29/09/2018
Por João Mosca
Na Frelimo existem militantes que deram tudo pela pátria. Estão há quase 60 anos na FRELIMO; eles são da FRELIMO e A FRELIMO é, em parte, resultante deles. Lutaram colocando as suas vidas em risco. Sofreram. Alguns deixaram vidas confortáveis para se dedicarem generosamente a causas nobres. Viram seus familiares morrerem e sofrerem. Recuperaram a memória colectiva do Moçambique escravizado e colonizado, com tudo o que essas condições de subjugação representam. Participaram em um dos partidos constitutivos da FRELIMO, formaram a Frente de Libertação de Moçambique, transformaram esta organização em partido marxista-leninista, proclamaram a independência de um novo Estado. Nasceu uma nação e recuperaram-se identidades históricas e culturais seculares. Outros, de militância mais recente, com respeito pelas diferenças, a geração da independência, também.
Os discursos da libertação, da justiça e da igualdade, contra a exploração, a construção de uma nação próspera e progressista ou mesmo socialista, entre outros slogans (ou pretensões genuínas), foram mobilizadores de jovens de todas as regiões, raças e credos religiosos. Nestas causas (e por interesses também), se envolveram países socialistas, países e forças progressistas de todo o mundo, militantes em nome individual de partidos similares de outros países. Os discursos e as opções provocaram a ira de interesses externos, de multinacionais e do capitalismo emergente, principalmente numa base colonial e racial e também de uma parte da elite nacionalista não concordante e dissidente. Na intenção socialista, aceitaram-se acrescidos sacrifícios de guerra, de destruição, do carapau e do repolho como alimento de todos os dias. O conflito tinha como um dos panos de fundo a guerra-fria, a existência do apartheid e de situações coloniais na região Austral de África. A guerra civil, chamada de 16 anos, tinha também razões internas: a opção de um regime socialista, um sistema económico exclusivista do sector privado e da maioria da população, sem ou com poucas liberdades e direitos dos cidadãos, um poder autoritário. Tudo isto ornamentado com discursos populistas em defesa ou em representação de um povo sem mecanismos de legitimação democrática (embora a grande adesão popular nos primeiros anos após a independência). Usavam-se os termos “poder popular”, “aliança operário-camponesa”, “luta anti-imperialista”, “Moçambique, o túmulo do capitalismo”, “socialismo científico”, “bandidos armados”. Falou-se de construir a Nação e de enterrar o tribalismo (etnias/nacionalidades).
Nas últimas duas décadas, tudo, ou quase tudo, mudou. Muitos dos supostos marxistas, sem terem lido Marx e defensores narrativos dos valores acima referidos, são hoje os protagonistas de um Estado do qual se servem para a defesa dos seus interesses e dele obterem rendas, transformando a administração pública numa plataforma de distribuição hierarquizada de recursos e mordomias. Da propaganda socialista, emerge uma ideologia indefinida, porque, tal como não leram Marx, também são, na maioria, desconhecedores dos fundamentos teóricos e instrumentais de alguma outra ideologia ou corrente de pensamento. Nasce a ideologia do power and money a todo o custo.
Os discursos da libertação, da justiça e da igualdade, contra a exploração, a construção de uma nação próspera e progressista ou mesmo socialista, entre outros slogans (ou pretensões genuínas), foram mobilizadores de jovens de todas as regiões, raças e credos religiosos. Nestas causas (e por interesses também), se envolveram países socialistas, países e forças progressistas de todo o mundo, militantes em nome individual de partidos similares de outros países. Os discursos e as opções provocaram a ira de interesses externos, de multinacionais e do capitalismo emergente, principalmente numa base colonial e racial e também de uma parte da elite nacionalista não concordante e dissidente. Na intenção socialista, aceitaram-se acrescidos sacrifícios de guerra, de destruição, do carapau e do repolho como alimento de todos os dias. O conflito tinha como um dos panos de fundo a guerra-fria, a existência do apartheid e de situações coloniais na região Austral de África. A guerra civil, chamada de 16 anos, tinha também razões internas: a opção de um regime socialista, um sistema económico exclusivista do sector privado e da maioria da população, sem ou com poucas liberdades e direitos dos cidadãos, um poder autoritário. Tudo isto ornamentado com discursos populistas em defesa ou em representação de um povo sem mecanismos de legitimação democrática (embora a grande adesão popular nos primeiros anos após a independência). Usavam-se os termos “poder popular”, “aliança operário-camponesa”, “luta anti-imperialista”, “Moçambique, o túmulo do capitalismo”, “socialismo científico”, “bandidos armados”. Falou-se de construir a Nação e de enterrar o tribalismo (etnias/nacionalidades).
