, contudo, se mostrar resultados? A título ilustrativo, só em 2015 existiam 332.155 funcionários e agentes do Estado1, acrescendo que vários têm vindo a ser nomeados. Logo o número de panfletos distribuídos deve ser repensado.
No que tange à incidência nos órgãos de comunicação de acções de sensibilização para a prevenção da corrupção, não encontramos qualquer referência à divulgação de informação através das rádios comunitárias. O Informe refere-se apenas a televisão e rádios convencionais. Mas é sabido que os meios de comunicação como as rádios convencionais e a televisão pecam por não serem abrangentes ou terem uma abrangência bastante reduzida. Assim, o recurso às rádios comunitárias auxiliaria no sentido de abranger mais cidadãos, principalmente à população das zonas rurais, onde a rádio comunitária muitas vezes é o único meio de comunicação que faz chegar informação às comunidades ali residentes que rurais que, aliás, são em maior número em Moçambique.
1 Estatísticas dos Funcionários e Agentes do Estado (2014-2015), Ministério da Administração Estatal e Função Pública (MAEFP), editor MAEFP, 2016, Mputo, pág. 103
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Estatísticas Sobre a Componente Repressiva no Combate à Corrupção em 2017 Demonstram Fracasso do GCCC
Segundo o Informe, em 2017 deram entrada 1.059 processos: destes, 582 entraram nas Procuradorias e 477 nos Gabinetes; destes entrados nos Gabinetes, 40 foram autuados como denúncias anónimas, como já referido, 33 foram denunciados através das alegadamente chamadas linhas verdes, e houve 18 participações de instituições públicas, tendo 7 entrado no GCCC por via do Tribunal Administrativo e também deram entrada no órgão 22 relatórios de auditoria provenientes da a Inspecção-Geral de Finanças.
Dos 1.059 entrados no ano corrente, em igual período do ano passado entraram 957, o que significa que houve um acréscimo de processos entrados que vieram juntar-se aos 538 transitados do ano anterior, perfazendo um total de 1.597 processos tramitados, contra 1.235 do ano anterior.
Estes números demonstram um ligeiramento aumento dos processos entrados em 2017, comparativamente aos quantificados em 2016, e, consequentemente, como já se referiu, o fracasso dos mecanismos de prevenção, com recurso as palestras que são ministradas pelo GCCC e já agora, através de “spots” exibidos por via das televisão e rádios. É preciso que se faça uma auditoria a estas formas de acção do GCCC para se concluir se elas produzem efeitos e se não existem outros mecanismos mais eficazes para fazer a sensibilização dos cidadãos, em geral, e dos agentes e funcionários públicos e outras entidades, em particular. É que, amiúde, se registam aumentos de casos de corrupção denunciados e consequentemente entrados no GCCC, mesmo com a realização de palestras presenciais e exibição de “spots” de sensibilização com recurso aos meios de comunicação ou a mídia, para dissuadir os cidadãos em geral (incluindo funcionários e agentes do Estado), a evitarem se envolver em actos de corrupção pela nocividade social que estes causam e pelo facto de os mesmos, nos termos da lei, serem passíveis da aplicação de medidas sancionatórias.
Outro aspecto que continua a demonstrar letargia do Ministério Público prende-se com a não existência de casos de corrupção no Informe referentes ao sector privado e que tenham sido instruídos e acusados por aquela instância. Só se conhecem casos de corrupção a nível do sector público, contrariando em grande medida o que se encontra estabelecido nas convenções internacionais anticorrupção, aprovadas e ratificadas por Moçambique, que recomendam a punição da corrupção no sector privado. Aliás, o Código Penal (CP) em vigor traz disposições que, embora pouco claras a respeito, prevêem a punição da corrupção no sector privado. Ora, tem que existir uma acção proactiva do GCCC sobre este sector concreto, divulgando informação aos agentes privados no sentido de que a corrupção é também criminalizada e sancionada a este nível e que, como tal, deve ser denunciada. Além disso, quer-se sempre uma acção proactiva da parte do Ministério Público na detecção de indícios de corrupção a nível do sector privado e a sua consequente instrução e criminalização. Isto é, já é altura do Ministério Público abandonar a sua velha prática de procurar responsabilizar apenas os casos de corrupção a nível do sector público, como acontece com a realização de palestras de sensibilização que só cobrem os servidores públicos.
