"Deus criou as pessoas para amarmos e as coisas para usarmos, porque então amamos as coisas e usamos as pessoas?"



sábado, 1 de outubro de 2011

“Os jovens devem lutar pelo fim das injustiças sociais”



Escrito por Raul Senda   
O veterano da luta de libertação nacional José Óscar Monteiro falou de Samora Machel, de socialismo e da relação entre a Frelimo e o Estado aos estudantes secundários de Maputo e da Matola. Concentrado na actividade académica e da advocacia, Monteiro admite que o capitalismo gera desigualdade social e cria o risco de convulsões populares. O combatente aponta as mudanças das últimas décadas e a alteração do sistema económico no país, hoje com meios de produção e de distribuição privados com fins lucrativos, como uma escolha política e um risco. “Moçambique é um país onde a distribuição equitativa de recursos é cada vez mais utópica e a tendência é da riqueza se concentrar numa minoria e a pobreza expandir-se”.
Contudo, o académico afirma que a Frelimo é um partido que defende a propriedade e a administração pública dos meios de produção, bem como a igualdade de oportunidades para os cidadãos. Monteiro lembra que foram estes os ideais de Samora Machel até sua morte. Destaca que a convivência entre pobres e ricos resulta de escolhas políticas e é característica do capitalismo e alerta para o risco de convulsão social. “Nós socialistas somos a favor de uma distribuição mais equilibrada dos recursos existentes e de que todos ganhem o suficiente, cada um segundo o seu trabalho”, disse.
Educação para tomar o poder
Para enfrentar a pobreza o advogado aponta responsabilidades à juventude. Dá o exemplo da geração do 25 de Setembro, que combateu pelo fim da dominação colonial. Aliás, sublinha esta como a verdadeira homenagem da nova geração a Samora Machel. “Ele representou a geração que tomou o poder do regime português para transformar o Estado num instrumento que permitisse que as escolas e os serviços de saúde servissem ao povo. Cabe aos jovens retomar os princípios defendidos por esta figura emblemática”, ressalta.
Ao dialogar com estudantes do ensino secundário, o antigo ministro da informação, do interior e de administração estatal lembrou que Machel defendia a escola como uma arma para o povo conquistar o poder e citou os discursos do presidente. “As escolas devem ser a frente do combate enérgico e consciente contra o analfabetismo, ignorância e o obscurantismo. Devem ser o centro da eliminação da mentalidade e tradição colonial capitalista. Nelas devem ser combatidas a superstição, o individualismo, o egoísmo, o elitismo e a ambição”, repetiu.
Interesse público do Estado
Monteiro também recuperou o papel do Estado na óptica de Machel. “Não podemos fundar um Estado popular com as suas leis e sua máquina administrativa a partir de um estado cujas leis e a máquina administrativa foram inteiramente concebidas pelos exploradores para os servir, não é governando com o saldo concebido para oprimir as massas que se pode servir as massas. As nossas decisões devem ser sempre democráticas no conteúdo e na forma”, evocou o académico.
Sublinhou também que “nem todos podem governar ao mesmo tempo, mas ninguém pode estar no poder e esquecer-se que está a exercê-lo em nome dos outros. Ser titular de um órgão de Estado não significa ser dono de poder. É-se apenas um mandatário do povo por um determinado tempo. Um dos princípios republicanos é a limitação dos mandatos, porque o poder não se concentra numa determinada pessoa”, frisou.
O académico destacou que os governantes devem servir ao público com competência e humildade. “Samora era um homem que manifestava constantemente a sua preocupação com o funcionamento de Estado. Estava preocupado com um Estado ao serviço do povo, com a competência, o rigor e a disciplina. Estava preocupado para que todos avançassem e progredissem e para que o país crescesse”.
José Óscar Monteiro refere que a luta da sua geração era pelo fim da dominação colonial e que em nenhum momento a questão do poder colocava-se. Hoje o que preocupa Monteiro é o facto das novas gerações preocuparem-se apenas com os bens materiais. “Chegam ao emprego e querem tudo duma única vez, esquecendo-se que tudo sai do trabalho. Desde que uma pessoa tenha a qualidade de liderança e de respeito pelo bem público e pelas ideias republicanas, pode tornar-se um bom líder e dirigente”.
Exploração mineral
“Tete é um laboratório de mudanças sociais e económicas
Raul Senda (texto) e Joel Chiziane (foto) 
A província de Tete passou a ser referência obrigatória em Moçambique e no mundo. Deter a maior reserva de carvão mineral do Hemisfério Sul colocou a região no mapa. Porém, o desenvolvimento traz consigo problemas. Expropriação de terras, alto custo de vida e poluição são as principais dificuldades. Alberto Vaquina, governador, afirma que  Tete é “ laboratório de transformações jamais vistas em Moçambique”.
