24/06/2019
Eis como muitos dos seus colegas o catalogam. Samo Paulo Gonçalves, 65 anos de idade, que já devia estar na reforma, continua a espalhar seu terror no sistema prisional moçambicano. Já antes da independência, ele trabalhava no sector, tendo bebido muito da brutalidade do sistema prisional colonial.
Com a independência em 1975, o sistema passou por fases distintas, incluindo, mais recentemente, a incorporação da cartilha dos direitos humanos: a ideia de que reclusos, preventivos ou condenados, estão sob privação de liberdade, mas gozam dos mais elementares direitos humanos. Um desses direitos, consagrado constitucionalmente em Moçambique, é o direito à informação. Mas Samo Paulo Gonçalves é de uma escola onde direitos humanos não existem.
Ele é o Director Nacional do Serviço Penal dentro do SERNAP (Serviço Nacional das Prisões). É o segundo elemento na hierarquia do SERNAP, depois do Diretor Geral, Joaquim Cumbi. Na semana passada, Samo Gonçalves cometeu uma "proeza". Sem consulta a seus pares, dírigiu-se à unidade prisional do Língamo, para onde foram transferidos os arguidos das "dívidas ocultas" que haviam sido previamente encarcerados no Estabelecimento Preventivo da Machava por ordens de um juiz de instrução (António Carlos Rosário, Gregório Leão, Ndambi Guebuza, Teófilo Nhangumele, Bruno Tandane Langa, Sérgio Namburete, Sidónio Sitoe e Fabião Mabunda).
E tomou decisões polémicas: mandou remover de cada cela todos os televisores, chaleiras eléctricas e microondas. E determinou que a quantidade de fruta em cada cela tinha de ser mínima. A decisão foi cumprida de imediato, apesar de a ordem de Samo Gonçalves configurar uma interferência nos trabalhos do Estabelecimento Prisional. Como director de Serviço Penal ele não tem mandato para se imiscuir na gestão corrente de um estabelecimento prisional, disse à "Carta" fonte abalizada.
Decisões daquela natureza deviam ter sido concertadas com o responsável do estabelecimento prisional, no caso Jordão Mangue, que chefia a cadeia da Machava. Consta que Mangue não foi tido nem achado e muito menos o responsável máximo do SERNAP Joaquim Cumbi. A unidade prisional do Língamo está adistrita ao estabelecimento da Machava.
A decisão de Paulo Samo Gonçalves privou os famosos arguidos de televisão. Mas também já não podem aquecer refeições e muitos menos ferver água para banho. Em pleno inverno, os arguidos das "dívidas ocultas" lavam-se com água fria. Uma fonte abalizada disse-nos que a remoção de microondas e chaleiras eléctricas até pode ser justificada com o argumento de se querer poupar energia, em virtude de orçamentos apertados no contexto da crise económica, que aliás decorre justamente do "endividamento oculto". Mas privar os arguidos de televisores é considerada uma violação gravosa da Constituição.
A decisão de Samo Gonçalves caiu que nem uma bomba no seio do SERNAP. Para quem conhece seu apego ao excesso de zelo, não era de estranhar. Decano da instituição prisional, Samo Gonçalves é uma figura vista como uma "biblioteca*, por conhecer os cantos da casa, mas também como um "caduco*, por não ter evoluído substancialmente sua cultura de gestão penal. Tem ainda muito de "pidesco" (de PEDE) na sua cabeça, comentou uma fonte.
É bem provável que as decisões de Samo Gonçalves venham a ser revertidas pelo Ministro de tutela, Joaquim Veríssimo, para dar um cunho de respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos. Mas as ligações americanas de Samo Gonçalves deixaram alguns advogados boquiabertos. Ele é o representante local da igreja americana Momon (Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias), que vem se implantando fortemente em Moçambique nos últimos anos. Terá essa ligação americana influenciado suas decisões? Eis uma questão que muitos se colocam.
Qualquer que seja a resposta, uma coisa é certa: Samo Gonçalves continua ainda um homem com relativa influência no sector, que até conseguiu que sua mulher fosse colocada como directora do Estabelecimento Prisional Feminino de Dhlavela. E nas últimas semanas, o homem também esteve na berlinda ao conseguir que 17 funcionários do SERNAP fossem parar à cadeia por alegadamente terem participado da concessão de liberdade condicional a Nini Satar em 2015. Todos os 17 foram recentemente libertados sob caução. Medida que lhe desagradou profundamente. A expectativa agora é ver como a tutela vai reagir: ou deixa que mais uma violação manche o processo ou sai em defesa da justiça.(Marcelo Mosse)
CARTA – 24.06.2019
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