No que tange ao crime de desvio de fundos ou peculato o mesmo continua a ser o “modus operandi” na actuação de alguns funcionários e agentes do Estado, com Nampula a assumir a dianteira em 2017 (59), seguida pela cidade de Maputo (27) e província de Inhambane (24). O que se questiona é, mais uma vez, se tais funcionários envolvidos e os agentes do Estado não são abrangidos nas palestras de sensibilização ou existem outros incentivos que os levam a persistir em tais práticas. Há que perceber
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as motivações para que tais práticas continuem a acontecer de forma sucessiva e reiterada.
O Caso do Fundo de Desenvolvimento Agrário (FDA), que foi julgado no ano transacto, é disso um exemplo paradigmático e eloquente, e, ainda, demonstrativo do recurso constante a esta tipologia criminal por parte dos gestores públicos, funcionários e agentes do Estado. Daí que se tem conferido destaque a informação relativa ao seu cometimento em quase todos ou todos os Informes até hoje apresentados. É, sem dúvida, uma prática antiga e reiterada que tende a enraizar-se ou mesmo já se enraizou na função pública moçambicana e que por isso, exige a aplicação de medidas administrativas concretas e eficazes visando a sua mitigação, ou mesmo, estancamento sem discurar a componente repressiva jurídico-criminal.
Mais ainda: há que afunilar as regras previstas na Lei de Probidade Pública no sentido de não permitir certas práticas em dirigentes superiores do Estado e criminalizá-las em diplomas legais específicos. Exemplificando: proibir pagamento de certas despesas pessoais a gestores do erário público com fundos do Estado e proibir aquisição de bens para benefício próprio com fundos públicos, entre outros, que saem fora das hospitalidades proibidas pela Lei de Probidade Pública ou do uso de dinheiros públicos para se fazer pagar em situações não previstas na lei, mesmo que a posteriori, venham a fazer a devolução de tais fundos aos cofres do Estado. Tal não deixa de ser um acto de má gestão, devendo por conseguinte merecer o devido sancionamento. Estás situações ou actos de má gestão estão denunciados no Informe de 2018, mas o seu sancionamento ainda apresenta lacunas no ordenamento jurídico, por este não prever a maioria de tais práticas e consequentemente não criminalizá-las.
No que tange à informação acerca de processos que tiveram o seu início em matérias ligadas à violação de regras atinentes à contratação pública, como aconteceu nos anos anteriores, no sentido de se saber qual o valor em que o Estado foi lesado nos mesmos, a informação revelada no Informe de 2018 se mostra vaga, sabendo-se e reconhecendo a PGR que há funcionários que se envolvem em más práticas para se locupletarem, designadamente os das Unidades Gestoras e Executoras de Aquisições (UGEAs), como se elucida. Não se apresenta o número de processos criminais instaurados de forma discriminada referentes a tal matéria, no que se refere aos factos ocorridos em 2017 e nem quantos funcionários estão sob a alçada do Tribunal Administrativo para efeitos de responsabilização financeira. Esta informação falta no Informe apresentado, o que, a existir, contribuiria como um meio de dissuasão para funcionários que potencialmente pudessem querer envolver-se em actos de semelhante natureza.
Sobre os mecanismos de fiscalização das UGEAs pelo MP, em parte a questão está tratada na Lei n.° 4/2017, em que se refere na alínea x) do Artigo 4 que ao Ministério Público cabe “fiscalizar, na qualidade de garante da legalidade, os contratos celebrados entre o Estado e outros entes com valor superior a 600 salários mínimos nacionais da Função Pública”. Cabe, pois, ao MP realizar todas as deligências com vista a cumprir com o que este comando legal preceitua e apresentar resultados que indiciem que estas práticas estão a diminuir pela sua acção a este nível, como: pagamento de comissões; sobrefacturação de bens e serviços com o fim de retirar fundos do erário público; apresentação de propostas baixas para colocar adendas; uso indevido do ajuste directo; pagamento antecipado de bens e serviços, entre outros.
