SEGUNDA-FEIRA, 14 DE NOVEMBRO DE 2016
Tal como a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) foi criada por pessoas de várias nacionalidades (Ghana, Tanzânia, África do Sul, Kenya, Portugal, etc.) a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) também teve, no seu começo, pessoas de várias nacionalidades (portugueses, rodesianos, sul-africanos, malawianos, etc.). Porém, a historiografia da fundação destes movimentos sempre ignorou este facto, dando maior relevância aos elementos endógenos. A Renamo teve objectivos iniciais de difícil compreensão, conforme a composição dos seus fundadores e porque, sem retaguarda segura para um Congresso, teve que desenhar os seus objectivos no decurso da própria luta. Para críticos da Frelimo, os moçambicanos, sobreviventes das rusgas feitas a seguir à tentativa do golpe de estado de 17 de Dezembro de 1975, queriam dar continuidade ao processo de luta pela independência por considerarem que a transição do regime colonial tinha sido mal feita. Segundo a tese pró-Frelimo, na mesma altura, com a independência de Moçambique, os rodesianos queriam apoio de moçambicanos para os ajudar a desestruturar as bases dos movimentos nacionalistas que lutavam contra o regime UDI de Ian Smith, com destaque para ZANU Frente Patriótica e ZAPU, por um lado. Os luso-moçambicanos e outros portugueses interessados em ficar mas forçados a fugir, em parte pelos acontecimentos do 7 de Setembro de 1974, queriam manter os seus privilégios. Só uma conjugação de factores exógenos e endógenos explica a origem da Renamo. Neste escrito pretendo apresentar, de forma sumária, o que chamo de africanização da Renamo.
São de Março de 1976 os primeiros ataques coordenados contra o regime de Maputo, embora o mítico fundador da Renamo, André Matsangaissa, só se tenha evadido da prisão-campo de Sacudzo em Outubro seguinte. Para a criação do núcleo armado da Renamo valeu-lhe a ajuda de Manuel Mutambara e Marcos Amade, Orlando Cristina, Pedro Marangoni, Rui Silva entre outros. As verdadeiras frentes da Renamo foram feitas de forma gradual, de 1979 a 1984. De facto, em 1979 André Matadi Matsangaissa (Manica) e Paulo Tobias (Ndau) abriram a Frente de Sofala enquanto, no mesmo ano, João Macia Fombe (Manica), Lucas Mulhanga (Ndau), Mário Franque (Manica), Languane Vareia Manje (Sena) e Magurende John (Manica) abriam a frente de Manica. Estavam assim espalhadas as primeiras bases entre Chinete, Mucuti, Mabate, Sitatonga, Muxungue e Chidoco. Em 1981, Magurende John e Abel Tsequete prosseguiram com a luta para além do Zambeze tendo aberto a Frente da Zambézia enquanto Vareia Manje conquistava as almas da Terra de Boa Gente (abrindo a Frente de Inhambane) e Mário Franque abria a Frente do coração da Frelimo (Gaza). Em 1982, Pedro Muchanga (Ndau) abriu a frente de Maputo e Caliste Meque (Ndau) abriu a Frente de Tete. Em 1983, Ossufo Momade (Makwa) abriu a Frente de Nampula tendo-a dividido em duas zonas de influência, enquanto Rocha Paulino (Sena) abria a Frente do Niassa e, no ano seguinte, 1984, a Frente de Cabo Delgado.
Os sinais de ruptura entre os interesses externos e internos da Renamo começaram a verificar-se ainda no começo, quando André Matsangaissa decidiu deslocar-se para o interior de Moçambique e recusou ser pau mandado do regime de Salisbury. A partir de pequenas bases que foi criando, Matsangaisse e seus seguidores apostaram nas emboscadas ao longo das estradas em volta da Gorongosa (a Frelimo também apostara nas emboscadas ao longo do rio Rovuma) enquanto o seu confiado, que será seu substituto, Afonso Dhlakama, coordenava as emboscadas na região que vai de Inchope ao Save. Os sucessos das emboscadas permitiram aumentar o o número de doutrinados. Alguns dos raptados eram libertos para irem dar a boa nova aos aldeões e mostrar o lado humano do novo movimento. Em Outubro de 1979, durante as operaçóes governamentais contra a Serra, André Matsangaissa desapareceu, em definitivo, e o corpo nunca foi localizado, embora tenham ocorrido zuzuns de ter sido evacuado pelos boeres ou pelos rodesianos. Em seu lugar foi colocado Afonso Dhlakama que disputou o lugar com o comandante Lucas. Dhlakama era esperto e percebeu o andar das coisas. O primeiro esforço dele foi tentar africanizar a Renamo ao mesmo tempo que sabia do valor acrescentado de manter contactos com antigos colonos a fim de conseguir apoios.
