quarta-feira, 19 de junho de 2019
Coincidindo com as vésperas do Congresso do MPLA, foi emitido, a 12 de Junho de 2019, um comunicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) acerca da Primeira Avaliação do Acordo Alargado com Angola.
Esse comunicado tem vários aspectos interessantes que mereceriam comentários, mas vamos concentrar-nos em apenas dois temas aí abordados.
O primeiro tema está razoavelmente escondido na frase “The authorities are committed to gradually eliminating subsidies” (“As autoridades estão empenhadas em eliminar gradualmente os subsídios”). Como bem explica um diário angolano, com esta frase o FMI insiste “no fim dos subsídios estatais aos combustíveis, energia e água”.
Esta é uma exigência tradicional do FMI e tem uma justificação dual baseada na teoria económica clássica. Em termos de finanças públicas, representa uma forma de o Estado poupar dinheiro e cortar despesa. É muito simples. Se o Estado gasta vários milhões a subsidiar o preço dos combustíveis, deixando de fazer esses pagamentos, deixa de ter essa despesa. A isto acresce a ideia de que a existência de subsídios prejudica o funcionamento da lei da oferta e da procura, que garante o bom funcionamento dos mercados. É através da existência de um preço livremente fixado que se define a procura e a oferta de um produto de forma eficiente e racional, não se produzindo mais do que é necessário, nem se comprando mais do que se precisa. Por estas razões, conclui a tese em que o FMI acredita, a eliminação dos subsídios poupa dinheiro ao Estado e cria mercados racionais e eficientes de produtos.
Todavia, se esta é a teoria, a concretização prática incorpora alguns detalhes que é importante sublinhar. Falemos do caso dos subsídios aos combustíveis. Em Angola, esta prática existe porque o Estado pretende que as famílias e as empresas tenham acesso a gasolina ou gasóleo a um preço baixo. Como se sabe, o país, embora seja produtor de petróleo, tem de importar a maior parte dos combustíveis de que precisa. Caso o custo dessa importação se repercutisse nos preços de venda ao público, a gasolina e o gasóleo seriam demasiado caros para grande parte dos angolanos. Para custar menos é que existem os subsídios.
O problema é que o fornecimento de combustível é realizado de forma monopolista. Isto quer dizer que são empresas específicas e únicas as responsáveis pela importação de combustíveis. A Totsa (do Grupo francês Total Oil Trading) fornece a gasolina, e a Trafigura fornece gasóleo e gasóleo de Marinha. Esta última foi publicamente associada a várias moscambilhas do general Dino, tendo deixado de importar no início do mandato de João Lourenço; depois da crise dos combustíveis em Maio último, voltou a ser contratada como importadora monopolista.
Ora, uma empresa monopolista tende naturalmente a cobrar preços mais altos, uma vez que não tem concorrência. Isto é óbvio.
Por isso, retirar os subsídios aos combustíveis e, simultaneamente, manter os monopólios de importação não gerará mais eficiência no mercado. Em vez disso, serão as populações quem passará a “engordar” os lucros dos monopólios de importação de combustíveis, e já não o Estado.
É evidente que, a acontecer desta maneira, a medida do FMI será contraproducente. A solução passa por, em primeiro lugar, introduzir a concorrência no fornecimento/importação de combustíveis. É preciso testar o sistema, para ver se a concorrência faz baixar os preços, e só depois de isso se verificar, então sim, eliminar os subsídios. Caso contrário, estaremos a obrigar a população a patrocinar os lucros do general Dino e associados. Bem se percebe que tal efeito não faz sentido em termos económicos e políticos.
O segundo tema que merece a nossa atenção está contido na seguinte expressão: “The authorities are about to finalize a strategic restructuring plan for Angola’s largest state-owned bank” (“As autoridades estão prestes a finalizar um plano estratégico de reestruturação para o maior banco estatal de Angola”). Neste caso, a referência é ao BPC – Banco de Poupança e Crédito de Angola.
As várias informações de que dispomos, e que foram sendo publicadas um pouco por toda a parte, dão conta de que o nível de incumprimentos creditícios existentes neste banco é enorme, possivelmente superior, neste momento, a três mil milhões de euros.
Facilmente se percebe que isto é uma bomba-relógio que a qualquer tempo pode explodir e que não é muito diferente da que havia em Portugal em 2011 e obrigou o governo português a gastar mais de 15 mil milhões de euros em injecções nos bancos. Possivelmente, o BPC precisará de pelo menos mil milhões para suportar as suas dificuldades, sendo que para já apenas reflectiu uma perda de 400 milhões de euros. Sabendo-se que o empréstimo do FMI é de somente três mil milhões de euros, percebe-se que Angola não dispõe de dinheiro para uma reestruturação da banca nacional sem dor. O que mais pode ir fazendo é adiar o problema, até ter condições financeiras semelhantes às portuguesas para solver os passivos bancários.
Não pode o FMI querer que Angola resolva os problemas criados pelo desnorte total e completo da gestão do anterior presidente num ápice, mas, por outro lado, os problemas têm de ser enfrentados.
No caso dos combustíveis, há que lançar a competição entre várias empresas que providenciem o seu fornecimento. Relativamente à situação da banca, há que preparar um plano drástico de resolução do enorme crédito malparado, o que forçosamente envolverá perdas para os accionistas, injecções de capital por parte do Estado e muitas fusões e aquisições entre bancos.
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