No que se refere à criação de secções especializadas nos tribunais para se ocuparem exclusivamente dos casos de corrupção, trata-se de uma proposta de introdução de uma medida acertada e que, certamente, conduzirá à celeridade no julgamento de tais casos, com todas as vantagens daí advenientes. É também outra medida acertada a proposta de se criar uma unidade especializada para a recuperação de activos obtidos através de actividades ilícitas, mormente, da prática de actos de corrupção. Tais medidas a serem adoptadas contribuiram grandemente para o combate à corrupção,
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pois no primeiro caso, retirar-se-ia a tramitação dos processos de corrupção da criminalidade comum, dadas as suas especificidades e complexidade própria e a necessidade premente do seu combate, tendo em conta o nível de incidência e os danos que causa ao tecido económico e social do país, com repercussão na não melhoria da vida das populações.
Aliás, no presente mandato, o Governo do presidente Nyusi se comprometeu a fazer face a este mal, como sua primeira e principal prioridade, durante o quinquénio que caminha a passos largos para o seu final.
No que se refere a recuperação de activos de forma eficaz, com a criação de uma unidade especializada, tal contribuiria para disseminar a mensagem de que o crime não compensa e atingiria o âmago dos corruptos, contribuiria dessa forma para dissuadir potenciais agentes a não se envolverem em actos de corrupção. Contudo, é necessário que tais medidas se mostrem eficazes e surtam os efeitos que são desejados, para ganharem legitimidade e merecerem apoio necessário da sociedade.
O que é de discordar é que no Informe se refira que, a criação dessas secções especializadas no julgamento de casos de corrupção junto dos tribunais irá contribuir para o aumento de denúncias de casos de corrupção, porque as pessoas verão os casos denunciados resolvidos com celeridade e assim, ganharão maior confiança para os denunciar. Indirectamente, até se pode alcançar tal desiderato, mas de forma directa, tal só poderá ser conseguido através ou por intermédio da aplicação da Lei de Protecção de Vítimas, Denunciantes, Testemunhas, Peritos e Outros Sujeitos Processuais.
Realçar que contudo, a informação relativa a aplicação do “Pacote Anti-Corrupção” falta no Informe, e devia do mesmo constar, atendendo que o Código Penal está em revisão, concomitantemente acontecendo o mesmo com a Lei de Probidade Pública e a referente a protecção dos intervenientes no processo penal não está a ser aplicada. Há pois uma clara discontinuidade na apresentação de tal informação.
Falta Informação Sobre o Nível de Recuperação de Activos para Uma Correcta Análise
O Informe de 2018 refere que foram apreendidas por congelamento de contas bancárias na fase de instrução preparatória 16.194.742,39 Mt e 28.676,28 USD, o que totaliza em Meticais a soma de 17.915.319.19 Mt. O que não se refere é o valor total indiciário desviado, tendo em conta os processos que estavam e estão em curso desde 2017 no Ministério Público ou no GCCC para se comparar o nível de recuperações, também indiciário, uma vez que o valor se refere a processos que ainda não tiveram o seu desfecho junto dos tribunais. Esta metodologia de apresentação de informação acontecia nos anos anteriores, nos respectivos Informes, o que não acontece no de 2018, o que significa que em termos práticos há um retrocesso, consubstanciado num défice na qualidade da informação partilhada sobre a matéria.
Ainda no Informe em análise reconhece-se que os valores em causa estão aquém do que realmente o Estado foi prejudicado ou lesado, referindo-se à necessidade de criação de uma entidade para a recuperação de activos. Esta informação reforça a necessidade de se incluirem no Informe os valores indiciários desviados para a sua correcta análise e verificação dos progressos nesta matéria.
