"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



segunda-feira, 27 de agosto de 2018

Cistac inaugurou um ciclo de assassinatos e agressões físicas contra quem desafiasse o actual regime. Seguiram-se os assassinatos de Jerónimo Pondeca, da Renamo, e do jornalista Paulo Machava, e as violentas agressões físicas ao académico José Jaime Macuane e ao jornalista Ericino de Salema. Estes actos destaparam a excessiva intolerância do regime.

domingo, 26 de agosto de 2018


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Samora Junior é um alvo a abater?
Na terça-feira da semana passada, o General Alberto Chipande levantou-se do leito onde, acometido por doença, tem passado seus dias. No ensopado azedo da política nacional, ele decidiu meter sua colherada de tempero...picante. Subiu ao andar do edifício branco da antiga Pereira do Lago, a sede nacional da Frelimo. A Comissão Política (CP) decidira reunir-se para discutir o "caso Samito". Mas Chipande não foi de meias medidas. Caso Samito?, vociferou. Para ele não havia um "caso Samito". Havia um caso de traição e manipulação. Samora Júnior era um traidor. Nos tempos sombrios da luta de libertação da Frelimo, que durou de 64 a 74, ele teria um destino macabro.
Manipulação! Para Chipande, a acção política de Samora Junior desafiando uma decisão central que lhe impediu que concorresse nas eleições internas da Frelimo para a escolha do cabeça de lista para as autárquicas de 10 de Outubro em Maputo era fruto de uma manipulação: Graça Machel era a temível "alter ego" por detrás da teimosia de Samora Júnior. A sessão desse dia foi intensa, a batata nas mãos em brasa. Chipande barafustou quanto baste. Houve quem sugerisse um cartão vermelho para Samito, para não abrir precedente: expulsá-lo do Comité Central, quando este se reunir em Março de 2019, era o remédio. A poção dissuasória.
Mas quase duas semanas depois dessa sessão da CP já não interessa desvendar quem disse o quê. A súmula do encontro, vertida na intervenção clarificadora de Chipande, foi esta: o avanço de Samora Júnior era um avanço contra si mesmo, Chipande, o "dono" do mandato presidencial de Filipe Nyusi; era inaceitável que Samora Júnior viesse agora desafiar esse mandato, sem que Nyusi tivesse completado ainda o primeiro de dois consulados à frente da gestão dos destinos do país. Chipande se insurgiu contra os que tentavam tirar Nyusi do poder e disse que o actual presidente, de origem étnica maconde, como ele, tinha também o direito de cometer erros. Samora Machel cometeu erros, Chissano também, Guebuza idem e porque é que Nyusi devia agir de forma perfeita?, questionou ele. E deixou claro que, para ele, Nyusi deve ter o direito de errar e deve igualmente completar dois mandatos sem qualquer oposição. [Para quem está atento, esta coisa de "direito de errar' foi enfatizada num discurso subsequente do SG da Frelimo, Roque Silva Samuel Mbaila, há dias; num esforço em fazer o cover up da dívida oculta, Mbaila perguntou-se: quem não erra? Até o padre na igreja erra, respondeu-se, etc, etc].
Mas a censura de Chipande a Samora Junior foi minimizada pela forma como ele transferiu a culpa para Graça Machel, a razão da deriva de Samito, no seu entender. A impulsão para essa tentativa de olhar para Samito como alvo de uma manipulação maternal tem origem na intensa relação vivida entre o filho de Josina e a família maconde, uma relação que nasce nas zonas libertadas da Frelimo depois da morte de Josina em Abril de 1971, com Chipande tendo tido um papel central ao apontar Ema Cassimo (a viúva de Alberto Cassimo) para cuidar da criancinha que perdera a mãe e tinha o pai demasiadamente envolvido nas frentes de combate. Samito foi sempre um filho para Chipande. A morte de Maria Chipande, meses antes da de Samora Machel, em 1986, acabou também cimentando uma relação estreita entre os seus filhos (Namoto, etc) e os de Machel (depois da morte de Maria, os filhos de Chipande foram morar por uns meses para a Ponta Vermelha).