O Acordo de Incomati foi mais determinante para Dhlakama e a Renamo terem consciência da necessidade imperiosa da sua africanização. Embora o regime tenha afirmado por varias vezes com provas que o movimento continuava a receber apoios do Apartheid, o afastamento era notório. O ataque a linha de energia que conduzia a África do Sul que se seguiu a Cimeira do Songo eram algumas das provas que apontam para esse sentido. De facto, não fazia sentido que a Renamo destruísse infra estruturas de um regime que a apoiava. Numa carta secreta de 12/6/85, Piter Botha ao diz ao Presidente Reagan que deixou de apoiar a Renamo e que pedia mais apoio de Washington a Frelimo para que esta abandonasse o regime socialista. E pedia ajuda, porque «Mr. President, South Africa’s resources are limited and our priorities must naturally lie within our own borders. Nevertheless, given the size of our Gross National Product, I am sure, that you will agree that we are doing more than our fair share towards trying to wean Mozambique from Moscow». E a Renamo, apercebendo-se deste movimento diplomático passou a confiar mais nas capacidades internas. Negociava armas com alguns generais e deixava que o exército moçambicano lhe formasse homens.
O comprometimento de Washington não se fez demorar, embora as mágoas da expulsão de seus espiões pelo regime de Maputo e as tensões que dela se geraram continuassem a pairar. contudo, era melhor ter o regime de Maputo ao seu lado do que apostar na Renamo. Enviou assessores, correspondendo com o regime conservador da Magret Thacher. Formaram soldados moçambicanos no Zimbabwe e os ataques a Renamo prosseguiram, desta vez já sem grande apoio nem do Zimbabwe muito menos da Africa do Sul. A corrupção no exército nacional em que generais comercializavam armas com a Renamo foi uma das coisas que o colocou em desvantagem. Um autor apontava o facto de se ter privilegiado comandantes Ndau para uma área cujos ressurgentes eram, na sua maioria, também Ndau. Maputo estava na dificuldade porque colocando homens que desconheciam a língua local dava-se a ideia de serem forças de ocupação pelo que o povo não compreendia bem a importância da presença daquelas forças que eram frequentemente traídas. O distanciamento da Renamo dos seus apoiantes estrangeiros foi acompanhado por uma introdução gradual de elementos africanos. As lideranças no interior do país, distanciavam-se dos porta-vozes fora do país o que ao mesmo tempo era sinal de fraqueza e de grandeza. Fraqueza porque criou-se um corte de apoio externo que fosse capaz de contra informar os relatórios que eram publicados no exterior sobre as atrocidades que a ela se dirigiam mesmo quando as provas não eram evidentes. O impacto do Relatório Gersony tem que ser compreendido à luz destas metamorfoses. Grandeza porque permitiu que a Renamo se afirmasse como força interna cortando os argumentos do governo que insistia em negociar com o regime de Pretoria ou seja, no lugar de negociar com o cão podemos e devemos negociar com o dono.
Dhlakama começou com o processo cauteloso de afastamento de todos os indivíduos que tinham um compromisso com o passado colonial para não dar a entender que seria o instrumento do colonialismo para desestabilizar. Cortou as ligações de lobby anti comunistas nos EUA e os amigos na RAS porque o regime insistia em que não negociaria com portugueses. Aboliu o cargo de Secretário Geral, em meados de 1986, quando Evo Fernandes foi colocado no Departamento de Estudos. Fernandes, tal como alguns pesos frelimistas, era um português descendente de goeses, amigo pessoal de Jorge Jardim, dono do Noticias da Beira. O substituto de Fernandes, acabou sendo expelido do Conselho Executivo nacional em Fevereiro de 1987. Na mesma altura também foi expulso Jorge Correia, amigo pessoal de Evo Fernandes que representava a Renamo na Europa Ocidental, anunciador da operação Cachimbo Ardente. De acordo com a nota de 27 de Fevereiro de 1987, Fernandes e Correia eram acusados de falsa informação, roubo de dinheiro, tentativa de dividir o movimento e nepotismo. Embora sem mencionar no concreto, sabe-se que Correia fizera declarações assumindo a autoria de explosão de uma bomba contra um autocarro em Maputo da qual ficaram feridas 49 pessoas o que embaraçou o movimento que atribuía o atentado a tropas dissidentes dentro das forças armadas esperando tirar vantagens.