Refere-se ainda a apreensão de um imóvel avaliado em 23.724.683,19 Mt e 5 viaturas de diferentes marcas e modelos. O que não se diz é de onde, e o que motivou tais apreensões. Será por casos de
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corrupção ou outros? Será que tais bens são produtos directos do crime de corrupção ou se pretende com a sua apreensão indemnizar o Estado pelos danos causados se vier a ser comprovado em sede de julgamento a prática de actos de corrupção, tratando-se no caso de uma apreensão com carácter preventivo ou se quisermos a materialização prática e não legal do instituto do “Arresto Preventivo”? Se atentarmos que, de uns tempos, a esta parte, a Procuradoria-Geral tem se referido a falta de legislação específica para a apreensão de bens que se suspeita advenientes da prática de crimes de corrupção. Devem ser trazidos mais esclarecimentos sobre as apreensãoes referidas. Sobre o “Caso das Dívidas Ilícitas” Não São Apresentados Progressos Substanciais Senão Informação Já Conhecida Há quase a continuação de um mutismo, também quase que absoluto na Procuradoria-Geral da República, no que tange às acções que está ou não a levar a cabo, visando a investigação do processo relacionado com as dívidas ilicitamente contraídas durante a governação de Armando Emílio Guebuza como Presidente da República.
A referência no Informe de 2018 como tendo havido momentos de interacção com o público não passa de situações esporádicas e com informação partilhada pela Procuradoria-Geral da República escassa e sem qualquer relevância ou substância para o esclarecimento da matéria ciminal.
No que tange ao destaque que é dado ao facto de o processo ter sido encaminhado ao Tribunal Administrativo devido a algumas infracções que são da sua competência analisar e decidir, ou seja, que devem estar na alçada daquele órgão, essencialmente infracções de natureza financeira e outras administrativas, com vista à responsabilização dos gestores e servidores públicos alegadamente envolvidos, há que referir o seguinte: quanto às infracções de natureza estritamente financeira, há uma clara fuga para frente por parte da Procuradoria-Geral da República, se se atender que este órgão, nos termos da nova Lei do Ministério Público, a já referida Lei n.º 4/2017, detém a competência de “dirigir a instrução de processos por infracções (...) financeiras ...”, segundo o estabelecido na alínea f) do artigo 4.
Assim sendo, escusava-se a Procuradoria-Geral de apresentar uma informação óbvia. Ademais, a mesma pode ainda promover tais acções de responsabilidade financeira que pesem dos gestores de bens e fundos públicos, nos termos da alínea g) do diploma legal supra-referido. Nada mais se referiu a não ser de matérias que estão na sua competência e que tem obrigação de num caso agir da forma que o fez e noutro promover que o Tribunal Administrativo investigue.
Quanto à não divulgação de informação constante do relatório da Kroll, Associates UK, em que a Procuradoria-Geral da República se escuda no segredo de justiça, deve-se ter em atenção que existem limites para o segredo de justiça. O que se pretende de momento não é devassar o relatório em questão e trazer a público matéria relevante a este, o que seria, sim, violação do segredo de justiça e da presunção de inocência dos alegadamente implicados. Mas, por enquanto, conclui-se que o uso destes institutos jurídicos visa a defesa da Procuradoria-Geral da República para a não divulgação de informação, mesmo, colateral ao processo. O segredo de justiça tem limites e não tem abragência sobre toda a matéria referente aos autos.
Aliás, colidem neste caso, dois institutos jurídicos e ambos com dignidade constitucional e sem que existam questões de hierárquia, no sentido de um dever ser mais protegido com relação ao outro:
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o da presunção da inocência que conduz necessariamente ao chamamento a colação do instituto jurídico do segredo de justiça e o do direito à informação. Pelo que, há que sopesar ambos, de modo a que nenhum fique prejudicado, nem a sociedade em primeira e última instância. Por uma lado, os cidadãos tem o direito a serem informados e por outro, vinga o princípio da presunção da inocência, no sentido de que nenhum cidadão pode ser condenado, sem que exista uma sentença produzida por um tribunal competente e transitada em julgado, isto é, sem possibilidade de contra a mesma ser intentado qualquer tipo de recurso ordinário.