Nas últimas duas décadas, tudo, ou quase tudo, mudou. Muitos dos supostos marxistas, sem terem lido Marx e defensores narrativos dos valores acima referidos, são hoje os protagonistas de um Estado do qual se servem para a defesa dos seus interesses e dele obterem rendas, transformando a administração pública numa plataforma de distribuição hierarquizada de recursos e mordomias. Da propaganda socialista, emerge uma ideologia indefinida, porque, tal como não leram Marx, também são, na maioria, desconhecedores dos fundamentos teóricos e instrumentais de alguma outra ideologia ou corrente de pensamento. Nasce a ideologia do power and money a todo o custo.
Hoje, impera a economia do saque, sendo exemplo disso, a devastação da floresta e da fauna bravia, de recursos minerais, dos contratos pouco transparentes e com grandes benefícios fiscais e baixos royalties com as multinacionais do gás e petróleo, do carvão, das areias pesadas, de pedras preciosas e do alumínio. São exemplos os contratos de exportação ao desbarato da energia, os contratos para a construção de infra-estruturas megalómanas a preços exorbitantes e realizados sem estudos de viabilidade económica, social e ambiental. Imperam as relações promíscuas entre o partido no poder e o Estado, a subjugação dos interesses nacionais aos da elite partidária. Existem os fluxos directos e indirectos de recursos do Estado e das empresas públicas para suporte de actividades partidárias. O procurement constitui um canal de corrupções comprovadas, que articula empresas públicas e a administração do Estado com empresas muitas vezes pertencentes às mesmas elites. O Estado assegura privilégios aos seus servidores superiores e rendas para toda a vida. Por outro lado, o Estado é fragilizado e desestabilizado com o objectivo de dificultar ou impossibilitar o exercício das funções legislativas, de regulação, fiscalização e sancionamento. Facilita-se, ou encobre-se, o não respeito pelos direitos humanos. Finge-se não conhecer os mandantes e executantes de assassinatos políticos e de ajuste de contas. Conhece-se e não se actua em relação a práticas de actos próprios da escravatura na actividade do garimpo. Montam-se as fraudes eleitorais. Mata-se.
E tudo isto, no essencial, com os mesmos dirigentes que lutaram pela libertação do país e que propagandeavam o socialismo e os valores acima enumerados, entre outros. Põe-se ainda a hipótese que tudo foi uma mentira meticulosamente arquitectada. Infelizmente, grande parte desses moçambicanos, que poderia ficar na história dourada de Moçambique, ficará nas páginas negras. Não é a estes que dirijo este texto. A história não os absolverá. A história não será, e já não é, escrita somente pelos vencedores.
A questão deste texto é: por que razões os militantes da FRELIMO que mantiveram condutas pessoais e profissionais decentes, continuam militantes desta FRELIMO? Por decência, refiro-me simplesmente ao não envolvimento em casos de corrupção, ao enriquecimento não transparente, a práticas de assassinatos, tortura e outras formas de agressão dos direitos humanos. Porque esses militantes se mantêm como militantes da FRELIMO, mesmo ostracizados, mal-tratados e excluídos? Várias possibilidades podem justificar para caso concreto (por pessoa ou grupos de pessoas).
Quando se pergunta a alguns desses militantes, a resposta tem um denominador comum: é preciso fazer esforços de mudança a partir de dentro da FRELIMO, recorrendo-se ao facto de, ao longo da sua história, terem acontecido grandes mudanças e que estes processos são lentos e sempre acarretam riscos de desintegração da organização. Alguns referem, ainda, que, mesmo com os problemas existentes, é preferível esta FRELIMO a qualquer das alternativas do poder.
Pensando em outras possíveis razões, é possível referir:
Todos os militantes da FRELIMO possuem uma fidelidade (geralmente canina) ao partido. Cimentam esta fidelidade vários tipos de compromisso criados natural ou artificialmente, como sejam: segredos da guerra, de assassinatos, de negócios, de alianças intestinas, de comportamentos desviantes à “linha política do partido”, de lutas pelo poder, entre outros.
