terça-feira, 7 de março de 2017
Africamonitor.net - Diz-se que a chamada “maldição dos recursos” divide-se em problemas de natureza económica e problemas de natureza institucional. Na sua opinião, como é que países como Moçambique podem evitar estes dois problemas?
Carlos Nuno Castel-Branco (CNCB): Esses problemas se existem, não são criados pelos recursos naturais, são criados pelos processos de economia política, pelos processos económicos, políticos, de mobilização, utilização e apropriação do excedente da utilização recursos. Portanto, é o contexto de economia política se decide temos problemas ou não, e não os recursos. O segundo ponto é que, portanto, questões de natureza macroeconómica e as questões de natureza institucional não são criadas pela exploração de recursos em si.
AM.net - Pode dar exemplos?
CNCB - Peguemos nas questões de natureza institucional: se as instituições do país sejam elas os sistemas de leis, de contratos, as organizações, as políticas, os sistemas de informação, estatística e tal são débeis, não são os recursos naturais que vão criar essa debilidade. O que pode acontecer é à medida que a economia tenta expandir-se, à medida que a economia se torna mais complexa, essas debilidades vão ser reveladas de maneira mais evidente. Mas o ponto é que elas existem, independentemente de serem recursos naturais ou não, então é preciso confrontá-las, é preciso enfrentá-las, é preciso resolvê-las, portanto este é um ponto. No que diz respeito às condições macro-económicas, o argumento para o “dutch disease” (doença holandesa) é que um grande influxo de moeda externa, de grande dimensão e repentino, faz a moeda nacional apreciar e isso torna o resto da economia não competitiva, gera inflação, promove importações, pode criar uma dinâmica de armadilha de dívida, e tal. Mas este argumento é baseado em pressupostos muito rígidos e simplistas sobre o funcionamento da economia. Em primeiro lugar não há nenhuma razão para dizer que estes rápidos grandes influxos de recursos externos vão criar um problema de grande apreciação da moeda, porque estes recursos podem ser absorvidos no consumo, nas importações, na expansão da capacidade produtiva, e se isso acontecer, não há nenhuma razão para a moeda apreciar, ou para apreciar numa magnitude que se torne perigosa para a economia. O segundo aspecto é que a apreciação da moeda de facto pode facilitar processos de produção domésticos, incluindo para exportação. Se as empresas dependem muito da importação de componentes para a exportação, essas importações vão ficar mais baratas, e se essas empresas tiverem a habilidade para explorar plenamente a sua capacidade produtiva, melhorar a tecnologia e tornarem-se mais eficazes, com componentes mais baratas, elas vão ser mais competitivas e serem capazes de exportar mais.
AM.net - Quais os factores determinantes neste processo, então?
CNCB - Os “recursos naturais” - que é uma definição bastante vaga e ambígua do que é de facto estamos a falar, mas aquilo normalmente nós definimos com recursos mineiros, energéticos, etc. - são integrados em economias concretas, em dinâmicas de economia política concretas, em dinâmicas sociais concretas que estruturam a economia e estruturam a maneira da economia funcionar, e decidem se há bênçãos ou maldições na economia, não são os recursos naturais.
AM.net - A abundância de receitas tende a fazer com que os políticos e os burocratas as desperdicem em investimentos não rentáveis e gastos conspícuos, que por vezes induz à corrupção. Como é que os países como Moçambique podem evitar que estes fenómenos não se repliquem?
CNCB: De novo a questão do “rent-seeking”, da corrupção, etc., não são um problema de recursos naturais, são um problema do contexto de economia política do país, e se nós pegarmos nesses assuntos e os pusermos no contexto específico de cada país, por exemplo no contexto de Moçambique o que é que em Moçambique de facto existe? Em Moçambique existe um processo de formação de classes capitalistas nacionais através da expropriação do Estado. A entrega a baixo custo e desenfreada de recursos naturais ao capital multinacional é uma maneira de fazer esta ligação entre capital doméstico e capital nacional e atrair financiamento, capital, “expertise” (competências), mercados,etc., para facilitar integração de oligarquias nacionais nos mercados capitalistas mundiais. E todas as questões ligadas com “rent-seeking” são associadas com estes processos. Ora, quando nós pensamos nisso, o que é que específico numa sociedade dada, e como é que estas questões do Estado predador, do setor privado predador, do “rent-seeking”, etc., entram no contexto desta sociedade específica, nós acabamos por verificar que há outros factores que são muito mais importantes do que a estrutura das exportações a determinar o comportamento dos agentes económicos, a determinar a relação entre os agentes económicos, a determinar o que é de facto acontece na economia. Portanto, mais uma vez o ponto é para evitar, para combater esse problema, o primeiro passo é sair da idéia de que recursos naturais criam esses problemas, entrar numa perspectiva, numa visão, numa análise da economia política de Moçambique, e ao fazer isso tentar perceber as interações sociais e económicas e políticas, e agir sobre elas. Portanto, enquanto a prioridade da política económica e a prioridade do Estado, o factor marcante da relação entre o Estado e da sociedade, for a formação de oligarquias nacionais, estas coisas vão continuar a acontecer, elas são parte de um processo de acumulação primitiva de capital, em Moçambique hoje como já foram no passado em outras sociedades. Não há nada de extraordinariamente de diferente.
AM.net - Na controversa carta aberta para o então estadista moçambicano, Armando Guebuza, publicada na sua página no Facebook, CNCB questiona o porquê de Guebuza se preocupar apenas com os recursos que estão em baixo do solo. O que pretendia dizer com estes termos, levando em consideração que recursos em baixo do solo são os recursos naturais?
CNCB - Exatamente, precisamente isso, era que o enfoque da política económica do Governo, o enfoque da intervenção do Estado, é o desenvolvimento de oligarquias nacionais com base na sua ligação com o capital multinacional, e para fazer essa ligação com o capital multinacional é preciso atrair o capital multinacional, e para fazer é preciso dar ao capital multinacional o que eles querem, e o que eles querem são os recursos que estão no subsolo, nomeadamente
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