Assim, cabe a Procuradoria-Geral informar sobre o estágio do processo das dívidas ilegais, sem ferir os princíops em causa, desde que não se atenha a matéria dos autos em concreto. A não acontecer, como surge no caso presente, claramente que a Procuradoria-Geral da República está a colocar o princípio da presunção da inocência e consequentementemente do segredo de justiça numa posição hierarquicamente superior ao do direito a informação, subjugando este último para um plano secundário. A Procuradoria-Geral da República deve pois corrigir a sua forma de actuação no caso em concreto, não pondo em causa nenhum destes direitos. Aliás, como órgão que deve fiscalizar o cumprimento da legalidade, deve respeitar os ditâmes da lei.
Referir-se à fase da investigação e se estão constituidos arguidos e em que número e quantos mais intervenientes principais poderão vir a ser ouvidos, a que instituições internacionais estão a ser solicitadas informações, dentre outras matérias não essenciais à substância do processo ou a descoberta da verdade material, não configura violação de nenhum daqueles institutos, porque não se está a revelar matéria relevante do processo e nomes dos alegadamente envolvidos. Há que cumprir com a lei, mesmo para não legitimar as epeculações que têm vindo a público e que tem contribuido para a contínua descredibilização da Procuradoria-Geral da República junto da sociedade. Nenhum Prevaricador do Processo de Declaração de Bens Já Foi Sancionado e Alguns São Magistrados do Ministério Público O Informe de 2018 refere ainda que não procederam à entrega das declarações de bens e rendimentos 2.457 entidades que o deveriam fazer junto da Procuradoria-Geral da República, o que corresponde a 34.8% do total. No que se refere aos que devem fazer a declaração no Tribunal Administrativo estão em falta 100 declarantes, correspondentes a 22,3%. Referir que as entidades que devem depositar as declarações de bens e rendimentos junto do Tribunal Administrativo são os magistrados do Ministério Público.
Portanto, ao invés dos magistrados do Ministério Público em falta, e que fazem parte da instituição que deve receber e fazer a gestão das declarações de bens e rendimentos, de outras entidades, darem o exemplo, continuam eles mesmos a violar a Lei de Probidade Pública sem que também tenham merecido qualquer sanção prevista na lei que vai até à aplicação da pena de demissão como medida extrema e mais gravosa.
Outrossim, o Informe de 2018 não se refere ao número de servidores públicos que tenham sido sancionados pelo não depósito das declarações de bens, em atenção ao previsto na Lei de Probidade Pública. Será que por quanto tempo mais irão continuar as acções pedagógicas levadas a cabo pela Procuradoria-Geral da República com vista a consciencializar as entidades abrangidas pelo dever
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de apresentar a declaração de bens a fazê-lo? Realçar que tal procedimento, pedagógico, não se acha previsto na Lei de Probidade Pública e como tal, está a ser levado acabo pela entidade que deve fiscalizar o cumprimento da legalidade, ao arepio das competências.. Recorde-se que a LPP foi aprovada em 2012, pelo que antes devia ter havido por parte do Ministério Público um período de preparação visando a sua imediata aplicação, mas grave é que 5 anos depois a mesma não está a ser aplicada na sua plenitude e até já está em processo de revisão.
O facto de a Procuradoria-Geral estar de há uns tempos a esta parte a reivindicar a criação de uma lei de recuperação de activos, não será que as questões atinentes à sua não aplicação também se irão colocar? Isto é, tal lei a ser aprovada não seguirá o mesmo caminho da não aplicação? Para que serviu a aprovação do “Pacote Anti-Corrupção” se grande parte das suas leis ou não está a ser implementada ou o está sendo parcialmente?
Parece que este é um discurso no sentido de marcar a agenda do órgão, basicamente cosmética. O que o Ministério Público tem a dizer como fiscal da legalidade sobre leis aprovadas e não implementadas? Há que começar a responsabilizar as instituições responsáveis em primeira linha pela não implementação das leis aprovadas, quaisquer que sejam tais instituições. Tais instituições estão devidamente identificadas e são por isso, conhecidas.