A manutenção do sigilo fez, e porventura ainda faz, parte dos mecanismos de protecção e reprodução do poder e da imagem “imaculada” (já não) da FRELIMO e dos seus militantes. A quebra do sigilo é considerada uma traição de consequências imprevisíveis. É prudente evitar esses riscos e, por isso, muito dificilmente esses militantes “decentes” dizem algo relacionado com os casos referidos, entre outros. Quase todos sofrem de amnésia aguda e crónica. E, quando dizem, imediatamente são “chamados à ordem” e acusados de “indisciplina partidária”. Diz-se que internamente há algum debate, mas estes ficam nas quatro paredes. Talvez um dia o povo destruirá essas paredes. Muita coisa, para além do que devem pensar, se sabe caros militantes decentes.
A manutenção do sigilo fez, e porventura ainda faz, parte dos mecanismos de protecção e reprodução do poder e da imagem “imaculada” (já não) da FRELIMO e dos seus militantes. A quebra do sigilo é considerada uma traição de consequências imprevisíveis. É prudente evitar esses riscos e, por isso, muito dificilmente esses militantes “decentes” dizem algo relacionado com os casos referidos, entre outros. Quase todos sofrem de amnésia aguda e crónica. E, quando dizem, imediatamente são “chamados à ordem” e acusados de “indisciplina partidária”. Diz-se que internamente há algum debate, mas estes ficam nas quatro paredes. Talvez um dia o povo destruirá essas paredes. Muita coisa, para além do que devem pensar, se sabe caros militantes decentes.
A FRELIMO é poder e, com isso, existem acessos multiformes a privilégios e mordomias de que os “decentes” beneficiam (mesmo que sustentadas por leis que eles próprios imaginaram, escreveram e aprovaram), como, por exemplo, casas, carros, negócios (decentes), lobbies, acesso à informação privilegiada, recebimento de salários sem presença no local de trabalho (o que se designa por “estar na prateleira”), entre outras. A saída da FRELIMO poderia implicar a perda dessas importantes fontes de rendimento.
A maioria destes militantes não sabe como sobreviver “por conta própria”, isto é, sem as facilidades e as “connections” partidárias; os filhos poderiam também sofrer consequências. A FRELIMO passou a ser uma entidade empregadora. A política virou uma profissão e um negócio. Muitos têm mais de 50 anos de FRELIMO!!. Outros menos, mas recuperam bem o tempo.
Finalmente, a maioria já não é jovem e, naturalmente, resguarda-se no anonimato que a sabedoria da idade lhes aconselha. As frases de que “isso agora fica para os jovens” ou que “já dei o meu contributo” são bastante enunciadas. Lembram-se da frase “morrer pela pátria?
Regra geral, estas e outras razões estão presentes num mesmo caso (pessoa). Mesmo considerando os erros cometidos, os militantes decentes merecem uma forte vénia de respeito e reconhecimento pela simples, mas fundamental, razão de se manterem coerentes com os princípios fundamentais da ética, dos sacrifícios consentidos e do contributo para a libertação. Mereceriam muito mais consideração e respeito se se desmarcassem desta FRELIMO actual. Resta a esses militantes uma responsabilidade histórica: permitiram que a FRELIMO nacionalista, de valores e ideais, se transformasse num partido assaltado por oportunistas e corruptos. Alguns dirão: sim, é verdade, mas esses são a minoria. Admitindo que sejam uma minoria e que há decentes no actual poder da FRELIMO, são eles que mandam. E quem manda, … manda. É necessário que os decentes tenham e assumam essa responsabilidade histórica para que sejam decentes. Se não o fizerem, estarão nos limites entre a decência e a indecência. Seria bom que não engrossassem a malta dos indecentes. Termos indecentes para ser gentil para quem não merece. Outros adjectivos os indecentes merecem e tudo fazem por os merecer. E mais responsabilidade os decentes têm, quando foram alguns deles os que apoiaram, em determinado momento, os agentes do gangsterismo. Porque os apoiaram, é outro capítulo.
SAVANA – 28.09.2018
SAVANA – 28.09.2018
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