Em contra-mão, a Renamo começou a receber pesos pesados, é afirmação de pessoas como o caso de Sebastião Chapepa, antigo enfermeiro da Frelimo e que se juntou à Renamo em 1977, Vicente Ululu, antigo membro da UNAMO, João da Silva Ataide, que era embaixador de Moçambique em Portugal, embora estivesse a guardar seu secretismo como apoiador da Renamo em Lisboa; José Francisco Mascarenhas, numero dois de Ataide e antigo agente do SNASP (Serviço Nacional de Segurança Popular. Depois da deserção do chefe do SNASP, Jorge Costa, em 1982. Mascarenhas fora um dos 100 presos da Frelimo durante muito tempo; Francisco Nota Moises, antigo estudante do Instituto Moçambicano e ex-funcionário da British Broadcasting Corporation (BBC) em Nairobi (Kenya) que ocupou cargo de Informação em Dezembro de 1986, Artur Januário da Fonseca, antigo representante da Renamo na Europa Oriental até 1986, antigo agente secreto do regime colonial nos anos 1960. Porém, desde a queda de Fernandes, todas as informações eram feitas por Paulo de Oliveira, outro português que trabalhara para o diário Português «O Dia». Em Washington representava a Renamo Luís Serapião que em meados de 1985 lançou a criação do Mozambique National Independence Committe (CONIMO) em companhia de Zeca Caliate (antigo comandante que abriu a frente da Frelimo em Tete e que em 1973 desertou para o regime colonial, e de Máximo Dias, antigo fundador do Unidade por Moçambique com Joana Simeão. Serapião fora antigo estudante bolseiro da Frelimo que nos anos 1960 recusou regressar para Tanzania e na altura dava aulas na prestigiosa Universidade Americana «Howard Universtry». Na mesma ocasião e no mesmo espaço estava também outro estudante dos anos 60, Artur Vilanculos, que engrossara as fileiras da COREMO. Entrou na Renamo em 1982.
Em suas campanhas anti-Frelimo, acusavam esta de estar a levar a cabo uma política neocolonial de exclusão política, económica, social e cultural. Mas sobretudo de estar a implementar as práticas fascistas que tinha jurado combater sob a capa de regime progressista, apostado na construção de uma sociedade avançada e na criação do homem novo moldado no partido único, dirigido por um só líder omnipotente, omnipresente e incontestável, conformado com um só pensamento. A guia e marcha substituíra a caderneta indígena e os campos de São Tomé para onde eram deportados alguns moçambicanos no tempo colonial, vieram para Cabo Delgado, Niassa, Gaza, etc., no âmbito de processos de reeducação e de produção. No auge da guerra, acusaram o regime de estar a forçar as pessoas a deslocarem-se para cidades ou para países vizinhos, como forma de privar a guerrilha de alimentação, tal como fazia o exército colonial português. Porém, isso ajudou a que a Renamo criasse um sistema de abastecimento da Zambézia para Manica, através das famosas colunas. No Zimbabwe estaria Thomas Schaff, um agricultor norte-americano que estaria a colaborar com a Renamo e que ajudou na libertacão de muitos raptados por este movimento. A outra força da africanização e moçambicanização da Renamo foi o presidente do PADELIMO (Partido Democrático de Moçambique) Fanuel Mahluza, autor do acrónimo Frelimo, na altura vivendo no Kenya mas com muitos interesses políticos na África do Sul. Este partido terá sido fundamental nas conexões e ligações das negociações da Renamo no Kenya, (muito embora o papel da Igreja esteja sendo dado mais valor) que permitirão o AGP, o que levava a Africa Confidencial considerar que o PADELIMO era a Frente da Renamo no Kenya onde vivia Leo Milas, segundo Secretário da Defesa da Frelimo, agora como funcionário das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, cujo apoio na fundação da Renamo ainda não foi estudado. Foi Dhlakama quem transferiu a base da Renamo para Transvaal, após a independência do Zimbabwe. Porém, uma das dificuldades na moçambicanização interna da Renamo foi a excessiva existência de comandantes da etnia Ndau. Se por um lado esta presença da tribo do presidente garantia lealdade, por outro dificultava a expansão das acções da guerrilha para outras partes. Foi neste sentido que começaram sendo confiadas pessoas de outras tribos que levaram a guerra para longe de Manica e Sofala. Ao Norte do Zambeze valeu o apoio do dirigente da África Livre, Gimo Phiri, que do Malawi lançou uma ofensiva ao norte de Tete e na Zambézia o que obrigou o regime, no caso da Zambézia, a pedir socorro de tanzanianos graças aos quais conseguiu livrar-se das investidas. Quando as tropas governamentais concentraram o fogo no Centro, a Renamo foi atacar Maputo e Gaza, operando através das bases da África do Sul.
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