Sobre o Branqueamento de Capitas – Poucos Progressos Observados O Informe de 2018 refere que em 2017 foram comunicados ao Ministério Público pelas instituições obrigadas por lei 97 casos de transacções e de abstenção de operações financeiras suspeitas e que as mesmas ditaram a instauração de processos-crime e tomada de medidas pertinentes, havendo até arguidos presos.
Segundo o Informe em análise, foram instaurados 40 processos-crime em 2017, contra 16, em 2016. Contudo, mais uma vez não existem procesos acusados envolvendo casos de branqueamento de capitais. A lei que visa a prevenção e o combate ao branqueamento de capitais não tem vindo a conhecer aplicação, como acontece com outras. Tal se afere pelo facto de que com a mesma, não serem conhecidos alegados agentes envolvidos em actos de corrupção que tenham sido acusados e condenados pelos tribunais.
De forma contínua, os Procuradores-Gerais da República vão se revezando nos últimos anos no órgão, sem apresentar resultados sobre esta matéria em concreto, limitando-se a especular sobre casos, apenas, suspeitos, de configuaraem situações ligadas ao branqueamento de capitais.
No Informe de 2018, alega-se que falta uma lei referente ao sector imobiliário, visando criar um regulador específico que fiscaliza as actividades levadas acabo nesta área, o que consubstancia que há suspeitas da prática de actos que configuram branqueamento de capitais nesta área. Contudo, quem de direito, no caso os Procuradores-Gerais da República visados, não apresenta factos que possam conduzir a investigação de situações suspeitas e dos prováveis envolvidos. limitando-se a emitir declarações, para mais públicas, no entanto, despidas de conteúdo.
Em 2011 Augusto Paulino, então Procurador-Geral da República por aquelas alturas, referiu-se a
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situações suspeitas de branqueamento de capitais numa palestra que orientou na Academia de Ciências Policiais (ACIPOL) nos seguintes termos: “As mansões que se erguem diariamente em Maputo e os vários projectos de construção de condomínios servem de capa para dissimular ou esconder a origem ilícita da riqueza de muitos cidadãos.” Contudo, no seu consulado como timoneiro da ProcuradoriaGeral da República, não foi acusado nenhum caso e ele acabou sendo exonerado.
Em 2016, concretamente no dia 25 de Janeiro, o Banco de Moçambique veio referir-se às mesmas suspeitas, já com incidência sobre o uso de cartões bancários. No presente Informe de 2018, Beatriz Buchili vem levantar as mesmas suspeitas a que Augusto Paulino se referiu em 2011, também incidindo sobre o sector do imobiliário e à ausência de um regulador na área como a causa que concorre para o agudizar das supeitas sobre de actos ligados ao braquemanto de capitais estarem a ser cometidos no mesmo.
Contudo, não são mostradas evidências e casos investigados, continuando-se com as mesmas queixas de dificuldades na investigação e de falta de pessoal capacitado para o efeito. A questão que fica é: o Ministério Público tem feito participar os magistrados em várias acções de formação no exterior, será que nenhumas delas incidem sobre esta área específica de investigação de actos ligados ao branqueamento de capitais? Se não, porque não são organizadas tais acções de formação com a chamada de técnicos especializados de países que já deram provas na investigação deste tipo de criminalidade? Por que o Ministério Público se concentra em formar os magistrados em áreas de criminalidade comum ao invés de os concentrar na criminalidade mais complexa e que exige conhecimentos apurados na sua investigação?
Assim, fazem sentido as plavras de Augusto Paulino, proferidas em 2011, sobre esta forma de criminalidade, nos seguintes termos: “É a partir dos centros nevrálgicos do poder que o crime organizado actua.” Ou seja, Paulino queria referir-se no sentido de que tais situações criminais ou que configuravam suspeitas do cometimento desta tipologia criminal aconteciam porque os agentes que podiam ser indiciados estavam protegidos pelas mais altas figuras do poder político em Moçambique.
Quid Juris, Senhora Procuradora-Geral da República?
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