A província vive um crescimento rápido devido aos investimentos no sector da mineração. Cresce uma indústria de apoio ao sector de extracção mineral e afluem trabalhadores de outras províncias e países. Há cinco anos aterravam em Tete dois voos por semana, hoje são 19.  Dados do Centro de Promoção de Investimentos (CPI) indicam que o volume de recursos injectados na região subiu de 3,9 milhões de USD em 2005 para 120,5 milhões em 2009. O grosso dos projectos concentra-se no distrito de Moatize e resume-se ao carvão.
A Vale Moçambique celebrou um contrato com o governo de Moçambique em que a empresa brasileira adquire o direito de exploração por 35 anos. Desde Dezembro de 2009 o investimento da mineradora foi de dois mil milhões de USD, e prevê-se uma injecção de recursos de quatro mil milhões nos próximos anos. Os economistas apontam que a Vale gastará por ano cerca de 250 milhões de dólares em bens e serviços domésticos.
No mesmo ramo de negócio está a mineira australiana Riversdale, em Moçambique desde 2006. Desenvolve o projecto de Carvão de Benga, em joint-venture com a Tata Steel. A empresa anuncia que o projecto entra em funcionamento ainda este ano, a produzir dois milhões de toneladas de carvão por ano. O potencial energético que abunda naquelas terras faz prever que a economia local continue em expansão nas próximas décadas. Além dos projectos já implantados, a African Queen Mines, a Baobab Resources e Coal Índia estão a prospectar ouro, ferro, vanádio e titânio, além do carvão, é claro.
Porém, o desenvolvimento económico carrega contradições. As comunidades locais queixam-se de serem obrigadas a deixar as suas terras sem as devidas compensações ou respeito aos hábitos tradicionais. Com a invasão dos estrangeiros os preços dispararam em Tete e a população tem mais dificuldade em adquirir os bens e serviços básicos. Os ambientalistas dizem que a mineração e a produção de energia terá impacto ambiental, em especial a poluição do ar e dos recursos hídricos. O aumento da pressão sobre os já sobrecarregados serviços públicos é outra das adversidades. O crescimento da criminalidade também é temido pelas autoridades locais.
O facto dos investimentos serem planificados e geridos a nível central, o que deixa os agentes provinciais sem poder de intervenção, põe causa a coordenação e implementação de programas de prestação de serviços sociais pelo poder local. A preocupação está no aumento do fosso entre ricos e pobres em Tete.
Laboratório económico e social  
Alberto Vaquina, governador de Tete, reconhece que o desenvolvimento que a província está a registar traz problemas. “Somos um laboratório de transformações jamais vistas em Moçambique. Estamos a viver uma experiência ímpar. Os processos de reassentamento são de natureza conflituosa. Há muita coisa em jogo e crenças e hábitos tradicionais não têm preço. Recebemos as queixas da população e quando constatamos irregularidades as partes são chamadas a corrigir suas falhas”, argumenta o governador.
As vantagens dos bairros para o realojamento são apontadas por Vaquina: casas convencionais, ordenamento, fontes d’água, hospitais, escolas, postos policiais, mercados, energia eléctrica. Outro dado positivo é a geração de emprego. Indicadores da Vale apontam que foram criados nove mil postos de trabalho, entre os quais 90% empregam moçambicanos, entre estes 80% são da província de Tete.
O sector imobiliário também é afectado pelo desenvolvimento da região. O aluguer de uma casa com dois quartos no centro da cidade custa entre 15 e 20 mil meticais por mês, renda que há cinco anos situava-se entre os dois e os três mil meticais. “É uma realidade com a qual temos de conviver, é sinal de crescimento. O governo não pode contrariar os princípios da economia. A nossa preocupação é garantir um clima social e económico encorajador de novos investimentos. Um indicador positivo é a produção agrícola local, antes vendida no Malawi e actualmente esgotada”, comenta Vaquina.
O desenvolvimento da indústria energética não é acompanhado por infra-estruturas de apoio como as vias de acesso. A rede viária de Tete continua a ser dominada por estradas não asfaltadas. No período das chuvas há distritos que ficam sem comunicação com a capital provincial, como Zumbo e Mutarara. “A situação mudou, a  ligação entre a cidade de Tete e a vila sede de Magoe é feita em três horas, antes levava 10 horas. A estrada que liga a cidade de Tete a Zumbo está a ser concluída nos últimos 100 quilómetros. Estão previstas obras também em Mutatara e Tsangano”, indica o governador.
O semanário Canal de Moçambique acusa o governo provincial de Tete de corrupção e abuso de poder. Compra de viaturas de luxo e venda do património do estado sem obediência aos critérios legais são as acusações centrais. “A minha arrogância e corrupção resumem-se a um governo aberto e na obediência aos princípios que definem o funcionamento dos órgãos de administração pública. A compra dos carros seguiu todos os critérios legais e a venda do património foi deliberada pelo governo provincial. Em parceria com o sector privado iremos viabilizar infra-estruturas de apoio ao desenvolvimento da cidade e poderemos reabilitar o património”, responde Alberto Vaquina ao SAVANA.

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