Chipande assumiu que Samora Júnior havia pisado a linha mas, para ele, o "rapaz" estava a ser manipulado. Dentro do conclave maconde corre a crença de que Graça quer regressar ao poder, usando Samora Júnior. A obsessão contra Graça Machel começou quando seu nome surgiu como primeiro subscritor de uma das listas do abaixo-assinado que obrigou à realização de eleições internas para a sucessão de Armando Guebuza em 2014. Nesse processo, ela se posicionou a favor de Luísa Diogo. Quando Chipande pediu seu apoio para Nyusi, Graça terá dito que "não apostava em cavalos errados". Esse parece ter sido um pecado capital. Mas ela manteve sempre sua postura como uma voz remoralizante dentro do Partido.
Numa sessão do Comité Central em 2016, Graça tocou demasiado na ferida. O assunto em discussão era a dívida oculta. Graça disse que, para ela, era aceitável que os moçambicanos pagassem a componente da dívida contratada para a defesa costeira e da soberania mas aquilo que tinha ido para bolsos privados ela não aceitaria que fosse imputada a seus filhos e netos. Essa posição, incluindo contra as tendências recentes de uma Frelimo com discurso desconexo, desatenta à juventude e capturada por lobbistas que até já compram votos em processos eleitorais internos, atraiu-lhe opositores de toda a estirpe. Hoje, mesmo estando distante da iniciativa política de Samora Machel Júnior, um homem de quase 50 anos de idade e que começou a se organizar para a corrida por Maputo antes de qualquer outro, mobilizando as bases da Frelimo, Graça está a ser atacada.
A procissão vai ainda no adro. A corrida de Samora Junior é vista na clique oriunda do planalto do norte como uma grande afronta. Chipande e Nyusi estão dispostos a tudo para se manterem no poder. Por isso, mesmo antes de findar o prazo de 10 dias dado pela CNE para os "desistentes" da AJUDEM formalizarem sua "desistência", o órgão eleitoral votou pela exclusão do grupo. A interpretação doutrinária do jurista Teotado Hunguana sobre os procedimentos legais da CNE foi ignorada. A Frelimo arregimentou os votos do MDM numa aliança que é explicada como uma moeda de troca por um alegado favor do Presidente Nyusi a Deviz Simango no quadro das suas imunidades como membro do Conselho de Estado.
As facas estão afiadas para combater Samora Júnior. Os escritórios da AJUDEM foram assaltados há dias e um comentador das redes sociais, Julião Cumbane, fez eco a uma ameaça contra a integridade física de Samito, recuperando o ambiente de intolerância e intimidação vivido nas vésperas do assassinato do académico Giles Cistac, em Março de 2015, ainda na madrugada do consulado de Nyusi. Cistac inaugurou um ciclo de assassinatos e agressões físicas contra quem desafiasse o actual regime. Seguiram-se os assassinatos de Jerónimo Pondeca, da Renamo, e do jornalista Paulo Machava, e as violentas agressões físicas ao académico José Jaime Macuane e ao jornalista Ericino de Salema. Estes actos destaparam a excessiva intolerância do regime. E depois que Julião Cumbane proferiu sua ameaça, ante o silêncio gritante da Procuradoria Geral da Republica (e da liderança da Frelimo) o receio de um acto de violência contra a integridade física de Samito se adensou.
O enredo ainda não terminou. Ontem, reagindo à sua reprovação pela CNE, a AJUDEM iniciou uma petição para o Conselho Constitucional (CC) mas os juízes deste órgão, nomeados pela Frelimo, já estão a receber uma indicação sobre como se posicionar para que o filho de Machel não concorra. Samora Júnior está disposto a ir até ao fim da linha. É ele quem quer mudar a Frelimo, que seu pai ajudou a fundar. De Graça apenas conta com o apoio maternal. O apoio de uma mãe que abraçou um filho quando este começou a ser alvo de ameaças.

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